Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

NECESSIDADE DE ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE TERRENO DE MARINHA.

Autor
Paulo Hartung (PPS - CIDADANIA/ES)
Nome completo: Paulo César Hartung Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • NECESSIDADE DE ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE TERRENO DE MARINHA.
Aparteantes
Alberto Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2000 - Página 12937
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • DEFESA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, NECESSIDADE, ATUALIZAÇÃO, CONCEITO, TERRENO DE MARINHA, OBJETIVO, EXTINÇÃO, OBRIGATORIEDADE, PAGAMENTO, TARIFAS, UTILIZAÇÃO, TERRENO, COMBATE, FORMAÇÃO, FAVELA, INVASÃO.
  • DEFESA, REDUÇÃO, MEDIDA, FAIXA, SEGURANÇA, TERRENO DE MARINHA, OBJETIVO, MELHORIA, APROVEITAMENTO, AREA, ESPECIFICAÇÃO, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA, HOSPITAL, PRAÇA PUBLICA, HABITAÇÃO.

O SR. PAULO HARTUNG (PPS - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para falar de um tema que, embora desconhecido de grande parte dos parlamentares, constitui-se um enorme problema para muitas cidades, principalmente as litorâneas, representando uma verdadeira pedra no sapato de milhares, senão de milhões, de cidadãos brasileiros. Venho tratar dos terrenos de marinha, abordando o assunto à luz do histórico da legislação vigente, mas sem perder de vista os dados circunstanciais que dão o seu contorno.  

Esclareço inicialmente que apresentei a esta Casa duas proposições legislativas sobre o tema. A primeira, considerada radical, foi uma proposta de emenda constitucional – que está sendo relatada pelo nobre Senador Íris Resende -que propõe a eliminação do instituto jurídico dos terrenos de marinha e seus acrescidos como bens da União.  

Houve, quero reconhecer, fortes resistências à emenda, e, diante disso, busquei uma alternativa viável que abrandasse a minha proposta inicial. Desse esforço nasceu o Projeto de Lei do Senado nº 617, de 1999, que atualiza o conceito de terrenos de marinha e dispõe sobre a destinação dos bens que, em face da atualização, vierem a perder essa condição de terrenos de marinha e acrescidos de marinha. Em que pese algumas resistências de setores do Governo Federal, tenho dialogado com o Ministro do Planejamento, Martus Tavares, e com a Liderança do Governo nesta Casa, e ambos têm demonstrado enorme sensibilidade – devo reconhecer - para com o problema, que afeta tantas famílias em nosso País.  

O projeto já recebeu inúmeras manifestações de apoio de cidadãos e Câmaras de Vereadores de diversos Municípios litorâneos, como Florianópolis, São Vicente (SP), Belém, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Aracaju - só para citar algumas dessas manifestações. Acho que está valendo o esforço. Foram construtivas as críticas para que pudéssemos chegar a uma proposta que trate do tema no contexto nacional.  

O projeto entrou na pauta na última reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e não foi votado em face de um pedido de vista do Senador Romeu Tuma, entre outros Senadores. Assim, volta à pauta da CCJ na reunião marcada para amanhã.  

Há duas correntes doutrinárias sobre a instituição de terrenos de marinha. Vou, rapidamente, ocupar-me de ambas, a fim de deixar transparente a real motivação da existência desses bens da União. Pretendo demonstrar que, na verdade, coexistiram e ainda coexistem as alegadas razões de segurança e as disfarçadas razões financeiras, conforme se deduz da confusa e esparsa legislação sobre o tema.  

Os especialistas em Direito Administrativo proclamam que o instituto jurídico do terreno de marinha não encontra paralelo – e é bom dizer isso aqui – em qualquer outra parte do mundo, tendo sido trazido para o Brasil pelos colonizadores, que jamais o utilizaram na sede da Coroa Portuguesa.  

