Pronunciamento de Jefferson Peres em 13/06/2000
Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
PRIORIZAÇÃO DE PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL PARA OS GOVERNOS ESTADUAIS DA AMAZONIA. DEFESA DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DA SENADORA MARINA SILVA, QUE DISCIPLINA O USO E A COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS DE DIVERSIDADE BIOLÓGICA.
- Autor
- Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
- PRIORIZAÇÃO DE PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL PARA OS GOVERNOS ESTADUAIS DA AMAZONIA. DEFESA DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI DA SENADORA MARINA SILVA, QUE DISCIPLINA O USO E A COMERCIALIZAÇÃO DOS PRODUTOS DE DIVERSIDADE BIOLÓGICA.
- Aparteantes
- Tião Viana.
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/06/2000 - Página 12942
- Assunto
- Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
- Indexação
-
- COMENTARIO, DIA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, AUMENTO, CONSCIENTIZAÇÃO, BRASIL, IMPORTANCIA, REGIÃO AMAZONICA, REGISTRO, PESQUISA, INICIATIVA, PROJETO, SETOR PUBLICO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
- CRITICA, PARECER, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, AMPLIAÇÃO, AREA, AGROPECUARIA, REGIÃO AMAZONICA.
- ANALISE, ABANDONO, AREA, DESMATAMENTO, INFERIORIDADE, PRODUTIVIDADE, PECUARIA, POSSIBILIDADE, MELHORIA, RENDIMENTO, PRESERVAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA.
- ANALISE, SOLO, FLORESTA AMAZONICA, AUSENCIA, INDICAÇÃO, AGRICULTURA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PLANEJAMENTO, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO.
O SR. JEFFERSON PÉRES
(Bloco/PDT – AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste mês de comemoração do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no último dia 5, cumpre lembrar que um dos saldos mais positivos deste final de século no Brasil foi a generalização de uma nova consciência acerca da Amazônia, de sua importância para o País e para nossa inserção no mundo.
Sobretudo a partir da Conferência Rio-92, a opinião pública nacional passou a perceber com maior clareza a necessidade de conhecer e respeitar aquele imenso espaço geográfico que concentra mais da metade da biodiversidade do planeta; de manejar adequadamente seus recursos naturais, a fim de permitir seu aproveitamento sustentado por esta e por todas as gerações vindouras.
Esse emergente consenso manifestou-se em uma série de iniciativas e projetos, que vão do PPG – 7 ao Sivam – Sipam, sem esquecer a multiplicação de diagnósticos e pesquisas de crescente rigor científico e relevância social, produzidos por centros de excelência internacionalmente reconhecidos tais como o Inpa, a Embrapa ou as dezenas de universidades e institutos que integram o consórcio Unamaz (Associação das Universidades da Amazônia), entre tantas outras organizações governamentais e não-governamentais dedicadas ao desenvolvimento sustentável da região.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, a sociedade e a mídia registraram com perplexidade e desconforto o parecer do Deputado Moacir Micheletto, do PMDB, à medida provisória que altera o Código Florestal. O relatório Micheletto amplia, dos atuais 20, para 50% a área liberada para a agropecuária na Amazônia.
Aquelas instituições científicas especializadas a que acabo de me referir têm sido unânimes na condenação dos riscos econômicos, sociais e ambientais daquela proposta.
Os pressupostos de que a Amazônia precisa expandir sua área agropecuária para se desenvolver são falsos porque fazem tábula rasa de realidades já razoavelmente estudadas, referentes à presente estrutura de ocupação e uso do solo amazônico; às características pedológicas, pluviométricas e biológicas dos diversos ecossistemas; e à relevância da floresta para o desenvolvimento da região.
Passo a um resumo das análises correntes dessas três importantes dimensões.
Conforme o último Censo Agropecuário do IBGE, realizado há quatro anos, 20% das áreas desmatadas para utilização na agropecuária, em um total de 165 mil quilômetros quadrados, o que corresponde à superfície do Espírito Santo e de Santa Catarina somados, já foram abandonadas.
