Pronunciamento de Heloísa Helena em 05/06/2000
Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES SOBRE O DOCUMENTO DENOMINADO CONSENSO DE BERLIM, QUE PREVE A ADOÇÃO DE AGENDA SOCIAL, APOS O FIM DO NEOLIBERALISMO NOS PAISES EM DESENVOLVIMENTO, E CONTRARIO AS METAS PROPOSTAS DURANTE A REUNIÃO DE WASHINGTON, EM 1989.
- Autor
- Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
- Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- CONSIDERAÇÕES SOBRE O DOCUMENTO DENOMINADO CONSENSO DE BERLIM, QUE PREVE A ADOÇÃO DE AGENDA SOCIAL, APOS O FIM DO NEOLIBERALISMO NOS PAISES EM DESENVOLVIMENTO, E CONTRARIO AS METAS PROPOSTAS DURANTE A REUNIÃO DE WASHINGTON, EM 1989.
- Publicação
- Publicação no DSF de 06/06/2000 - Página 11703
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, DOCUMENTO, POLITICA INTERNACIONAL, REVISÃO, POSIÇÃO, LIBERALISMO, ECONOMIA, RECONHECIMENTO, AUMENTO, FOME, MISERIA, DESEMPREGO, VIOLENCIA, MUNDO.
- ANALISE, OBEDIENCIA, GOVERNO BRASILEIRO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), POLITICA, LIBERALISMO, PRIORIDADE, FAVORECIMENTO, MERCADO FINANCEIRO, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, OMISSÃO, POLITICA SOCIAL.
- DENUNCIA, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, FALTA, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, AREA, REFORMA AGRARIA, SANEAMENTO, HABITAÇÃO.
- CRITICA, GOVERNO BRASILEIRO, LIBERALISMO, COMERCIO EXTERIOR, CONTRADIÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, MANUTENÇÃO, PROTECIONISMO.
- DENUNCIA, PREJUIZO, PAIS, PRIVATIZAÇÃO, APREENSÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA.
A SRª HELOISA HELENA
(Bloco/PT – AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, solicito a V. Exª permissão para falar sentada.
Antes de entrar no meu discurso, parabenizo o Senador Casildo Maldaner pelo discurso.
Trago hoje algumas preocupações sobre o destaque que a imprensa desses últimos dias dá ao suposto Consenso de Berlim, encontro em que várias autoridades internacionais, presidentes de muitos países se reuniram para abordar assuntos bastante interessantes.
Sr. Presidente, realmente, nada melhor do que a vida, que é implacável. Há dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez anos, quem falava o que esses senhores estão falando eram considerados dinossauros, incompetentes, eram alienígenas, atrasados, incapazes de compreender o novo mundo, mas agora esses senhores repetem exatamente tudo o que muitos já tinham dito.
Veja, Senador Gilberto Mestrinho, que coisa linda acontece agora no Consenso de Berlim - curiosamente logo em Berlim! Todos se lembram que, em 1989, se reuniram, de forma ostensiva, diversos economistas, inclusive latino-americanos, de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Governo norte-americano, e apresentaram ao mundo dez pontos, tidos como consensuais, como se fossem a panacéia a resolver todos os males do Planeta Terra: o Consenso de Washington.
Para que V. Ex.ªs vejam como a vida é implacável: a panacéia, de pouco mais de dez anos, que ia resolver os problemas da humanidade agora é lixo, enterrado pelos mesmos que agora estão decretando o fim do neoliberalismo. E quem são eles? Os mesmos de antes, os cínicos enamorados de uma suposta terceira via, que, por ter o Presidente dos Estados Unidos, não poderia ser considerada como tal.
É sempre bom, é fundamental lembrar, pois a grande confiança dessa elite política e econômica decadente, incompetente, irresponsável e insensível que comanda o Brasil está em contar sempre com a memória curta do povo brasileiro. Mas todos lembramos os dez pontos tidos como consensuais, que depois ganharam a expressão "Consenso de Washington".
São estes os dez pontos - o Brasil, que sempre se ajoelhou covardemente diante do Fundo Monetário Internacional, cumpriu todo o receituário:
O primeiro ponto, a disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;
Todos sabemos como foi cumprido no Brasil: para o pagamento dos juros e serviço da dívida, tudo; para financiar a orgia financeira internacional, tudo; para continuar seduzindo o capital especulativo internacional, tudo; e o ajuste fiscal era construído - como ainda está sendo construído - através do criminoso superávit primário.
