Discurso durante a 74ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

LANÇAMENTO, NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, DO LIVRO AUTOBIOGRAFICO DO CIENTISTA CARLOS CHAGAS FILHO, INTITULADO UM APRENDIZ DE CIENCIA.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • LANÇAMENTO, NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, DO LIVRO AUTOBIOGRAFICO DO CIENTISTA CARLOS CHAGAS FILHO, INTITULADO UM APRENDIZ DE CIENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2000 - Página 12204
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), LIVRO, HISTORIA, VIDA, CARLOS CHAGAS FILHO, CIENTISTA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ESTUDO, PESQUISA, CIENCIAS, PAIS.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assisti, na semana passada, na Academia Brasileira de Letras, ao lançamento do livro Um Aprendiz de Ciência , obra que, sendo o roteiro autobiográfico do nosso mais notável cientista, Carlos Chagas Filho, é, também, um relato humano de um homem apaixonado pela vida científica e tocado pela simplicidade das pequenas cidades mineiras de Oliveira e Lassance.

Seu autor, um grande abnegado da ciência, um dia, em 1946, esteve aqui, no Senado da República, para ser sabatinado, perante a Comissão de Relações Exteriores, como indicado para Embaixador do Brasil na Unesco.

Ele havia sido convidado pelo telefone, pelo então Presidente da República, Humberto Castello Branco, quase não acreditando que era verdade. E só aceitou a missão pela forte pressão de um ex-Senador, Luiz Vianna Filho, que, na época, era o Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República.

Essa e outras das muitas missões de Carlos Chagas Filho são por ele descritas, com precisão cronológica e também com seu profundo sentimento humanístico, no livro a que faço referência, uma edição da Editora da Fundação Oswaldo Cruz e da Nova Fronteira.

Ao lançamento, muito concorrido, estiveram presentes, além dos membros da ABL e de outras instituições ligadas à ciência, também os familiares do cientista, que, falecido em fevereiro deste ano, nos legou essa contribuição literária e histórica.

Um Aprendiz de Ciência é definido pelos editores como "um relato de vivências, reflexões e realizações, num testemunho do que há de mais significativo, na segunda metade do século XX, quanto à presença brasileira no campo das relações entre ciência, cultura, nacionalidade e cidadania."

Nesse seu relato, o cientista atribui muito do que pôde fazer aos seus intensos estudos e à pesquisa da ciência, mas, por igual, à parcela de ensinamentos obtida em sua infância e na juventude em terras mineiras, onde nasceu seu pai, outro grande nome da nossa ciência, Carlos Chagas, o descobridor da doença que levou seu nome, a Doença de Chagas.

Foi em Minas, na cidade de Oliveira, também a terra natal de minha esposa, Latifinha, que Carlos Chagas Filho, durante o curso secundário, passava as férias, na Fazenda Tartária, um tempo que ele, no livro, relembra com essas palavras:

"Na Tartária e em Oliveira, onde tinha a grande liberdade de visitar meus tios e com eles me entreter, foi que eu realmente aprendi a conviver com as gentes e conhecer a hospitalidade do povo brasileiro."

Retrato de um tempo com passagens por Minas, o livro reproduz, dentre outros documentos, uma carta enviada a Carlos Chagas, por sua prima, Francisca Vivas de Castro, então com apenas 15 anos e moradora da Fazenda Tartária:

"Professor Chagas e dona Annah, o célebre e eterno mingau da Tartária ainda é servido à nova nora. Tudo é igual e tão diferente. Não mais os carros de bois e cavalos. Tudo muda, só não pode mudar o coração dos homens. Neste deverá haver sempre os sentimentos de hospitalidade, de respeito e temor a Deus, de reverência e saudade aos nossos antepassados, de garra par enfrentar o futuro."

O tempo em que Carlos Chagas Filho permaneceu à frente da Embaixada do Brasil na Unesco, em Paris, é uma fase por ele considerada extremamente produtiva.

Ali, simultaneamente às atividades normais da instituição, ele organizou e conduziu a Reunião do Comitê para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico dos Países em Desenvolvimento. Nela, foi apresentado à ONU o projeto da Conferência sobre Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo.

Da primeira à última página desse seu novo livro, Chagas Filho revela intenso apreço à ciência, o que o levou a presidir duas academias científicas. A Academia Brasileira de Ciências, por dois anos, de 1964 a 1965, no Rio de Janeiro, e a Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano, em Roma, durante 16 anos, de 1972 a 1988.

