Discurso durante a 75ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

REGISTRO DA SANÇÃO DA LEI DE ZONEAMENTO SOCIOECONOMICO E ECOLOGICO DO ESTADO DE RONDONIA.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • REGISTRO DA SANÇÃO DA LEI DE ZONEAMENTO SOCIOECONOMICO E ECOLOGICO DO ESTADO DE RONDONIA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2000 - Página 12315
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SOLENIDADE, SANÇÃO, LEI ESTADUAL, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO, ESTADO DE RONDONIA (RO), ELOGIO, DOCUMENTO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO.
  • REGISTRO, HISTORIA, OCUPAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • DEBATE, PERCENTAGEM, LIMITAÇÃO, PRESERVAÇÃO, EXPLORAÇÃO, FLORESTA, CERRADO, APREENSÃO, RETROCESSÃO, AGROPECUARIA, ESTADO DE RONDONIA (RO).

O SR. AMIR LANDO (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última terça-feira, permaneci no Estado de Rondônia para presenciar e participar da solenidade de sanção da Lei Estadual Complementar, que aprovou o zoneamento socio-econômico-ecológico do Estado de Rondônia.  

Sr. Presidente, na Semana do Meio Ambiente, foi um ato significativo para o nosso Estado de Rondônia esse pacto ecológico da população, realizado pela Assembléia Legislativa. Por intermédio de seus representantes legitimamente constituídos, após longa reflexão, num trabalho que se já prolongava por 15 anos, votou-se a lei e ela foi sancionada. É o consenso da população do Estado que se oferece ao País para se preservar o Estado de Rondônia.  

Evidentemente a proposta tem contornos de novidades importantes para a própria reflexão da preservação ambiental. Não seguimos a forma caolha nem da medida provisória nem do Código Florestal. Inovamos. E tenho certeza de que a Nação saberá compreender essas inovações, porque, sobremodo, temos que buscar um pouco da nossa história - recentíssima, diga-se de passagem! Essa população ousou fazer de Rondônia um Estado federado, pelo trabalho, pela dedicação, pelo amor a terra e, sobremodo, pela obsessão de ocupar esses páramos remotos.  

Tangidos pela exclusão social de todos os recantos do País, essa população chegou a Rondônia para ocupá-la de forma definitiva e irreversível e com todas as dificuldades de uma região longínqua, perdida no fundo das vastas solidões amazônicas. Fomos ocupar um chão bárbaro; todavia, encantador. E aí, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, semeamos os corpos dos entes queridos para florescer a civilização. Não há família que não tenha perdido filho, irmão, pai, avô, mulher, esposa ou marido. Todos tiveram que enfrentar as adversidades de um meio difícil, endêmico, oferecendo nada mais do que a própria vida.  

Mas isso aconteceu em todo o processo de ocupação e de civilização de regiões tropicais como a nossa, onde eu poderia citar a ousadia dos seringueiros, que foram convocados, sobretudo na década de 40, para dar uma contribuição de guerra, num esforço de guerra, quando o látex era tão necessário para a fabricação de pneus não apenas dos veículos de paz, mas, sobremodo, dos veículos necessários à guerra.  

Essa gente foi lançada numa reabertura dos seringais, já que o processo de extração do látex havia entrado em decadência na década de 1910. Em conseqüência, esses nordestinos heróicos enfrentaram a malária, o beribéri e toda a sorte de endemias rurais da nossa região amazônica.  

Mas, perdidos na imensidão da floresta como estrelas na abóbada do céu, cada homem era a sua própria comunidade. Na solidão absoluta da falta de outro ser humano para se comunicar, aprendeu a falar com as árvores, com os objetos de trabalho. E, assim, para não perder inclusive a memória das palavras, ele as repetia.  

Lembro-me, Sr. Presidente, que ouvi testemunhos, na década de 70, de centenas de seringueiros de quão difícil era a vida no fundo do seringal, isolado de toda a sorte de convívio. Durante seis ou sete meses, ele ali trabalhava, na faina da coleta diuturna do látex, nessa ordenha matutina em que o seringueiro sai sozinho pela trilha, chamada "as estradas de seringa", que, em círculo, não como dizia Euclides da Cunha, lembrando o castigo de Sísifo, carregava não o bloco, mas o próprio corpo; e todos os dias voltava ao mesmo ponto de partida.  

