Discurso durante a 76ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A POBREZA CRESCENTE DO INTERIOR DA AMAZONIA, TENDO EM VISTA O ESGOTAMENTO DO PROCESSO HISTORICO DO EXTRATIVISMO VEGETAL, O QUE A TORNA PRESA FACIL DO NARCOTRAFICO, CONFORME MATERIA DO JORNAL O GLOBO, DE ONTEM.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A POBREZA CRESCENTE DO INTERIOR DA AMAZONIA, TENDO EM VISTA O ESGOTAMENTO DO PROCESSO HISTORICO DO EXTRATIVISMO VEGETAL, O QUE A TORNA PRESA FACIL DO NARCOTRAFICO, CONFORME MATERIA DO JORNAL O GLOBO, DE ONTEM.
Aparteantes
Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2000 - Página 13029
Assunto
Outros > DROGA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, EMPOBRECIMENTO, POPULAÇÃO, INTERIOR, REGIÃO AMAZONICA, REDUÇÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, EXTRATIVISMO, RISCOS, AMPLIAÇÃO, TRAFICO, DROGA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, COMPROMETIMENTO, POLITICO, EMPRESARIO, POPULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, DROGA, REGIÃO NORTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO.
  • NECESSIDADE, MODERAÇÃO, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, GARANTIA, SUBSISTENCIA, POPULAÇÃO.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, PROJETO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ANALISE, SITUAÇÃO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), DEPENDENCIA, ZONA FRANCA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há dois anos, durante a campanha eleitoral, percorri vários municípios do interior do Amazonas e constatei o quadro de pobreza, abandono e vazio econômico das populações do interior do meu Estado. De volta a Manaus, escrevi um artigo na imprensa local lamentando a situação de extremo subdesenvolvimento do hinterland do meu Estado e dizendo que aqueles homens e mulheres viviam um drama terrível.  

Por um lado, esgotou-se o processo histórico do extrativismo florestal – extração da borracha, da castanha, da sorva. Outros produtos da floresta estão praticamente sem mercado. As fontes de manutenção históricas e tradicionais do caboclo encontram-se exauridas. Por outro lado, o constrangimento ambiental impede que continue a extração da madeira e que se abram frentes de expansão agrícola e pecuária. Como se não bastasse, mais e mais – como é correto e justo –se ampliam as áreas de reservas indígenas, e os caboclos vêem-se privados de operar em áreas onde tradicionalmente viveram e trabalharam.  

Sr. Presidente, eu dizia, nesse meu artigo, que a continuar esse processo de esvaziamento e empobrecimento, não restaria aos habitantes da interior do Amazonas alternativa senão cair vítimas do narcotráfico.  

Esse processo de esvaziamento se acelerou nesses dois anos e está levando o caboclo ao desespero. Ontem, o jornal O Globo publicou uma reportagem de página inteira, na qual revela que informes da Abin dão conta de que grande parte dos políticos, dos empresários e dos ribeirinhos da região do Solimões da Amazônia já é presa do narcotráfico.  

No Alto Solimões, em Tabatinga, há um fronteira tríplice – Brasil, Peru e Colômbia, uma fronteira seca, pois Tabatinga é cidade gêmea de Letícia, na Colômbia, separadas por uma rua e ocorre a livre circulação de pessoas entre as duas cidades.  

A reportagem revela como prefeitos, vereadores e candidatos a prefeitos e vereadores já estão sendo financiados pelo narcotráfico em troca de favores.  

As polícias militares, subordinadas aos prefeitos, com poucos contingentes e soldados mal pagos, permitem que o tráfico de drogas se faça impunemente. Em Tabatinga existem seis praças da Polícia Militar, Sr. Presidente, e seis agentes da Polícia Federal. Ali, em frente à Colômbia, do outro lado da margem do rio Peru, pouco acima, há um território vasto dominado pelas FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que recebe pelo rio Japurá, Içá e Solimões mantimentos, remédios do Brasil e pagam aos comerciantes intermediários brasileiros em dinheiro e em cocaína.  

Há um mês, eu estava no Aeroporto de Brasília e um grupo de pessoas se aproximou de mim. Seus integrantes se identificaram como Prefeito de Benjamim Constant, uma cidade próxima a Tabatinga, dois Vereadores e um Presidente do Sindicato dos Pescadores, que me disseram que durante muitos anos foram madeireiros no Alto Solimões, onde existiam dezenas de serrarias, que vendiam para os países vizinhos e para Manaus, principalmente, seu principal mercado.  