As áreas que continuam a ser exploradas, com cerca de 600 mil quilômetros quadrados, são, em geral, caracterizadas por baixos índices de produtividade. A ilustração mais eloqüente disso é a pecuária. Cada boi necessita de dois ou mais hectares em quase metade das pastagens amazônicas. Nas Regiões Sul e Sudeste a relação é de 1,3 cabeça por hectare. Não é de admirar, portanto, que a taxa de retorno dos investimentos em agropecuária, na Amazônia, seja de 4% ao ano, menor que a remuneração da caderneta de poupança, que, girando em torno de 6%, é a mais conservadora das inversões de baixo risco do mercado financeiro.
Argumentam os técnicos do Imazon que a transição para técnicas mais intensivas poderia, num prazo relativamente curto, elevar o rebanho dos atuais 32 milhões para 60 milhões de cabeças, sem que fosse necessário acrescentar novas extensões aos cerca de 46 milhões de hectares onde a pecuária amazônica é praticada atualmente. Experiências-piloto em andamento mostram que o abandono dos velhos métodos extensivos e a reforma das pastagens produzem um ganho de peso do boi por hectare três vezes maior, ao mesmo tempo que é revertido o processo de empobrecimento do solo.
Conclusão: incorporar novas áreas à pecuária, ampliando ainda mais o "arco do desmatamento" nas áreas de floresta e de cerrados ao sul da bacia amazônica, é uma alternativa economicamente inviável e ecologicamente incorreta.
Bem outra é a situação da atividade madeireira. Segundo o mesmo estudo, a exploração da madeira calcada em técnicas modernas de manejo sustentado e estimulado à recuperação da cobertura florestal, pode gerar uma taxa de retorno da ordem de 33%.
A bem da verdade, apenas uma reduzida parcela do universo amazônico se presta à exploração agrícola, com solos, clima e relevo adequados. Não é possível generalizar para o conjunto as condições características do sul da Amazônia, onde chove menos e a paisagem é dominada por florestas abertas. Nas partes mais centrais, em que os índices pluviométricos são superiores a 2.200 milímetros por ano, os solos pobres e o relevo irregular associam-se ao excesso de umidade para eternizar resultados agrícolas medíocres.
A exuberância da floresta, que se mantém em "clímax ecológico" apenas enquanto permanece como sistema fechado (a salvo de impactos externos adversos induzidos pelo homem), esconde a extrema acidez e a pobreza do solo.
Terra encharcada e umidade propícia à multiplicação de pragas representam um obstáculo à agricultura convencional, sobretudo no meu Estado do Amazonas. E não só lá. Muito embora a imensidão e as potencialidades da região estejam carecendo de um amplo e pormenorizado programa de zoneamento econômico e ecológico, os dados disponíveis do lendário Projeto Radam, datados do já longínquo ano de 1975, permitem dividir a Amazônia em três grandes espaços.
Em primeiro lugar, a Amazônia "seca" (entre aspas, se compararmos sua pluviometria com a de outras regiões do País). A precipitação está abaixo de 1.800 milímetros por ano e sua área abrange 17% do território. A ela correspondem o já referido arco do desmatamento, ao sul da Amazônia, e também os cerrados e campos do Amapá e de Rondônia. Ali as condições naturais para o desenvolvimento agrícola são menos adversas, com melhor clima e até manchas de terra roxa em Rondônia, no Pará e em Mato Grosso, apesar do predomínio de solos pobres. O terreno pouco acidentado mostra-se mais propício à mecanização.
Já na chamada Amazônia úmida, onde os índices pluviométricos variam de 1.800 a 2.200 milímetros por ano, prevalecem a floresta fechada, o solo pobre e o relevo acidentado. Abrange cerca de 40% do total da região.