Sem ter com quem falar ou se comunicar, ele desenvolveu essa linguagem com os objetos, com as plantas, com a própria relação intrínseca do trabalho que operava  

Lembro-me que, em certa ocasião, chegávamos na década de 70, um outro seringueiro, numa colocação, e lá não estava o homem que ali trabalhava, João e "não sei mais o quê" – porque todos eles eram heróis anônimos dessa epopéia da borracha, que se sepultou na memória das décadas e do século que passou. Lá, quem conhecia essa lógica brutal e perversa do trabalho da extração do látex, começou também num monólogo, dizendo: "Onde estás, João? O que aconteceu contigo?" E saiu ele pela trilha, à busca do companheiro, encontrando-o com a perna quebrada, imobilizado já por três dias, sem poder ter qualquer assistência de quem quer que seja. Ali, por certo, iria perecer se não houvesse esse auxílio de um companheiro que chegou por acaso. Enfim, essa era a vida. Um fato corriqueiro poderia ser fatal no isolamento absoluto em que vivia o seringueiro.  

Por isso, eu sempre disse que o seringueiro e a colocação de seringa formavam a sua própria comunidade, sem ninguém mais, a não ser alguns animais, a espingarda - a cartucheira, como falavam –, a machadinha e os instrumentos de trabalho em geral, porque o resto era solidão. Lembro a solidão e quero deixá-la gravada aqui porque, quando falo que é importante rememorar-se a vida dos habitantes da floresta, quero dizer que essa vida desumana, sobretudo, condenava o homem ao isolamento absoluto, à cela solitária na imensa planície aberta como a liberdade. E essa solitária nada mais era do que a perda da sociabilidade.  

Lembro-me que um seringueiro dizia-me – à época eu era advogado: "Doutor, às vezes eu tinha que andar 50, 60 quilômetros até outra colocação para ver a figura de uma mulher, porque, aos poucos, eu ia perdendo a referência feminina." E esse homem andava, junto com outros companheiros, chegava em uma colocação em que habitava uma família e ali ficava, de longe, observando apenas a forma, a beleza daquela que deveria ser a companheira contínua e permanente do homem. Esse era o grau de isolamento. Essa era a vida do seringueiro e é difícil imaginar-se restaurá-la, porque sabemos que os tempos são outros e o homem não renuncia, sobretudo, aos benefícios da civilização, aos serviços essenciais da vida que, hoje, assume um outro patamar de exigência. Mas esse foi o passado e poderia dar testemunhos e testemunhos dessa gente que, aos poucos, também foi relegada ao descaso e teve que abandonar os seringais, descendo igarapés, rios abaixo, como se fossem troncos de árvores abandonados ao longo dos leitos, troncos caídos sem serventia, sem perspectiva de vida e de futuro.  

Essa foi a realidade do seringal, em cuja epopéia perderam seringueiros e seringalistas, porque todos foram vítimas de um processo econômico mais vantajoso de ocupação. Nessa ocupação é que começa o capítulo de Rondônia. Na década de 70, Rondônia não passava de setenta mil almas. Hoje, chegamos a cerca de 1,5 milhão, mas tenho certeza de que – uma vez que o inventário do IBGE, por não ser integral, é deficiente – já alcançamos a casa dos dois milhões de habitantes.  

Esses brasileiros, saudados por todos os recantos da Pátria como os novos pioneiros da brasilidade, lá foram-se instalar, inclusive com a determinação do que dispunha o art. 44 do Código Florestal, de poderem fazer o abate raso de até 50% de cada gleba. Essa era a lei, isso estava escrito, esse era o pacto de sobrevivência. Posteriormente, é claro, a medida provisória, hoje já reeditada pela enésima vez, reduziu a possibilidade de se abater a floresta de 50% para 20%. Mas estamos diante de um fato consumado, de uma realidade, porque isso operou-se, em termos de modificação legislativa, recentemente, quando a ocupação, sobremodo daquelas cento e dez mil propriedades cadastradas, já tinha uma forma definida, assentada em uma lei que era obrigatória em termos de compromisso daquele colono que recebeu lote não para preservar a floresta, não para ser um contemplador da natureza, mas com a obrigação escrita de devastá-lo. Essa contradição não é em termos, não é um dilema que se estabelece de maneira ficta mas uma realidade que aconteceu e para a qual, hoje, não se podem fechar os olhos.  