O Ibama, nos últimos anos, apertou a fiscalização; as serrarias foram fechando; eles não podem mais extrair madeira. Muitos passaram a se dedicar à pesca no Javari, rio de grande potencial pesqueiro. Mas a FUNAI está concluindo a demarcação da reserva do Javari, segunda maior área de reserva indígena do Brasil, inferior apenas à dos Ianomâmis, e eles foram proibidos de pescar na margem brasileira, porque o território passou a ser indígena.  

Mudaram-se para a margem oposta, no Peru. Durante alguns meses sobreviveram, mas os indígenas peruanos, como é natural, pressionaram as autoridades daquele país, e acabaram por ser proibidos de pescar também na margem peruana.  

Eles me fizeram a seguinte pergunta: "Fazer o que, Senador? Viver do quê? Do narcotráfico?" O que eu poderia dizer a eles? Silenciei, Sr. Presidente. Não há como pedir a seres humanos, privados dos seus meios de subsistência, que não infrinjam a lei. É demais pedir a eles que prefiram morrer a exercer atividades ilícitas.  

A reportagem de O Globo demonstra quão grave é a situação no interior do meu Estado, principalmente no arco de fronteira.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB – TO) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Concedo o aparte a V. Exª com prazer.  

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB – TO) – Nobre Senador Jefferson Péres, compreendo muito bem a preocupação de V. Exª com o estado de abandono em que vive o homem do interior do Brasil, o chamado homem do campo. A situação do homem do campo do Amazonas se assemelha muito à do homem do campo de Tocantins. Talvez, no Amazonas, até com um pouco mais de dificuldades, em razão dos óbices maiores de acesso e de escoamento de eventuais produtos para os grandes centros de consumo. Compartilho da sua preocupação: homens e mulheres do campo do meu Estado e de outras regiões adjacentes ao seu Estado e ao meu se transformam em reféns do narcotráfico. A cada dia que passa, a vida no campo fica mais difícil. Milhares e milhares de brasileiros do campo, principalmente da região Norte deste País, não conhecem os benefícios comezinhos da energia elétrica. Não existem programas de atendimento ao homem do campo como existem para o cidadão urbano. Nas áreas de saúde, educação e moradia popular, não existe programa de atendimento, de assistência ao homem do campo, muito menos a suas atividades. Atividades, muitas delas empíricas, tradicionais, voltadas à vocação natural da economia do meio em que vive, ou extrativista, ou agropastoril, ou pesqueira, ou florestal, estão, cada dia que passa, enfrentando problemas mais severos. E estamos sofrendo pressões externas! Com a nossa tentativa de implantar a Hidrovia Araguaraia/Tocantins, que cria um eixo no centro-norte do País, com vistas a levar uma forma de transporte de carga pesada a longa distância mais barato ao ribeirinho, ao homem do interior, para que ele possa usufruir dos insumos produzidos nas regiões mais desenvolvidas de forma mais barata e, com isso, reduzir o seu custo, produzindo algo e transportando a preço competitivo a qualquer mercado, há uma pressão externa ferrenha, contrária, preocupada, naturalmente, com a expansão das possibilidades da nossa produção, mas disfarçada atrás de uma cortina de fumaça ambientalista, pretendendo proteção ao meio ambiente. Temos, efetivamente, que nos debruçar sobre essas questões, inclusive sobre a questão ambientalista. Ninguém mais do que o homem do campo tem interesse em preservar o meio em que vive, mas não pode fazê-lo em detrimento da sua própria vida, da sua sobrevivência e da sua família. Temos que mergulhar nisso, temos que mergulhar na destinação das áreas indígenas, não desprotegendo os índios, mas destinando a eles uma extensão territorial compatível com o volume do seu grupamento, com a localização do seu grupamento, procurando ocupar, de forma harmônica, a Amazônia e aproveitar seu enorme potencial genético, que está sendo praticamente utilizado por terceiros, os quais patenteiam os nossos produtos. Solidarizo-me com V. Ex.ª por sua preocupação, que é séria, grave e nos faz refletir. Quero, junto com V. Ex.ª e com tantos quantos desejam encontrar a forma harmônica de ocupação e desenvolvimento da Amazônia e da solução dos problemas do interior do nosso Brasil, trabalhar nesse sentido. Cumprimento V. Ex.ª pelas reflexões que traz a esta Casa!  

