Discurso durante a 75ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A REUNIÃO DOS PRESIDENTES DOS PAISES RICOS E A CRISE DO CAPITALISMO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • COMENTARIOS SOBRE A REUNIÃO DOS PRESIDENTES DOS PAISES RICOS E A CRISE DO CAPITALISMO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2000 - Página 12312
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CHEFE DE ESTADO, PAIS INDUSTRIALIZADO, DEBATE, REVISÃO, CRITICA, LIBERALISMO.
  • ANALISE, HISTORIA, CRISE, CAPITALISMO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT – DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, finalmente, hoje vou falar sobre assuntos de minha predileção. Quero, de início, recordar aquilo que os jornais do mundo publicaram – uma reunião de vários presidentes de países que trilharam o neoliberalismo ou o (neo) neoliberalismo. Os Estados Unidos, na realidade, usaram o neoliberalismo como artigo de exportação, porque no território norte-americano nem um dia a prática neoliberal foi exercida. O Primeiro-Ministro da Inglaterra não apareceu, porque já se havia desviado pela terceira via, que fracassou ruidosamente na grande ilha. Mas outros presidentes ou chefes de Estado compareceram, como Jospin e o ex-siderúrgico, trabalhador alemão, ex-trabalhista, ex-socialista, que, este sim, embarcou no desastre neoliberal.  

O que temos que comemorar hoje, portanto, é que esses senhores, junto com o Presidente Fernando Henrique Cardoso – o (neo) neoliberal fracassado, como todos os outros –, reuniram-se na Europa, sorridentes e bem nutridos, em torno daquilo que a culinária mundial poderia oferecer de melhor, afinal estavam comemorando a derrota completa do neoliberalismo, o fracasso da tentativa de fazer uma limpeza no capitalismo keynesiano. Não perceberam, desde o início, que aquilo que eles consideravam como aberração – o crescimento do Estado, o crescimento de agências públicas e dos gastos do governo –, na realidade constituía a essência do capitalismo senil, sem o qual o capitalismo como um todo iria entrar em crise já há muito tempo.  

Estamos em um mundo perdido, em que se reuniram esses maiores expoentes da Terra para não chegar a conclusão nenhuma, para não indicar caminho nenhum, para não fazer proposta alguma, a não ser, talvez, a do próximo menu para uma próxima reunião.  

O que acontece, do meu ponto de vista, é algo tão simples! É aquilo que, desde 1957, procuro estudar, compreender melhor e expor para os meus alunos, ou seja, que um dia o capitalismo entrou em uma grande e profunda crise e esta cercou o capitalismo neoliberal, o capitalismo do mercado, o capitalismo da livre iniciativa por todos os cantos. Não era possível investir na produção de bens de capital porque havia uma ociosidade de 70% nos Estados Unidos; havia capital sobrando, parado. Como se podia comprar mais máquinas novas para colocar ao lado das máquinas paradas, dinamizando o setor básico de produção de máquinas? Impossível. Como se poderia aumentar a demanda de meios de consumos se, por exemplo, o setor principal, que era o setor automobilístico, havia tido uma queda, nos Estados Unidos, de 5,3 milhões de unidades, produzidas em 1929, para 900 mil, produzidas em 1931, e para 700 mil unidades, produzidas em 1943? Entre 1929 e 1943, o principal setor da dinâmica dos artigos de luxo, de consumo de luxo, de duráveis – os carros –, caiu de 5,3 milhões unidades produzidas para 700 mil, ou seja, em 14 anos.  

Portanto, não havia solução, redinamização, crescimento estável ou qualquer nome que se queira dar à crise. Nem o neoliberalismo, que havia mostrado a sua incapacidade de dinamizar o capitalismo, nem a economia de mercado nem coisa alguma poderiam resolver aqueles problemas, aquelas contradições que se conjugaram em 1929.  

