Discurso durante a 74ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A TENTATIVA DE LEGALIZAÇÃO, PELO GOVERNO FEDERAL, DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO.

Autor
Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A TENTATIVA DE LEGALIZAÇÃO, PELO GOVERNO FEDERAL, DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2000 - Página 12088
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, CAPITALIZAÇÃO, JUROS, OPERAÇÃO FINANCEIRA.
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, ARMINIO FRAGA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBJETIVO, IMPEDIMENTO, BANCOS, EXCESSO, AUMENTO, JUROS, OPERAÇÃO FINANCEIRA.
  • COMENTARIO, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, AUMENTO, INADIMPLENCIA, REFERENCIA, COBRANÇA, JUROS COMPOSTOS, OPERAÇÃO FINANCEIRA, MOTIVO, AUSENCIA, ESCLARECIMENTOS, CIDADÃO.

O SR. MOREIRA MENDES (PFL - RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está em curso, neste momento, uma grande polêmica, decorrente da decisão do Governo Federal de legalizar a capitalização de juros, com periodicidade inferior a um ano, nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, tomada na 19ª edição da Medida Provisória nº 1.963.  

Essa iniciativa não é inédita, como bem registrou o eminente Senador Pedro Simon, em discurso que proferiu dias atrás, neste Plenário. Já em 1996, houve a tentativa de se incluir a permissão para a cobrança de juros sobre juros na Medida Provisória nº 1.410. À época, pressionado pelo entendimento contrário do Congresso Nacional, o Governo retirou da Medida Provisória os artigos que instituíam essa prática.  

Agora, ele volta à carga. Orientado pelo Banco Central, que é favorável à iniciativa da capitalização de juros, conforme depoimento recente de seu Presidente à Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa. O Banco Central acredita que a medida contribuirá para a redução do custo do dinheiro no País, por evitar a incerteza do recebimento do dinheiro emprestado, gerada por ações judiciais contra os juros compostos praticados pelos bancos.  

Não há dúvida quanto à disposição governamental, desta vez, de enfrentar a questão e legalizar a cobrança de juros capitalizados no País. Ela também já estava presente na Medida Provisória nº 1.925, do ano passado, que dispõe sobre a Cédula de Crédito Bancário.  

Há toda sorte de questionamentos sobre essa matéria, mas o principal da questão parece ser o custo do dinheiro. Sobre isso, o Presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse, em seu depoimento à Comissão de Assuntos Econômicos, que se os bancos forem impedidos de cobrar juros sobre juros, passarão a cobrar taxas mais altas nas operações de crédito, como forma de compensação.  

Opinião semelhante tem o ex-Presidente do Banco Central, Gustavo Loyola. Em artigo de sua lavra ao Jornal O Estado de S. Paulo , Loyola afirmou que os críticos dessa decisão ignoram a equivalência entre juros simples e juros compostos ou capitalizados. Disse ele: "Como esclarece qualquer manual introdutório de Matemática Financeira, num empréstimo de um ano de prazo, não há diferença entre a cobrança de juros de 1% ao mês, capitalizados mensalmente, ou de 12,68% ao ano, não capitalizados", explicou o ex-Presidente do Banco Central.  

Efetivamente, como afirma ele, são as condições macro e microeconômicas que determinam o custo do dinheiro. Com isso, a proibição de juros capitalizados seria facilmente superada pelo artifício mencionado pelo atual Presidente do Banco, ou seja, os bancos simplesmente passariam a cobrar taxas mais altas nas operações de crédito.  

Não se pode negar racionalidade a esses argumentos. Contudo, não posso concordar com a tese de maior transparência dos encargos cobrados, advinda da legalização dos juros capitalizados, que ambos defendem. E é o que efetivamente me preocupa na adoção da fórmula de juros compostos para as operações de empréstimo feitas pelas instituições financeiras.  

Não apenas para o homem comum, mas para a esmagadora maioria da sociedade, a capitalização dos juros é algo de difícil compreensão. Com a sua legalização, concede-se aos bancos – sempre a eles, os privilegiados – uma facilidade perigosa, a de agora poder anunciar, ostensivamente, uma taxa de juros apenas aparentemente mais baixa, posto que numericamente as taxas de juros compostas são menores. Isso pode enganar e, de fato, ilude o tomador incauto e necessitado.  

Permite-se, com isso, a prática nefasta do empréstimo que prejudica o cidadão comum, em vez de ajudá-lo a equacionar seus problemas e a prosperar. Refiro-me aos empréstimos impagáveis, aqueles que se tornam um pesadelo para o tomador e acabam muitas vezes por arruiná-lo.  

Estamos aqui já no campo da prática usurária. Foge-se aos princípios estabelecidos pelo art. 192 da Constituição Federal para o Sistema Financeiro Nacional, que são a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e o serviço aos interesses da coletividade. É o que se tem visto nos últimos tempos: altos lucros no Sistema Financeiro em detrimento do setor produtivo e uma elevada taxa de inadimplência entre os tomadores de empréstimos.  