A razão histórica de segurança é que fixou em "15 braças craveiras", ou seja, 33 metros, a distância ente a linha do preamar médio, que vem a ser o ponto médio das marés altas observadas no decorrer de um ano. Quer dizer, essa é a fixação desse conceito de segurança. A distância, Sr. Presidente, foi calculada para assegurar que um tiro de canhão, do velho canhão, disparado de uma embarcação, não fosse capaz de atingir nossas bases de defesa. Considerava-se insuscetível de entrega ao particular, sobretudo aos estrangeiros, essa faixa de terra, sob pena de tornar o País vulnerável a ataques por via marítima.  

Por outro lado, pelo que se extrai da obra Terras de Marinha , de Rosita de Sousa Santos, foi o entendimento régio, na administração política e econômica da colônia, que acabou por fixar entre nós a figura da terra de marinha, ou terrenos de marinha, que os autores antigos chamaram, também, de "salgados", ou "terras salgadas". Citado na referida obra, Tavares Bastos, por exemplo, afirma que, embora sem expressar qualquer determinação específica sobre terrenos de marinha, as Ordenações Filipinas davam direito real ao sal (Livro II, Tít. XXVI, §15) e induziam à conclusão de que as terras sobre as quais se preparava o sal pertenciam ao Patrimônio Real.  

Entretanto, Sr. Presidente, o rei jamais se importara com a terra propriamente dita. A verdadeira intenção era o lucro que poderia advir do sal e da pesca. Na verdade, o interesse econômico orientou o interesse político para uma escala mais ampla, e isso pode ser constatado na Ordem Régia de 21 de outubro de 1710, considerado o primeiro documento, chegado ao Brasil, mencionando as terras de marinha.  

A primeira lei que tratou, expressamente, das terras de marinha foi a Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831. A partir daquele momento, a terra de marinha apareceu sempre como o elemento gerador de uma renda registrada nas leis orçamentárias, e a regulamentação de todos os casos que surgiram foi, toda ela, feita por meio de atos administrativos.  

Em 1916, solicitadas informações sobre a conveniência da alienação do domínio desses terrenos de marinha, o Ministério da Fazenda informou que "os terrenos de marinha têm uma função muito importante na defesa das costas, construção de portos e outras obras, não convindo, pois, que o patrimônio nacional deles se prive definitivamente", e ressuscitou a questão da segurança. A despeito dessa alegação, Sr. Presidente, seguiram os terrenos de marinha sendo tratados como instrumentos geradores de recursos para o erário.  

Entre 1923 e 1930, a vida política brasileira viveu o fim da República Velha. Veio o Estado Novo, e nada se mudou no conceito de terrenos de marinha.  

Com essa longa trajetória, iniciada na Ordem Régia de 1710, chegamos, finalmente, à chamada Lei do Patrimônio, ou Lei da SPU (Secretaria do Patrimônio da União), consubstanciada no Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, que "dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências". É dessa lei a definição de terrenos de marinha e acrescidos, hoje em vigor, e que se pretende atualizar com o projeto que estou apresentando. O citado decreto-lei de 1946 foi acolhido e recepcionado pela Constituição de 1988 e diz o seguinte:  

 

Art. 2.º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:  

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;  

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.  

Art. 3º - São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos da marinha.  

 

Como se percebe, Sr. Presidente, a motivação preponderante na instituição e manutenção dos terrenos de marinha como bem público foi de natureza econômica permanentemente. Dos interesses da Coroa Portuguesa na extração do sal e na pesca, passou-se a uma visão meramente fiscalista, em que esses terrenos, pela via da enfiteuse, foram permanentemente considerados fonte de recursos para o Erário. Enfiteuse quer dizer direito real alienável e transmissível aos herdeiros, e que confere a alguém o pleno gozo do imóvel mediante a obrigação de não deteriorá-lo e de pagar uma taxa anual, em numerário ou em frutos.  