A Academia do Vaticano é uma das mais antigas e respeitáveis instituições do gênero no mundo e objetivava reunir todos os estudiosos dos fenômenos naturais do mundo.

Criada por Federico Cesi, o Duque de Acquasparta, quando o Brasil tinha apenas dois anos, em 1502, ela inicialmente foi chamada pelo seu fundador de Academia dos Linces, por considerar que esses animais são capazes de enxergar mais longe.

O convite do Papa Paulo VI a Carlos Chagas Filho foi-lhe transmitido pelo Núncio Apostólico em Paris. Dom Righi-Lambertini. Na ocasião, ficou uma vez mais evidenciada a grande simplicidade do cientista, que, em seu livro, assim se expressa a respeito:

"Confesso que fiquei tão atônico que, ata-

balhoadamente, perguntei ao Núncio se

tinha certeza do que estava dizendo. O

Monsenhor sorriu e mostrou-me o tele-

grama que recebera do Papa."

Carlos Chagas Filho suspeitava, como explica, no livro, que a indicação provavelmente teria tido a voz do Cardeal Dom Eugênio Salles, o que o levou a fazer considerações sobre sua religiosidade, atribuindo-a aos numerosos verões que passava na Fazenda Tartária, como também ao que assistira nas Semanas Santas passadas na terra natal do pai, a cidade mineira de Oliveira.

No seu testemunho a respeito da atuação desenvolvida à frente da Academia Pontifícia de Ciências, ele destaca o movimento em prol do combate à guerra nuclear, a reabertura do Processo Galileu Galilei e a datação do Santo Sudário, o tecido onde está estampada a imagem da face de Jesus. Como acrescenta, o tecido data do ano 600 d.C.

Também foi objeto de sua preocupação a questão nuclear, principalmente diante das conclusões dos Estudos da Ação das Radiações Ionizantes sobre os Seres Vivos, conduzidos pela ONU.

Essas conclusões vieram a ser reforçadas com o que constatava no dia-a-dia de seu trabalho à frente do Instituto de Biosífica, por ele fundado. Isso fez com que a Academia Pontifícia do Vaticano adotasse posição firme contra a utilização da energia atômica para fins bélicos.

Em conseqüência, a Academia convocou uma reunião de todas as demais Academias Científicas do mundo, a que compareceram mais de 60 representantes, dela resultando um documento que apontava os perigos que a energia nuclear pode representar.

Esse documento, assinado em 1982, na presença do Papa João Paulo II, foi entregue aos chefes de Governo das quatro potências nucleares mundiais: Mikhail Gorbachev, Margareth Tatcher, François Miterrand e Ronald Reagan. Todos, revela Carlos Chagas Filho, receberam a manifestação com cordialidade e interesse, menos o governantes dos Estados Unidos.

O documento mencionado pelo cientista integra seu livro, como um dos principais anexos, tamanho era o zelo com que ele tratava o tema. Tamanha era sua luta contra o uso da energia nuclear para fins bélicos.

A humildade desse grande cientista brasileiro não o deixou esquecer de consignar em Um Aprendiz de Ciência seu incansável esforço pela pesquisa, muito menos de mencionar os que o ajudaram nessa luta, a começar pelo apoio da esposa, Anna Carolina de Mello Franco Chagas, carinhosamente chamada de Annah.

Assim foi no momento em que imaginou e levou a bom termo a criação do Instituto de Biofísica, que hoje leva seu nome.

Assim foi também seu inaudito esforço para que viesse a se tornar realidade o sonho de criar no País o Conselho Nacional de Pesquisa, o CNPq, por ele considerado um dos maiores avanços conquistados pelo Brasil, para que, entre nós, pudesse prosperar a pesquisa científica.

É este o grande cientista. É esse um resumo do seu livro, onde está descrito com palavras simples, como o autor, todo um roteiro de vida dedicada à ciência e ao País. Como ele próprio explica, no parágrafo final de Um Aprendiz de Ciência:

"Se os resultados da minha carreira científica não foram o que eu desejava, a alegria que ela me trouxe, tão bem acompanhado que fui por minha mulher, minhas filhas e genros, amparado ainda pela amizade dos meus colegas de instituto e de Universidade, sem dúvida preencheu minha vida."

A tais afirmativas, acrescento: uma vida preenchida também de amor ao Brasil e ao ser humano, sentimentos que levaram Carlos Chagas, ao longo de toda sua existência e de forma obstinada, a desenvolver esforços para o avanço da ciência no Brasil, em favor de melhores condições de vida das nossas populações, especialmente os mais pobres.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2000 - Página 12204