A solução foi criar uma moeda nova, uma legislação nova, que permitia ao Governo gastar e, por meio da visão de alguns gênios, romper as antigas crenças, que foram verdadeiras em certo momento, mas que, com a transformação do mundo capitalista, deixaram de ser: as crenças no neoliberalismo, criado em 1873.  

Desse modo, essa dinâmica tortuosa foi idealizada, foi ideologizada por Lord Keynes. Como não havia condições de dinamização da economia nem no setor que produz máquinas nem no setor que produz meios de consumo, Keynes percebeu que a única solução não era bonita, humana ou ecológica, mas era a solução que daria uma sobrevida àquele sistema, ao capitalismo egoísta e destruidor, que produziu 344 guerras entre 1740 e 1974. De modo que toda uma superestrutura jurídica, política, monetária, de finanças públicas, tudo se transformou para salvar o capitalismo. Obviamente, se ninguém podia comprar meios de produção e de consumo, o Governo passou a comprá-los e, por isso, hipertrofiou-se. É como se uma corcunda fosse se desenvolvendo para salvar o organismo capitalista. E agora, depois que essa corcunda chegou ao seu limite de desenvolvimento, depois dos gastos do governo, da dívida pública crescente, do déficit orçamentário, em todos os anos, depois que os Estados Unidos, por meio do governo neoliberal do Sr. Clinton – neoliberal coisa nenhuma – gastaram, no ano passado, US$1,400 trilhão, neoliberalmente, o governo agora diz que tem que se afastar dessa monstruosidade, que não pode gastar muito, pois deve abrir lugar à iniciativa privada. Mas como?  

Depois de cinqüenta anos de distorções dinamizadoras, de aumento da demanda nos setores bélicos espaciais – como dizia Keynes, whole wastefull, completamente dissipadores –, os gastos do governo não devem ser em setores parcialmente dissipadores mas em setores completamente dissipadores, e o principal deles é o setor bélico que, durante o período da guerra fria, absorveu, no setor nuclear, US$15 trilhões.  

Pois bem, agora eles se reúnem na Europa para perceber que cortar a corcunda, diminuir os gastos, acabar com o Estado que teve que intervir no capitalismo para salvá-lo não deu certo. E não poderia dar certo. Cortaram aquilo que era feio no capitalismo – a sua corcunda – e o sistema morreu. O paciente morreu, não agüentou a operação plástica que lhe daria fineza, enxugamento, funcionalidade abstrata e sobrevida. As distorções keynesianas, a feiura keynesiana, os desvios keynesianos, a destruição keynesiana sistemática, muito bem financiada pelo Governo. Para isso, o ouro teve que abandonar o mundo e se instituir o papel moeda em conversível, o state money , o dinheiro da guerra, o dinheiro despótico.  

Hitler perdeu a guerra, mas o nazismo ganhou a paz. Roosevelt disse – está publicado no livro Os Mil Primeiros Dias , de seu secretário: "Aquilo que estou fazendo nos Estados Unidos é a mesma coisa que Stalin fez na Rússia e que Hitler fez na Alemanha. Mas estou fazendo isso de forma mais ordeira". Então, o que Roosevelt, o democrata, fazia nos Estados Unidos para salvar o capitalismo era a mesma coisa que Hitler tinha feito na Alemanha para salvar o capitalismo alemão, com 45% de desemprego, em 1933. E os Estados Unidos, naquela época, tinham 25% de desemprego. Então, o Governo teve que gastar em qualquer coisa, principalmente, como Keynes fala seis vezes, em guerra muito bem remunerada, com os fornecedores de partes e equipamentos bélicos, como aviões, navios. Em 1939, o governo norte-americano decuplicou as despesas de guerra e, então, acabou o desemprego.  

Acaba um problema e criam-se outros. Para que esses gastos do governo não se transformassem em inflação infernal, limitando o próprio processo, a dívida pública passou a retirar, a bombear, pagando uma taxa de juros elevada, títulos como bonds, treasures, notes, etc. Com isso, a dívida pública cresce para que a inflação não cresça, tal como ocorreu no Brasil: a inflação diminuiu, mas a dívida pública disparou. Os meus alunos, em 1965, já aprendiam isso. É a mudança de forma dos fenômenos que foi produzida.  