Finalmente, a Amazônia "extremamente úmida" exibe caudalosos índices de precipitação anual acima de 2.200 milímetros e que podem atingir 4.000 ou mesmo 4.500 milímetros. Quando a cobertura florestal é retirada, as chuvas diluem e carregam os poucos nutrientes do solo, intensificando a erosão. É o caso da maior parte do Estado do Amazonas, do norte do Pará e Amapá. Também ali, o relevo acidentado dificulta a mecanização da agrícola.
Como se não bastassem esses obstáculos de ordem natural, o panorama agrário na Amazônia é seriamente prejudicado por um vácuo de ilegalidade que, não raro, enseja violentos conflitos.
Em recente audiência pública realizada em conjunto pelas Comissões de Agricultura, Amazônia e Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, o Ministro da Reforma Agrária, Raul Jungmann, revelou que, dos 93 milhões de hectares de terras cujos cadastros foram cancelados pelo Incra em razão de fraude nos registros de imóveis, nada menos de 67,7 milhões estão localizados na Amazônia Legal. Desse modo, a faceta mais brutal e visível da grilagem de terras é reforçada pela sutil conivência dos cartórios de registro imobiliário que, muitas vezes, registram áreas sobrepostas. Essa prática criminosa, endêmica à Amazônia, conta ainda com a participação de órgãos governamentais que admitem a titulação de terras devolutas a correligionários dos poderosos do dia, "laranjas" ou "fantasmas". Como explica Jungmann, "depois de obter o registro no cartório, o fraudador repete esse procedimento no Instituto de Terras do Estado, no Incra e na própria Receita Federal".
Mas, voltando à encruzilhada econômica da Amazônia, Sr. Presidente, propostas como a do Deputado Moacir Micheletto ignoram que a floresta, embora não deva ser encarada como um obstáculo ao desenvolvimento, define uma vocação predominantemente florestal e apenas subsidiariamente agropecuária para o progresso da Amazônia em bases ecologicamente sustentáveis e socialmente justas.
A atividade florestal, que engloba a exploração e a industrialização da madeira e também de outros produtos, como o palmito, a castanha e a borracha, corresponde a 15% do PIB amazônico, em contraste com menos de 10% da agropecuária.
O consenso científico, dentro e fora do Brasil, evidencia que o manejo sustentado das florestas é capaz de gerar muito mais empregos, renda, lucros e impostos do que a agropecuária extensiva que vem até agora sendo praticada em prejuízo do meio ambiente, da população e do futuro da região.
Alguns números, em apoio a essa tese, são eloqüentes. Se, para gerar um emprego permanente, a atividade madeireira necessita de sete hectares de floresta, a pecuária exige 428 hectares de pasto. Quanto ao potencial de arrecadação tributária, a exploração da madeira produz uma receita nove vezes superior à da pecuária.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, além da maior reserva de madeiras nobres do planeta, a Amazônia abriga um potencial tão abundante e variado de plantas medicinais, produtos alimentares, óleos, fibras, resinas, corantes e cosméticos, que ainda está longe de ser inventariado, embora seja responsável pela manutenção direta de 1,5 milhão de pessoas.
O Sr. Tião Viana (Bloco/PT – AC) – V. Exª me permite um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) - Concedo o aparte, com prazer, ao Senador Tião Viana.