Sem entrar na polêmica dos 80% ou 50% de área a ser preservada, é essa gente, esses pioneiros que começam pelos seringueiros e que passam, também, pelos homens da estrada de ferro Madeira-Mamoré, homens de ferro que estenderam os trilhos de aço ao longo da floresta, deixando o próprio corpo como o número de dormentes e de mortos que pereceram na construção dessa obra ousada e difícil, naqueles páramos remotos, que nos dão a têmpera para dizer que fomos ocupar a Amazônia.  

Abandonei Porto Alegre, advogado recém formado, e engajei-me, também, nessa cruzada da ocupação de Rondônia. Como advogado do Incra, recebi os apelos de milhares e milhares de famílias que chegavam e queriam um trato de terra para plantar, como tenho repetido, com o desespero estampado na face, porque tangidos pelas dificuldades do Sul, Centro-Oeste ou Nordeste do País, gente que chegava com filhos nos braços e panelas vazias, mas com esperança no coração. Essa gente foi, aos poucos, mudando a paisagem, transformando as matas que todos cantam em verso e prosa, mas que, naquele momento, era um empecilho para semear o grão e colher o fruto.  

Essa gente, então aplaudida por todos, hoje foi transformada em delinqüentes florestais. Ainda recentemente, um colono de 42 alqueires, ou seja, 100 hectares - um lote do Incra -, recebeu uma multa de R$56 mil por derrubar 4 hectares. Antes, é preciso declarar-se à Nação que vamos desocupar Rondônia, porque esse procedimento é incompatível com a viabilidade da ocupação; essas restrições, cada vez maiores, não possibilitam a sobrevivência da nossa gente, que fez Brasil aqueles páramos remotos.  

Sr. Presidente, estamos diante de uma proposta: a lei complementar que fixa a segunda aproximação do zoneamento sócio-econômico e ecológico. Nela, as áreas colonizadas, ocupadas, não poderão ser superiores a 30% do território de Rondônia. A nossa proposta de preservar, neste momento, 70% do território do Estado, penso ser compatível com qualquer visão ambientalista ou de preservação ambiental. E, sobremodo, ao longo da BR-364, o nascedouro da colonização, estão as melhores terras do Estado. Essa referência já a tínhamos na década de 70 tendo em vista os primeiros estudos do Projeto Radan. Ali foram assentadas milhares e milhares de famílias. O Incra fala em 110 mil famílias. Mas, na verdade, sabemos que existem bem mais, porque, durante todo esse período em que a colonização esteve estagnada, ocorreu a ocupação espontânea de milhares de famílias. Então, por certo, já ultrapassam o número de 150 mil famílias assentadas. E essas famílias que ali estão, colocando suas esperanças e suas possibilidades de sobrevivência neste confronto brutal, que alguém pode dizer que numa relação econômica este custo-oportunidade não seria indicado, é uma realidade. Ninguém fez nada para impedir que eles ocupassem as terras. Ninguém as impediu. Ao contrário, estimulou-se a ida dessa gente para Rondônia e para a Amazônia. Sobremodo para Rondônia, porque eu entendo que a Amazônia é muito diferente. Rondônia inclusive tem características especiais, que muito mais se ligam ao Centro-Oeste do que propriamente a uma visão estrita e estreita da Amazônia. Nós, em verdade, possuímos terras férteis, terras altas - e as pesquisas estão aí a demonstrar. Inclusive vou trazer à discussão desta Casa institutos não apenas nacionais - porque não se acredita em mais nada do que é brasileiro; hoje, todos os serviços de pesquisas estão sendo prestados por empresas internacionais – aí está a

Booz-Allen & Hamilton com o PPA -, e aqui também vamos trazer para dar credibilidade, porque não se acredita mais no País, não se tem mais orgulho de ser brasileiro. Portanto, esses institutos apontam que na Amazônia, sobretudo em Rondônia, parte do Mato Grosso, parte do Maranhão e do Pará, uma área de aproximadamente 100 milhões de hectares, ou seja, quase quatro superfícies do Estado do Rio Grande do Sul, são áreas absolutamente indicáveis pela sua fertilidade, pela sua estrutura à agropecuária.  

Sr. Presidente, quero dizer que o zoneamento sócio-econômico-ecológico do Estado é o que podemos oferecer. E dizer mais: nessa região de densa ocupação, de terras férteis, o limite que a população propõe aqui de preservação da floresta é apenas de 20%, porque estas áreas devem ser ocupadas no seu universo. Nós sabemos também que essa é uma idéia superada, antiga, mas foi uma idéia prática de se referir à propriedade. A propriedade, em si, não interessa que se preserve se ela é 50 ou 100 hectares. O importante é preservar um ecossistema bem maior, onde todas as espécies possam sobreviver e manter essa relação intrínseca, porque sabemos que as árvores também participam dessa aventura chamada vida.  