Hoje, eu iria falar sobre a moeda, mas, infelizmente, vou continuar nesta trilha, porque eu teria que falar sobre moeda mostrando aquilo que chamo de "disco de Newton" do dinheiro. Na unidade monetária, vista por olhos marxistas, existem sete ou mais cores diferentes, moedas diferentes, a diversidade que compõe a unidade monetária. Mas este tema ficará para outra ocasião, se houver.  

Portanto, o que eles estão comemorando não é uma nova ideologia, uma nova forma monetária, novas relações entre governo e sociedade civil, entre governo e empresas capitalistas, novas relações internacionais. Nada disso! Não há uma proposta! Eles estão reunidos apenas para verificar que, realmente, o neoliberalismo foi enterrado, porque essa não é uma proposta de futuro. Qual é o futuro que o neoliberalismo oferece para a humanidade? O governo vai enxugar. O governo capitalista perde o seu capital. Isso é incrível! O governo capitalista vende anéis e dedos, as empresas estatais, e reduz os seus gastos. Aquilo que foi o fator dinamizador mais importante do capitalismo, que foi a adoção de um poder lítrico, de um poder lítrico, de um poder monetário que o governo se apropriou. Quando foi criado o Estado nacional, criou-se a unidade monetária nacional e as formas de emissão que deram poder ao governo. Capital é poder - poder sobre coisas e pessoas. O governo capitalista abre mão do capital, da formação do capital, dos estímulos e incentivos que os governos capitalistas deram às empresas estatais, régias e privilegiadas desde o tempo de Colbert, como ocorre na Inglaterra, onde o governo - rainhas aliadas às empresas do comércio internacional, sócias de empresas internacionais - sempre forneceram para a dinâmica mercantil capitalista. A acumulação primitiva teve como uma de suas raízes a dívida pública – conforme Marx -, a exploração colonial e o protecionismo que os Estados nacionais criaram para proteger as suas economias, principalmente a da Inglaterra, que era aquela que, no processo de transformação e dinamização do capital, saiu na dianteira. Tudo isso não valeu nada. A história humana acabou, e essa história real acabou para aqueles que não a compreenderam. Embarcaram na anti-história e deram com os burros n’água Fernando Henrique Cardoso, Jospin, Bill Clinton, Blair e outros mais.  

O que me parece é que esses polmões, essas aberrações, que foram acopladas ao sistema capitalista para que ele pudesse sobreviver, tornou a sua sobrevida possível porque ele entrou para uma UTI, nos anos 30, caríssima e cada vez mais dispendiosa. O capitalismo é senil, e vive há muitas décadas na UTI. Agora querem retirar a UTI dele porque ela está muito dispendiosa. E o que vemos? A volta do desemprego, da deflação, da queda de preços, que é erigida num mundo fetichista, em meta do Governo, em conquista do Governo, que elege a deflação, elege e reelege Presidentes da República, foi, até 1930, de acordo com todos os grandes economistas do mundo, um dos grandes problemas do capitalismo. A deflação, a queda de preços, que expressa a redução de demanda, a redução do emprego, a redução da dinâmica capitalista, o achatamento de preços, que significa redução de lucros, redução de investimentos e, portanto, destruição do capital, passa a eleger Presidente da República. É realmente incrível o que a história econômica do capitalismo, neste fim de vida, neste imperialismo senil, nesta fase, nos mostra. Estamos todos de novo hipnotizados, tal como aconteceu de 1929 até 1936.