O Sr. Tião Viana (Bloco/PT – AC) – Senador Jefferson Péres, externo a minha admiração por V. Exª por estar fazendo esse brilhante pronunciamento. Há poucos meses, V. Exª falou sobre a necessidade de os governadores da Amazônia se reunirem num conselho para traçar as diretrizes principais do modelo que se quer para a Região. De fato, foi elaborado um projeto de lei dentro de um cenário legislativo que nem sempre está diretamente vinculado àquilo que é melhor para a Amazônia. Isso foi muito bem exposto por V. Exª e por inúmeros setores da imprensa nacional. Entendo que é necessário dar prioridade à Região Amazônica. É necessário que os governos da Amazônia se reúnam e, como V. Exª coloca muito bem, tracem um vetor dominante para a nossa região, o que nós vamos fazer com tanto potencial, com tanta riqueza, o que vamos vender. O próprio Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, em recente Seminário na Comissão de Defesa e Relações Exteriores, colocou que o Brasil perde US$1 bilhão com biopirataria, todos os anos. Não fica nada como tributo, nada é retido para o desenvolvimento amazônico. A Comunidade Européia dispõe de US$3 bilhões para comprar produtos florestais ou com certificado de origem, e nós não trabalhamos isso como prioridade. Somente a Alemanha trabalha com US$300 milhões para comprar produtos amazônicos, e nós não avançamos na idéia de oferecer um mercado mais atrativo, que possa fazer os nossos produtos chegarem até lá. E nem se fala quanto ao interesse do governo americano em pesquisar e viabilizar recursos para a Amazônia. As multinacionais, agora as chamadas transnacionais, em número de sete, estão entrando na Amazônia com investimentos de US$450 milhões para a bioindústria, da área de cosméticos à área de medicamentos, baseadas na tese das populações tradicionais, e nós ainda estamos discutindo um modelo, por falta de uma diretriz definida da maioria dos governadores da região e por falta de uma decisão do Governo Federal em ter na Amazônia a grande prioridade que possa levar o Brasil a uma condição digna no cenário internacional. Parabéns a V. Exª. Espero que o Governador do Acre, que está sensibilizado pelo pronunciamento de V. Exª, tenha êxito nessa reunião de um Conselho Amazônico que esteja à altura do que a nossa população merece e o Brasil precisa.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT – AM) – Obrigado, Senador Tião Viana. É incrível, realmente, como parte das elites amazônicas não entendem que o nosso futuro está na exploração da biodiversidade, como não se mobiliza para criar centros de excelência na região, como não se mobiliza para fazer aprovar projetos como o da Senadora Marina Silva, para disciplinar o aproveitamento de material genético, para não dar margem ao que aconteceu recentemente, aquele contrato entre a Bioamazônia e a Novartis, que o Governo não sabe nem como combater, exatamente por falta de regras disciplinadoras. É lamentável que os governadores da Amazônia não forcem a reunião periódica do Conamaz. Aliás, reitero o meu apelo feito a V. Exª para que o Governador do Acre tome a frente dessa iniciativa, para levar o Executivo a fazer funcionar efetivamente aquele Conselho.
Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, ninguém, em sã consciência e com responsabilidade pública, ainda que modesta, perante o povo da Amazônia, pode cultivar a utopia de paralisá-la em uma cápsula do tempo. Trata-se, isso sim, de circunscrever a agricultura e a pecuária àquelas áreas capazes de gerar retorno socioeconômico significativo, mercê da aplicação de tecnologias verdadeiramente apropriadas ao clima, ao solo e ao relevo, mesclando as conquistas científicas de ponta com as lições da imemorial sabedoria cabocla e indígena, para o gerenciamento duradouro do nosso soberbo patrimônio florestal.
O sucesso dessa empreitada, do qual depende a sobrevivência do País e o bem-estar geral da humanidade, só será alcançado, repito, caso o Poder Público assuma sua responsabilidade quanto ao zoneamento econômico e ecológico da região, com ampla democratização dos resultados e das conclusões desse levantamento.
O Executivo acaba de reeditar a Medida Provisória do Código Florestal, ao mesmo tempo em que articula para alterar a composição da respectiva comissão mista e assim reduzir a influência dos representantes da Bancada Ruralista, que, infelizmente, ainda identifica devastação com modernidade e desenvolvimento. Na prática, isso neutraliza o relatório Micheletto, refletindo fidelidade à proposta do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Mesmo assim, é preciso bem mais que boas intenções oficiais para que as ações, apenas esboçadas nos limites de tempo e espaço deste pronunciamento, saiam do papel para transformar a realidade da minha região.
Era o que tinha dizer, Sr. Presidente.
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