Discurso durante a 76ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

DEFESA DA PROPOSTA PARA MUDANÇAS NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO E EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • DEFESA DA PROPOSTA PARA MUDANÇAS NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO E EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2000 - Página 12827
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CORTE, ORÇAMENTO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, CONTRIBUIÇÃO, AGRAVAÇÃO, CRISE, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, ALTERAÇÃO, PROCESSO, ELABORAÇÃO, EXECUÇÃO, ORÇAMENTO, BRASIL, IMPEDIMENTO, DESVIO, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, METODOLOGIA, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, ORÇAMENTO, DESRESPEITO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, CONTRIBUIÇÃO, AGRAVAÇÃO, DESEQUILIBRIO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, DEMOCRACIA, APERFEIÇOAMENTO, ORÇAMENTO, GARANTIA, DIREITOS, CIDADÃO, PRIORIDADE, INTERESSE SOCIAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL – RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srª s e Srs. Senadores, o Governo Federal cortou sete bilhões, quatrocentos e sessenta e dois milhões do Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para este ano, o que certamente contribuirá para agravar a crise social e econômica por que passamos, pois os cortes atingiram áreas prioritárias como Saúde, Educação e Reforma Agrária.  

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano sofreu um corte de 84%; o Ministério do Esporte e Turismo sofreu um corte de 75,95%; o Ministério dos Transportes sofreu um corte de 51,08% e o Ministério da Integração Regional, 68,23%.  

Isso, certamente, decorre das peculiaridades de nosso processo orçamentário que, muito problemático, é dominado pelo Poder Executivo, cuja hegemonia é assegurada pelo caráter autorizativo da nossa Lei Orçamentária.  

Apesar dos avanços ocorridos no processo democrático brasileiro, nas últimas décadas, podemos afirmar que a democracia ainda não penetrou realmente na elaboração do Orçamento brasileiro.  

Não estamos muito distantes do período autoritário, em termo de elaboração e execução do Orçamento da União, pois, na realidade, o Poder Executivo continua a deter o monopólio de fixar a receita e a despesa pública, executar ou não o Orçamento, alocar recursos sem consultar a sociedade, eleger projetos e programas, determinar prioridades e determinar o que deve e o que não deve ser pago, se, como, quanto e quando . 

A questão orçamentária, internacionalmente, é matéria da mais alta importância, origem e razão de ser do próprio Parlamento, como instituição democrática.  

No Brasil, no entanto, essa questão tem sido tratada de modo secundário, tanto por nossa tradição histórica de autoritarismo como, conseqüentemente, pela pouca participação popular nas decisões mais relevantes do País.  

No Brasil, o orçamento desconhece a sociedade e a sociedade desconhece o Orçamento : é nossa triste realidade, constatada pela existência de um grande fosso entre aspirações sociais e a realidade que deveria se materializar por meio de projetos e ações previstos no orçamento.  

O orçamento da União representa verdadeira caixa-preta para a sociedade brasileira e é um dos fatores que contribuem para o descrédito do Congresso Nacional, dos políticos brasileiros, dos Poderes da República e das instituições democráticas.  

O Brasil aplica mal os recursos públicos, existem graves desvios na execução orçamentária: as recentes Comissões Parlamentares de Inquérito comprovaram a extrema gravidade dessa situação para o País, para os Poderes da República e para as instituições democráticas.  

A grande maioria das demandas sociais não são atendidas, os recursos orçamentários destinados a financiar políticas sociais são insuficientes e muitas vezes desviados de suas verdadeiras finalidades.  

O superfaturamento de despesas públicas é um dos males existentes em quase todo o País, que passou a ser o paraíso da fraude e dos sonegadores: o chamado caixa-dois das empresas tem se generalizado, a sonegação fiscal é quase cem por cento da arrecadação tributária e as despesas de juros levam a maior parte dos recursos orçamentários.  

Esse diagnóstico resumido da questão orçamentária brasileira demonstra claramente a necessidade urgente de mudarmos o processo de elaboração e execução do orçamento no Brasil.  

O Orçamento Público é um instrumento econômico que pode contribuir decisivamente para reduzir as desigualdades regionais e para melhorar a distribuição de renda entre as pessoas, melhorar os programas de saúde, educação, moradia, saneamento básico e de atendimento a idosos, crianças e adolescentes.  