 

Parece-me que todos os sintomas da crise passaram a se juntar num receituário, que se chama neoliberalismo. Neoliberalismo é o neonome, é o novo nome da crise, da crise da única economia capitalista que existia nos Estados Unidos, na Alemanha de Hitler e na União Soviética. No Brasil, o desenvolvimentismo keynesiano, cepalino que é a mesma coisa, o principal pé do tripé - capital estrangeiro, capital nacional e governamental - é o capital governamental; sempre foi o capital governamental. Nenhuma dessas empresas que estão sendo doadas agora foram criadas pelo capital privado, todas elas, desde a Siderúrgica Nacional até Álcalis, etc, foram criadas pelo capital estatal, pelo state money , pelo dinheiro despórtico que o Governo, ou mediante impostos ou emissões, cria e investe.  

O emprego foi aviltado a partir dos anos 30. Não é salutar, não desenvolve a capacidade humana estar sendo empregado para o Exército, para fazer guerra ou carimbar e arquivar papel. São atividades que deprimem e limitam o ser humano. Agora, passam a falar mal do funcionalismo. Quatorze por cento da PEA, da população economicamente ativa dos Estados Unidos, é composta de funcionários. A maior parte deles não são cidadãos de primeira classe. Não estão desempenhando funções para as quais sejam vocacionados. Estão ali para não morrer de fome, porque 25% deles estavam desempregados e o governo recontratou-os para plantar cactus no TVA, no Tennessee Valey , para fazer guerra ou atividades completamente dissipadoras.  

Foi o capitalismo que nos impôs essa escolha. Não sou funcionário público por vocação. Foi o único caminho que me foi dado. Agora, este Governo, que antes reempregava, passa, em nome do enxugamento, da estética, do emagrecimento, porque diz que essa gordura é feia, a colocar todos no olho da rua e na porta da morte. Velhos e crianças, aposentados e aqueles na idade escolar e pré-escolar são as vítimas mais fracas e indefesas; portanto, as vítimas que esse sistema perverso e desumano prioriza. São as prioridades envergonhadas.  

Estou concluindo, Sr. Presidente, e não pude sair do meu preâmbulo.  

E, para encerrar meu pronunciamento, gostaria novamente de me referir àquela reunião da Europa, onde se preparou o mais fino da culinária européia para oferecer aos príncipes da modernidade, aos déspotas envergonhados, aos perdidos que vieram de todos os rumos para se reunirem naquele barco da perdição, o Bateau Ivre, no barco bêbado e sem rumo, na nau sem rumo, sem que nenhuma decisão tenha sido tomada. Enquanto isso, a humanidade sofre, a humanidade padece. As potencialidades do homem ainda estão contidas nessa nossa pré-história. As nossas potencialidades estão doidas para deixar a ociosidade do desemprego e do desespero e mostrar quanta coisa a humanidade ainda terá para desenvolver em seu benefício próprio, sem precisar desenvolver guerra e destruição, trilhões e trilhões de dólares, para que, dessa atividade científica e tecnológica que está unida à guerra, desde 1930, pinguem algumas gotas em benefício da Ciência Médica, por meio do raio laser, através da sonografia, através de diversos instrumentos médicos e de melhorias da medicina que decorreram desse esforço, dessa dissipação bélica.  

Acredito que o homem não seja tão mau assim; não pode ter como benefício aquilo que apenas escoa lentamente da sua ação voraz e destruidora.  

Portanto, espero que não seja preciso recorrer a uma guerra declarada. Nós, no Brasil, temos a nossa guerra, onde 5.100 vítimas são mortas por ano apenas em São Paulo. Isso mostra que estamos matando quatro vezes mais do que na guerra de Kosovo. Essa nossa guerra é sem vergonha, essa nossa guerra é dissipada. Nessa nossa guerra, mostramos realmente aquilo que não é a verdade eterna, que o homem é o lobo do homem; que está sendo o lobo do homem. Sem emprego, sem comida, sem horizonte, sem futuro, o homem se desespera e, nesse momento, se transforma em lobo do homem.  

Mas sou otimista! Num momento futuro, em que as trilhas reais e verdadeiras, ascensionais, que aguardam a caminhada humana, forem vislumbradas, deixaremos as corcundas, as carcaças, as armaduras que nos mantêm nessa nossa pré-história e poderemos olhar verticalmente para o horizonte.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2000 - Página 12312