Vejam a demagogia: ao mesmo tempo, apresentam, como possibilidade, a elaboração de uma nova agenda social, decretando o fim do neoliberalismo - uma vez que precisam de um espírito camaleônico, do mimetismo político para se sustentarem -, continuam fazendo todos os cortes sociais, os cortes no Orçamento, referidos pelo Senador Casildo Maldaner, e aqueles que serão feitos na Rede de Proteção Social, um programa dos miseráveis, não é um programa dos 78 milhões de pobres do Brasil, mas um programa para os miseráveis, aqueles que não têm nenhuma alternativa a não ser o aparelho do Estado. E aí vão continuar cortando.
O Segundo ponto do Consenso de Washington: focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura.
Precisamos relembrar essas coisas. A Lei de Segurança Nacional - embora eu diga, o tempo todo, que quem deveria ser enquadrado pela Lei de Segurança Nacional era o Presidente da República – é sempre aplicada para resolver conflito agrário. Na semana passada, foram arrancados do Orçamento R$54 milhões, do setor agrário. Do previsto no Orçamento do ano passado - que já é um exercício gigantesco conseguir colocar no Orçamento, maior ainda é conseguir que ele seja executado - sabem quanto foi liberado? Apenas 23%. Para saneamento, Senador Paulo Hartung, tão defendido por V. Exª nesta Casa, apenas 9% do previsto. Acabamos de aprovar emenda relativa aos recursos destinados à habitação, mas sabem quanto foi utilizado? Apenas 5% do que foi orçado. Não era o valor sonhado pela Oposição, pelos pais e mães de família, mas o que estava previsto no Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República.
O terceiro item diz respeito à reforma tributária. Não preciso falar dessa reforma, o Governo não quis realizá-la, nem o Congresso Nacional. Infelizmente, como o Congresso Nacional teima em funcionar como um anexo do Palácio, quando o Governo não quer, também não fazemos.
O quarto, liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam as instituições financeiras internacionais atuarem em igualdade com as nacionais, e o afastamento do Estado do setor. Lembramos como isso foi feito.
Também lembramos como foi construída a exceção na globalização: o Brasil se predispondo a dar guarida a essa nuvem financeira de capital volátil que paira sobre o Planeta Terra. Sabemos tudo, como aconteceu, no Brasil, em relação às nossas instituições financeiras, sobre os processos fraudulentos que acobertamos, nesta Casa, para acabar com as nossas instituições financeiras.
Cinco: taxa de câmbio competitiva.
Seis: liberalização do comércio exterior – essa era tida como uma coisa maravilhosa -, com redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia.
Pronto! Olha, para ser moderno, para estar na globalização, para não ser dinossauro, tinha-se que acabar com todas as barreiras protecionistas, deixar que todos os penduricalhos dos outros países entrassem aqui, e, para nós, não importava se estavam quebrando parques produtivos inteiros, se estavam quebrando a indústria nacional, se estavam quebrando a agricultura, se estavam desmontando milhares de postos de trabalho neste País. Não adiantava absolutamente nada!
Agora, enquanto nos impunham essas regras, para eles, nada disso acontecia. As grandes nações continuavam com seus mecanismos de proteção de seus parques produtivos e os seus postos de trabalho, mas o Brasil insistiu que tinha de ser moderno e fazer isso.
Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro. Aí entra também o oitavo ponto, que é a privatização das empresas estatais - aliás, nem foi privatização, todos nós sabemos disso, pois em muitos dos casos, o que houve, de fato, foi uma vergonhosa desnacionalização. Muitas das estatais, inclusive européias, é que estão comandando setores estratégicos nacionais. E da própria privatização usada – que foi o modelo inglês -, não se fez absolutamente nada com ela em benefício do País; houve um verdadeiro entreguismo, e agora querem continuar com ela.
E agora, Senador Bernardo Cabral, são as hidroelétricas. O Presidente da República já está dizendo que vai ter dificuldade com relação à questão energética e que, portanto, não haverá dinheiro para investimento em energia, precisando, com isso, entregar as nossas hidroelétricas.
Desregulação com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas. Neste ponto, ocorre o que já conhecemos: a demissão em massa dos servidores públicos. É uma política nazi-fascista contra os servidores públicos, um gigantesco desmantelamento dos setores essenciais, a precarização das relações de trabalho; é o maior desemprego da História do Brasil.
E vários e vários pontos, Sr. Presidente, foram apresentados.