A situação, Sr. Presidente, torna-se particularmente curiosa quando se têm presentes os chamados terrenos acrescidos de marinha, surgidos mediante o aterramento, natural ou artificial, de áreas litorâneas. Com o crescimento urbano, existem hoje, em muitas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Florianópolis, Vitória, entre muitas outras, inúmeras construções e prédios edificados em aterros que estão localizados a centenas de metros da praia. Só que, por força desse histórico "preamar-médio de 1831", tais edificações situam-se em terrenos de marinha, o que faz com que os donos desses imóveis, quase sempre pessoas que agiram de boa-fé, tenham que pagar foros anuais à União e jamais venham a se sentir realmente proprietários desses imóveis.  

Assim, sob a ótica da administração pública, a manutenção de largas faixas de terras sob o domínio da União, muitas delas sem qualquer destinação específica, apesar de enquadrarem-se legalmente no conceito de terreno de marinha, estão tomadas por lixo, quando não são lixões da cidade, mas o Município nelas não pode construir uma praça, um posto de saúde, um conjunto habitacional sequer, destinado a beneficiar a população, sobretudo a de baixa renda.  

Quando urbanizei a chamada "Região de São Pedro", na área oeste da cidade de Vitória, vivi esse drama que estou citando aqui, num discurso um pouco técnico, mas explicativo, para que a Casa possa entender a motivação que me levou a apresentar esse projeto.  

Qualquer das iniciativas que citei anteriormente, Sr. Presidente, depende hoje de um ato complexo, envolvendo autoridades federais, estaduais e municipais, resultando, ante tanta complexidade, na inércia que estimula as invasões e a favelização do entorno dos centros urbanos. Quem sobrevoa o Aeroporto Internacional Tom Jobim - estou querendo dar um exemplo nacional, que todos que passam pelo Rio de Janeiro têm a oportunidade de ver -, na Ilha do Governador, chegando ao Rio de Janeiro, depara-se com um exemplo claro do que estou falando. São casas, prédios e até palafitas construídos em situação completamente irregular aos olhos dessa legislação vigente...  

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) – V. Exª me concede um aparte, Senador?  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – No momento seguinte, Senador. Apenas um minuto.  

Demonstra-se, assim, que o serviço de patrimônio da União não está devidamente aparelhado para evitar esse tipo de ação.  

Sob a ótica do cidadão, Sr. Presidente, é difícil, para não dizer dificílimo, explicar a um pescador que herdou a casa do seu pai, também pescador, que por sua vez recebera o bem do seu avô, e assim sucessivamente por muitas gerações, que aquele papel que lhe diz ser proprietário do imóvel não vale plenamente.

 

A realidade, Sr. Presidente, é que o Poder Executivo Federal não investe na grande imobiliária em que se transformou o setor da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) que administra os terrenos de marinha. Essa Terracap em âmbito nacional - procurei uma expressão para que até os Senadores que não são dos Municípios litorâneos consigam entender, e escolhi Terracap porque, por estarmos em Brasília, todo mundo entende – diz administrar inúmeras áreas urbanas no Brasil, o que me parece, nos dias atuais, um monumental contra-senso, pois vem sendo promovida uma substancial reforma do Estado, objetivando exatamente deixar ao Governo Federal apenas o cumprimento de suas funções básicas e essenciais, como aquelas relativas à educação, saúde, ciência e tecnologia e segurança pública. O Governo deveria cuidar dessas áreas e abrir mão de ser proprietário de uma imobiliária - essa parte do SPU que cuida de terreno marinho é uma imobiliária. Estamos diante de uma Terracap federal que cuida, com todas as deficiências possíveis, de oito mil quilômetros de litoral.  

Pois bem, Sr. Presidente, o Decreto-Lei 2.398, de 1987, fixou em 2% a taxa de ocupação dobre o domínio pleno do terreno para as ocupações inscritas até o dia 31 de março de 1988 e em 5% para as ocupações requeridas ou promovidas a partir de 1° de abril do mesmo ano. Hoje, o foro é fixado em 0,6% ao ano. O laudêmio, por sua vez, que é a participação da União na venda do domínio útil entre particulares, é fixado em 5% sobre o valor total do imóvel, inclusive benfeitorias feitas por particulares no mesmo.  