Exemplo disso está na matéria publicada pela Folha de S. Paulo no final de março. Ela mostra que, segundo um levantamento realizado pela Austin Asis , uma empresa de consultoria especializada, o lucro líquido dos bancos estrangeiros instalados no Brasil cresceu 284,9%, em 1999, em comparação com o ano anterior. O dos bancos nacionais aumentou 57% no mesmo período.  

Também cresceram os ganhos dos bancos com tarifas, ao contrário do que se esperava pelo aumento da competição gerada com o ingresso de novos agentes no sistema. Levantamento da mesma consultoria, publicado pelo jornal O Globo, no mês passado, mostra que o ganho com tarifas cresceu, em média, 14,4% no ano passado. Considerados os dez maiores bancos, o aumento foi ainda maior: 18,71%.  

Como se vê, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os bancos vão bem, obrigado. Quem vai mal é o setor produtivo e os trabalhadores. Há poucos dias, o Presidente Fernando Henrique teve que se empenhar pessoalmente para convencer o Ministro da Fazenda a liberar os recursos necessários para a reforma agrária e agricultura familiar. A resistência da equipe econômica era contra a queda dos juros e a adoção da equivalência-produto, pleiteadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag, segundo noticiou O Estado de S. Paulo . 

As dificuldades são para os pequenos e para o setor produtivo; as facilidades são para os grandes e para as instituições financeiras. Definitivamente, este não me parece um bom caminho para a prosperidade nacional.  

A legislação brasileira é indiscutivelmente protecionista do Sistema Financeiro. Aos banqueiros, o bolo todo. Às demais atividades econômicas, as migalhas. Aqui, Sr. Presidente, chega-se ao desplante de legislar por medidas provisórias para, abertamente e sem nenhum exagero, beneficiar apenas os que promovem a especulação.  

Os bancos acostumaram-se às grandes margens de lucro dos tempos da inflação, que transferem renda, e agora não querem se conformar aos novos tempos. Esperneiam e pressionam o Governo, preocupados apenas com a busca de um quinhão ainda maior de ganhos.  

Assim, conseguiram a legalização da cobrança dos juros compostos. Pedem e o Governo faz, de forma açodada, por meio de medida provisória, evitando que o Congresso Nacional discuta a conveniência desta decisão. Quem conseguirá fiscalizar cada uma das operações de empréstimo realizadas neste País para saber se o tomador está sendo enganado, ativa ou passivamente?  

Isso, obviamente, não é saudável. Tanto que o diferencial cobrado pelos bancos dos tomadores em relação às suas taxas de captação, o chamado spread bancário, está, em média, em 40,3%, enquanto para as pessoas físicas vai até a 60,3%. A variação das taxas de juros de uma instituição para outra é enorme, o que indica grande margem para redução dessas taxas.  

Nesse spread elevado certamente está embutido um risco maior, decorrente de taxas altas, eventualmente escondidas sob a forma de juros compostos, que os bancos preferem, como meio mais fácil para auferir seus lucros. Agem assim, em vez de cobrar taxas razoáveis, que garantam o retorno de empréstimo, com lucros módicos, como deveria ser o seu papel na sociedade, para o financiamento da produção e do bem-estar da sociedade.  

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero reiterar a minha preocupação com as práticas que a legislação da capitalização dos juros pode trazer, em comparação com o possível benefício de sua influência para a redução do custo do dinheiro no País.  

Temo principalmente pela gente simples, iludida pela propaganda enganosa das financeiras de balcão. Os números atraentes serão exibidos em letras garrafais, enquanto nos contratos, em letras minúsculas, se dirá que os juros são capitalizados, o que ninguém alardeava até aqui por serem eles proibidos.  

Ninguém conseguirá fiscalizar as práticas lesivas ao tomador necessitado de recursos, especialmente quando se sabe que 47% das operações de crédito a pessoa física no País são de crédito pessoal, segundo o Banco Central, e que a expansão dessas operações nos últimos dozes meses foi de 67,1%.  

É compreensível que se permita a cobrança de juros capitalizados para as operações de crédito, por ser prática racional e consagrada no mundo financeiro. Mas, ao mesmo tempo, deveria ser exigido dos bancos a explicitação clara a seus clientes de todas as condições da operação de empréstimo.  

Penso que seja a hora de se dar um basta à ganância do setor financeiro, criando-se exigências mais rápidas para o seu funcionamento. Acho que já é tempo de se reduzir os ganhos dos bancos ao razoável e de conduzi-los ao desempenho correto do seu papel na sociedade, financiando a produção e o bem-estar da sociedade brasileira, a taxas de padrão internacional. Já é tempo de produzirmos leis claras e objetivas que façam com que o setor pague impostos e não encontre mecanismos para elidi-los, como acontece presentemente. Que os seus ganhos sejam maiores quanto mais o País crescer e se tornar rico, na mesma proporção da prosperidade nacional e não o contrário, ficando eles, os banqueiros, cada vez mais ricos à conta da espoliação do povo que fica cada vez mais pobre.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2000 - Página 12088