O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Obrigado, Senador Leomar Quintanilha. Sou ambientalista e creio que é nosso dever e obrigação preservar o meio ambiente, principalmente a Floresta Amazônica, fator de equilíbrio fundamental daquela região. Mas não vamos, Senador, curvar-nos aos exageros ambientalistas, muito menos de organizações externas, que nada têm a ver conosco e que, muitas vezes, falam na base do achismo, fazendo previsões catastróficas que não se concretizam, como o fizeram quando se ergueu a barragem de Tucuruí. Hoje, decorridos vários anos, nada do que eles previram aconteceu. Os peixes continuam lá, as águas não sofreram processo de contaminação em virtude de apodrecimento da floresta submersa. Sem Tucuruí não sei o que seria do Estado do Pará!  

Privar o Tocantins e o Brasil central de uma hidrovia, como a Tocantins–Araguaia, por forças de riscos que eu não sei se são fundamentados em estudos científicos, Senador. Um Pais como o nosso que privilegiou o transporte rodoviário em detrimento do ferroviário e principalmente do hidroviário, do aproveitamento das nossas vias naturais. Lá está a hidrovia do Madeira, Senador, servindo para o escoamento de quase um milhão de toneladas de soja para o exterior.  

Espero que os seus conterrâneos do Tocantins saibam resistir a essas pressões e levem a cabo, sim, a abertura dessa via de fundamental importância, não apenas para o seu Estado, mas para todo o Brasil central.  

Mas, como eu dizia há pouco e vou repetir, Sr. Presidente – e é bom que o Líder do Governo esteja aí presente, o Senador José Roberto Arruda – há dois anos eu prognosticava que se não fosse instaurado um efetivo processo de desenvolvimento no interior do Amazonas aquelas populações acabariam no desespero, caindo vítimas do narcotráfico. E é o que infelizmente está ocorrendo, Senador José Roberto Arruda.  

É uma situação dificílima, dramática, conforme comprovações feitas pela Abin, noticiadas ontem pelo Jornal O Globo. Lembro a V. Exª que o Amazonas é o Estado que mais preservou: 98% das nossas florestas estão intactas, graças, em grande parte, à existência de um parque industrial de monta em Manaus, que surgiu em razão dos incentivos fiscais. Não fora isto, a situação seria muito pior, porque, além de ter atraído população para Manaus, esse parque gera uma receita de ICMS enorme, em parte distribuída para o interior.  

É exatamente esse parque industrial o que ainda existe de desenvolvimento no Estado do Amazonas, herança do governo militar. Fico muito entristecido quando ouço meus conterrâneos do Amazonas dizendo: "O que temos aqui foi o governo militar, a ditadura que nos deu, porque, dos governos democráticos, temos recebido muito pouco". É difícil explicar para um homem do povo, no seu primarismo, que nada tem a ver uma coisa com a outra. Mas isso cria um espírito de revolta e até de rejeição não apenas ao sul, às autoridades centrais, como, às vezes, até à própria democracia, que todos devemos preservar.

 

Sr. Presidente, uma coisa tem relação com a outra: ao tramitar no Congresso Nacional um projeto de lei como o de informática, quando tentamos assegurar apenas dois pequenos pólos de produção para Manaus, um lobby enorme de interesse de São Paulo se volta contra nós. A perda desses dois pólos não representaria nada para São Paulo, mas a conquista deles para o Amazonas representa muito, sim. É preciso muita insensibilidade, muita cegueira para não ver o quadro trágico que está ocorrendo no interior do Amazonas, com perspectiva de piorar. Não adianta Sivam, não adianta Calha Norte. Se não criarmos vias de desenvolvimento real de geração de emprego e renda para aquela população, teremos em breve, muito breve, a multiplicação de filiais de Cali e de Medellin ao longo de 1,5 milhão km de território que o Brasil não poderá absolutamente controlar, Sr. Presidente.  

É o alerta que faço ao Senado da República.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2000 - Página 13029