Está claro, no entanto, que, em função da burocracia muitas vezes ineficiente na administração dos seus serviços, a SPU não consegue tomar conta devidamente desses oito mil quilômetros de área litorânea. Como resultado, tem-se o cadastramento de imóveis feito sem critério algum, já que, num mesmo bairro, há imóveis cadastrados ao lado de outros que não o foram. Isso revela descontrole sobre a coisa pública e dá motivo à desconfiança com relação a esse serviço público.  

Imagine, Senador Romeu Tuma, que, num mesmo bairro, um morador é cadastrado – portanto, obrigado a pagar um foro anual - enquanto seu vizinho, por não ser cadastrado, não paga nada. Ambos estão dentro de área traçada a partir de preamar medida em 1831, que não leva em consideração todos os aterros que foram feitos, sejam os aterros naturais ou os feitos pelo Poder Público e particulares.  

Senador Alberto Silva, vou conceder aparte a V. Exª. Peço-lhe apenas que aguarde mais um pouco para que eu possa avançar um pouco no raciocínio. Assim, as coisas vão ficando mais claras.  

Grande parte das prefeituras, quase a totalidade delas, buscando a modernização tributária, controla anualmente ou mensalmente a evolução do valor dos imóveis. A SPU não tem como fazer isso. As prefeituras o fazem porque têm que cobrar o IPTU anualmente e o ITBI. Então, têm que ter esse cadastro, essa avaliação. As prefeituras hoje controlam a ocupação espacial das cidades por meio de recursos da aerofotogametria, algo que implantei na cidade de Vitória, inclusive com a atualização permanente de informações. Trata-se de fotografia tirada da cidade, de grande altura, que possibilita identificar ruas e becos, poste a poste, terrenos baldios e terrenos ocupados, ver qual o tipo de construção que neles se encontram. Hoje as prefeituras montam o seu planejamento urbano e a sua política tributária lançando mão desses mecanismos, mecanismos de que não dispõe o Governo Federal.  

Contraditoriamente, Sr. Presidente, delegacias do patrimônio da União nos Estados acumulam – vou falar de algo que já presenciei muitas vezes – pilhas e mais pilhas de processos empoeirados, mal cuidados e abandonados por absoluta falta de condições de serem manuseados e de falta de condições de trabalho, de equipamento, de gente. Isso não é culpa do funcionário público, é bom deixar isso muito claro.  

No meu caso, no caso do Espírito Santo, registro – trata-se de algo digno de registro - uma certa melhoria desses serviços nos últimos tempos, mas ainda muito aquém de suas necessidades.  

É ainda mais difícil, Sr. Presidente, entender a situação quando sabemos que a União promoveu, muito recentemente, a alienação de uma grande quantidade de imóveis no Distrito Federal, dando preferência aos seus ocupantes. Ele poderia muito bem promover a alienação do domínio pleno dos terrenos de marinha e seus acrescidos pelo Brasil afora. Não o fez.  

Hoje assistimos a uma deplorável concessão de auxílio moradia aqui em Brasília. Trata-se de despesa deplorável, que afronta a consciência do cidadão. Até o Parlamento recebe críticas, mas essa questão é muito mais grave ainda no Poder Executivo.  

Tenho dúvidas se a arrecadação total do foro, em âmbito nacional, supera o que a União gasta com o custeio da burocracia necessária para mantê-la e com o pagamento do auxílio moradia para o alto escalão federal - tenho dúvidas, já procurei esses números e não os achei, mas vou encontrá-los.  