Lembramos, também, que no início do ano passado, em 12 de janeiro de 1999, o Banco Mundial, inclusive o seu vice-presidente, sentindo pressões internacionais, pois todo esse discurso, todo esse mimetismo político tem uma única justificativa – e daqui a pouco chegaremos lá –, já questionava essa discussão do Consenso de Washington. Todos falaram contra, mas todos continuam se submetendo a essa política vergonhosa, e todos continuam dizendo que o Consenso de Washington tem que ser questionado. Dizem o tempo todo que deve ser questionado, que a cartilha será rejeitada pelo Banco Mundial, e realizam encontros com várias organizações não-governamentais, fazendo de conta que estão modificando seu entendimento. Fazem de conta que estão mudando de idéia, mas continuam fazendo a mesma coisa.
Amanhã, o empréstimo de 500 milhões que será aqui votado, emprestados pelo Banco Mundial, resultante do acordo de ajuste fiscal com o Fundo Monetário Internacional, será para nada, pois sequer pode ser transformado em moeda corrente. Do mesmo modo que foi feito no ano passado, nesta Casa. Em questão de segundos, foram aprovados 2,5 bilhões com a desculpa da rede de proteção social. E lembro-me com clareza que o Líder do Governo dizia à época que queria estabelecer condições, a fim de que o Governo brasileiro estabelecesse um montante em reais, uma vez que o dinheiro não podia ser convertido para a rede de proteção social. E aqui diziam que isso não poderia ser feito no contrato porque era papel do Congresso, era a discussão do Orçamento, e o Congresso abriria mão de uma de suas prerrogativas constitucionais: a elaboração do Orçamento. Elabora o Orçamento, o Presidente promulga e, posteriormente, o FMI manda cortar tudo; e fica tudo como "dantes no Reino de Abrantes".
Sr. Presidente, Sr as e Sr s Senadores, nada como a vida implacável. A vida é realmente maravilhosa: é maravilhosa do ponto de vista das nossas experiências pessoais; é maravilhosa porque, a cada dia, conseguimos decifrar nossas virtudes, nossos defeitos gigantescos, nossos próprios abismos e nossos próprios desertos. A vida é sempre importante do ponto de vista pessoal e do ponto de vista coletivo, especialmente, porque a única justificativa para essa demagogia, a única justificativa para o espírito camaleônico, o mimetismo político que toma conta desses senhores é apenas uma: o ressurgimento de uma crítica implacável no mundo todo: é a fome; é a miséria; é o desemprego; é a humilhação; é o sofrimento, inclusive pondo em risco as instituições. É exatamente por isso.
Imaginemos a situação da América Latina, imaginemos a situação do mundo: dezenas de nações sendo destruídas, parques produtivos sendo destruídos, pessoas jogadas em conflitos étnicos ou na marginalidade como último refúgio, simplesmente em função desse modelozinho decadente, incompetente, insensível e incapaz de construir uma alternativa de desenvolvimento econômico e social para a Terra.
Portanto, com essa demagogia, com esse discurso, esses senhores nada mais são do que medrosos. Praticam crimes contra a humanidade, destroem nações inteiras. Agora, estão com medo do que pode acontecer ante tanto sofrimento, miséria, humilhação e desemprego que pairam no Planeta, com o objetivo de continuar financiando uma nuvem de capital volátil.
Sr. Presidente, não poderia deixar de fazer uma reflexão sobre o tema. Gostaria de declamar para aqueles senhores o trecho de um poema muito interessante que trata de pessoas que não têm coragem de cumprir o papel que lhes é reservado pelo mundo, pela democracia e pelo voto.
No Romanceiro da Inconfidência, de autoria de Cecília Meireles, de 1953, há um poema intitulado "Fala aos Pusilânimes". Trata dos que enfraqueceram o sonho humano "queimando as puras primaveras". O poema diz:
Ó vós, que não sabeis do Inferno,
olhai, vinde vê-lo, o seu nome
é só – PUSILANIMIDADE.
É o verso que dedico aos que, no Consenso de Washington, gritaram tanto contra o Muro de Berlim. A vida acabou proporcionando que justamente lá tenha se dado a desmoralização desse modelo decadente, incompetente e insensível. Os senhores medrosos são como as hienas, Senador Bernardo Cabral: fingem-se de fortes para os pequenos animais, mas são absolutamente covardes para os grandes.
Dedico o poema de Cecília Meireles para o encontro majestoso que ocorreu em Berlim.
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