E quando se fala na exploração madeireira aqui são penalizados aqueles que realmente desenvolvem uma atividade racional. É preciso que se traga a discussão desse ambiente emocional para a racionalidade. Nobres Pares, eu tenho dito e repetido que a primeira regra da preservação é utilizar os recursos naturais, renováveis ou não, de maneira racional. A razão deve ser a bússola a conduzir esse processo de ocupação da Amazônia, como também o conhecimento científico, sobretudo desenvolvido a partir das nossas agências de estudo e de pesquisa locais. Não vamos buscar as bulas vindas de Amsterdã, Paris, Bonn, ou de qualquer outro lugar do mundo, dos Jardins Suspensos da Babilônia, como fazem as pesquisas, nada mais do que fazem em pequenos canteiros, em jardins suspensos, que não são os da Babilônia, mas que evidentemente são reduzidos. Esses cientistas, à distância, não correm o risco das endemias ao analisar a realidade atroz em que vivemos.  

Sr. Presidente, o tempo obra contra a minha exposição. Mas quero deixar registrado nos Anais do Senado que a lei que o Estado oferece para preservar o seu meio ambiente tem uma visão própria, mas, sobretudo, tem base científica, que é fruto de estudo e de observações de 15 anos. Por isso, temos que reestudar a questão ambiental da Amazônia. E queremos, aqui, desde já, lançar aquilo a que o Governador do Estado já se referiu, ou seja, temos que redefinir inclusive a visão do que seja a Amazônia Legal. As nossas características são do Centro-Oeste. Queremos nos integrar ao Centro-Oeste. Fomos para a Amazônia integrá-la para não entregá-la. E agora querem, realmente, decretar um despejo coletivo, porque, a valer as propostas que estão hoje na medida provisória, que inviabilizam o Estado, obrigam a todos, obrigam os nossos colonos a se tornarem guardas florestais, e pior: voluntários e sem qualquer pagamento, sem qualquer compensação, sem qualquer política compensatória.  

Por isso, não podemos pensar no retrocesso. Rondônia vai se desenvolvendo mesmo sem a ajuda governamental, sem o auxílio de políticas desenvolvimentistas tão necessárias ao progresso e ao bem-estar da população, porque temos uma gente trabalhadora. Temos, sim, gente despojada que foi ocupar e fazer Brasil aquelas solidões amazônicas.  

Sr. Presidente, para encerrar, solicito a V. Exª que seja transcrito nos Anais da Casa esse documento, que é curto, mas que nele terão, os estudiosos, uma fonte de referência para pesquisarem as considerações sobre o zoneamento sócio-econômico e ecológico do Estado de Rondônia. Acredito que isso seja o começo. Vamos abrir uma ampla e geral discussão sobre essa temática. Não queremos polemizar; queremos defender a nossa gente e a nossa terra, à qual amamos, porque lá nasceram os nossos filhos, lá vivemos, lá morreram os nossos antepassados, e queremos que lá também seja a última morada dos nossos filhos. Mas, do jeito que as coisas vão, com essa intenção de despejo, teremos que retornar aos locais de origem. Repito: queremos que os nossos filhos tenham a oportunidade de ali ser sua morada definitiva, "não em terra estranha, intrigente , que ali os males não sentem e nem se condoem do infeliz", como diria Gonçalves Dias, mas queremos, entre os entes queridos, que esta seja a última morada, que esta ocupação seja definitiva.  

Sr. Presidente, estamos de braços abertos para receber milhares e milhares de brasileiros que queiram também fazer parte da nossa querida Rondônia, que tem terras férteis e aptas para a agricultura. Não vamos deixar que a exclusão social aumente cada vez mais, criando uma cisão entre os brasileiros, que podem levar, inclusive, à convulsão social. Os sem-terra estão a espera de uma oportunidade para plantar; e as terras, que são boas, e sem homens e sem mulheres, esperam que os braços que queiram trabalhar venham aumentar, cada vez mais, o progresso e o bem-estar do Estado de Rondônia.  

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR AMIR LANDO EM SEU PRONUNCIAMENTO  

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2000 - Página 12315