Há também aqui, Sr. Presidente - é importante falar isso -, quem argumente com a necessidade de manutenção dos atuais terrenos de marinha como bens da União em face da necessidade de preservação ambiental. Entretanto, também esse argumento não procede, visto que são as organizações não-governamentais, ao lado dos órgãos locais – conselhos municipais de meio ambiente – que estão realmente na vanguarda da preservação do nosso patrimônio natural. Houve, por exemplo, uma tentativa de mudar a lei em relação à preservação dos manguezais. De onde veio a reação? Dos movimentos populares. As nossas caixas de e-mail ficaram abarrotadas de mensagens do Brasil inteiro, protestando contra essa mudança, com relação à qual, inclusive, o Senado já recuou. Em relação ao desmatamento da Amazônia, é a mesma coisa: a sociedade civil é que está ajudando a tomar conta do que resta de patrimônio natural no nosso país.  

Com efeito, Sr. Presidente, por força do art. 23, incisos VI e VII da Constituição Federal, é da competência comum da União, dos Estados e dos Municípios a proteção do meio ambiente e o combate à poluição, bem como a proteção das florestas, fauna e flora. Existe órgão local integrante do Sistema Nacional de Proteção ao Meio Ambiente, conforme estabelece a Lei nº 6.938, de 1981, que mostra que esse argumento não procede.  

Também não se entende a resistência do Comando da Marinha à atualização do conceito de terrenos de marinha, porque falecem quaisquer argumentos que possam justificar o interesse da segurança quer da costa brasileira - hoje não é mais necessária a aproximação de navio para um ataque – quer da navegação, já que há esboço normativo próprio, inclusive amparado em acordos internacionais.  

Ademais, Sr. Presidente, em relação à navegação, as cidades que sediam portos têm todo o interesse na preservação dos sinais naturais e artificiais que asseguram a navegabilidade em sua costa e nos seus canais de acesso, tendo em vista o interesse de preservação das receitas econômicas decorrentes da atividade portuária. Eu, que administrei uma cidade portuária, tenho muito claro o que isso significa.  

Sr. Presidente, reconhecendo o tradicional compromisso das Forças Armadas com a moralidade no trato da coisa pública, debito essa resistência que citei anteriormente ao fato de que não deve ser do conhecimento do Comando da Marinha uma prática comum nessa área: criar dificuldades para vender facilidades nesse processo de cobrança de foro e laudêmio e de fiscalização do patrimônio da União. Debito esse interesse a um certo apego histórico, próprio da caserna - que tem o meu respeito. No entanto, trago aqui esta discussão e mostrar didaticamente o que é essa realidade. Cito a Marinha brasileira e o Senador Romeu Tuma sabe por que o faço: recebi, no final da reunião, um parecer do Comando da Marinha discutindo a matéria.  

Antes de conceder um aparte ao Senador Alberto Silva, queria consignar aqui que a minha proposição, Sr. Presidente, pretende apenas atualizar o conceito de terrenos de marinha, mediante a redução de 33 para 13 metros da chamada faixa de segurança, medida a partir da preamar média, não mais de 1831, mas de 1999.  

Rigorosamente, o que se critica na fundamentação desse projeto é a desorganização, a profunda injustiça, a burocracia, Sr. Presidente, que atrapalham o desenvolvimento urbano das cidades litorâneas. No caso dos que são cadastrados - nem todos o são, eu gostaria que V. Exªs soubessem disso -, pesa ainda a insegurança jurídica por conta do pagamento de taxas de ocupação ou foros eternos e da remota esperança de um dia adquirir o domínio pleno do bem.  

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior. Fazendo soar a campainha)  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Posso concluir, Sr. Presidente?  

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) – V. Exª já ultrapassou o seu tempo em 3 minutos e 26 segundos. Pediria a V. Exª que concluísse o seu pronunciamento.  

O SR. PAULO HARTUNG (PPS – ES) – Estou terminando, Sr. Presidente.  

Assim, o que pretende o projeto é subtrair do regime enfitêutico a maior área possível, em que se incluiriam os atuais acrescidos de marinha, para futura aquisição de domínio pleno por parte de seus legítimos ocupantes e uma melhor utilização pública, com a implantação de obras essenciais à vida urbana, como unidades de saúde, praças, ruas e programas habitacionais – como disse anteriormente – para famílias de baixa renda. Dessa forma, permaneceria ainda como terreno de marinha – é bom esclarecer –, além dos futuros acrescidos, a faixa de 13 metros, que não é desprezível, pois o preamar médio é definido a partir do ponto médio das marés altas do ano, o que o faz somar-se à área da praia.  

De outra parte, a proposta transfere a Estados e Municípios apenas as áreas que, por força da proposta, deixarem de constituir terrenos e acrescidos de marinha e que não estejam afetadas a algum uso público de natureza federal, como por exemplo, um porto, uma repartição pública federal, e assim por diante.

 

O intuito maior é descentralizar a solução do problema. A transferência do processo de alienação desses bens aos Municípios decorre do maior conhecimento da realidade local e da necessária descentralização desse procedimento, obrigando que o produto da arrecadação – e isso é uma coisa importante do projeto – seja destinado integralmente à capitalização dos fundos de previdência dos servidores municipais. Ou seja, há uma destinação específica para esses recursos no projeto que apresentei. Assim, estaria atendida a preocupação maior do Governo Federal em relação às contas públicas do País.  

Parece-me também inquestionável a improcedência da apontada inconstitucionalidade da iniciativa, pois em nenhum momento pretendeu-se retirar os terrenos de marinha e respectivos acrescidos do rol de bens da União. Em realidade, já terminando, Sr. Presidente, apenas se estabelece novo conceito para tais faixas de terreno, o que é matéria de lei ordinária, perfeitamente alterável por meio de proposições da espécie. Ora, se é reconhecida a autoridade legal para doação de terrenos de marinha ao particular, com muito mais propriedade, mediante a atualização do conceito legal de terrenos de marinha, extirpando da atual realidade brasileira os atuais terrenos acrescidos de marinha, os que perderam essa condição podem ter a sua propriedade tranqüilamente transferida para os Municípios.  

Por fim, há que se atentar para a situação de cidadãos como o Sr. Hélcio Modonense, que me enviou uma correspondência detalhada sobre a sua realidade, já que detinha a escritura definitiva do imóvel situado no Parque Moscoso, no centro de Vitória, e, em face de um recadastramento procedido pela Secretaria do Patrimônio da União, por atender a esse chamamento, passou a pagar regular e perpetuamente o foro, enquanto os seus vizinhos próximos, por não terem acatado a convocação dos agentes da União, deixaram de ter os imóveis caracterizados como terrenos de marinha, assegurando a propriedade plena de seus bens, o que caracteriza uma iniqüidade, uma injustiça que exige imediata reparação.  

Fatos como esse é que incutem no cidadão brasileiro a sensação de que o certo é ser esperto, porque este sempre leva vantagem por transgredir a lei, enquanto fica com a pecha de tolo aquele que a cumpre.  

É preciso virarmos essa página para que a União possa se concentrar na sua função precípua, que é o atendimento ao desenvolvimento econômico e social do País – o que está no centro da reforma do Estado que está em curso. Precisamos sair do mundo da ficção, representada por uma linha de preamar que corta prédios centenários, para devolvermos a milhares de famílias brasileiras a tranqüilidade de que o esforço de toda uma vida para a aquisição da casa própria não se afogue no maremoto da burocracia federal. É hora de acabarmos com esse jogo de faz de conta, Sr. Presidente, em que o cidadão faz de conta que é dono do imóvel, a União faz de conta que o imóvel é seu e a SPU faz de conta que administra os terrenos de marinha e seus acrescidos.  

Por tudo que expus aqui, Sr. Presidente, em um pronunciamento um pouco técnico e pesado, mas didático, quero esclarecer a esta Casa por que tramita hoje, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, um projeto de minha autoria justamente no sentido de mudar o conceito de terrenos de marinha. Quero, por isso, pedir o apoio de todos os Senadores para um problema que não é de Vitória, não é do Espírito Santo, mas que está presente em todas as cidades litorâneas do nosso País.  

Muito obrigado, Sr. Presidente, inclusive pela tolerância para que pudesse terminar o meu pronunciamento.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2000 - Página 12937