A votação do Orçamento Público não é apenas a mais importante tarefa do Parlamento: é também o instrumento mais adequado para o atendimento das demandas sociais, assegurando melhores condições de vida para o povo brasileiro.  

A Agência Estado publicou a seguinte matéria, no dia 11 de maio último: "O Ministro do Orçamento, Planejamento e Gestão, Martus Tavares, disse hoje que o Governo realizará cortes no Orçamento deste ano para garantir a geração do superávit de 29 bilhões, como estabelece o acordo com o FMI".  

Estamos quase no fim do primeiro semestre do ano 2000 e somente agora o Orçamento da União se encaminha para sua execução normal, se é que assim podemos denominar um processo com tão grande atraso em sua aprovação.  

Repartições públicas estão com suas contas em atraso, programas de saúde estão sendo prejudicados e a Administração Pública encontra-se impossibilitada de funcionar normalmente, o que cria sérias dificuldades para pessoas, empresas e entidades que têm contratos com a União e, naturalmente, dependem da liberação de recursos orçamentários para o desenvolvimento normal de suas atividades.  

Muitas pessoas e empresas encontram-se em situação de inadimplência em decorrência da falta de pagamento de compromissos assumidos pelo setor público: há salários atrasados de empregados de empresas prestadoras de serviços ao setor público.  

São muitas as distorções existentes no processo orçamentário brasileiro: mencionar todas elas seria impossível, mas não posso deixar de me referir a algumas situações realmente injustificáveis, incompatíveis com o processo político e democrático.  

Senadores, Deputados, Governadores e Prefeitos são constantemente obrigados a pedir audiências às autoridades da área econômica para tentarem conseguir a liberação de verbas para suas respectivas regiões.  

Isso não significa apenas grande perda de tempo, subversão de hierarquia e quebra de valores democráticos, pois os Congressistas, como legítimos representantes do povo brasileiro, foram eleitos para deliberar sobre as grandes questões nacionais, e não para atuar como despachantes junto a repartições públicas federais, por mais elevado que seja o nível hierárquico dessas repartições.  

O Orçamento, com lei autorizativa, representa uma grave distorção no processo político, por minar as bases do equilíbrio entre os Poderes, permitir a existência de barganha nas relações do Executivo com os demais Poderes e representar, em última análise, um cheque em branco , para o Executivo determinar o que bem lhe aprouver, para atender a seus interesses legítimos ou não.  

Já existe no Congresso Nacional proposta de eliminação do caráter autorizativo da lei orçamentária (o eminente Senador José Alencar é autor da proposta nesse sentido), o que, se aprovada, certamente contribuiria para dar maior transparência às finanças públicas e evitar a utilização de barganha do Poder Executivo em relação às votações de interesse do Governo.  

Um orçamento mais transparente e democrático reduziria muito a possibilidade de alocação de recursos para obras eternamente inacabadas, projetos com alto risco de corrupção e desvio de recursos públicos.  

Nos últimos dias de 1999, os ministérios empenharam recursos orçamentários quase no mesmo valor dos onze meses anteriores, distorcendo completamente o processo administrativo, tumultuando a administração das finanças públicas e quebrando a noção de prioridade na despesa governamental, com possibilidades de emissão de empenhos com data anterior, para inclusão dos valores em restos a pagar . 

Apesar de a Constituição Federal estabelecer no art. 3º a redução das desigualdades regionais como objetivo fundamental da República, o Orçamento da União ainda não incorporou tal diretiva, pois o plano plurianual e a proposta orçamentária devem ser regionalizados nas diretrizes, objetivos e metas, a fim de que o gasto público contribua para reverter a tendência secular de aprofundamento das desigualdades regionais no Brasil.  

A metodologia de elaboração orçamentária adotada pelo Governo Federal desrespeita esse princípio constitucional, utilizando o artifício de englobar na categoria "nacional" a grande maioria dos gastos previstos por região geográfica.  

Para termos uma idéia de como tal metodologia pode contribuir para agravar os desequilíbrios espaciais e sociais hoje existentes no Brasil, basta verificarmos que 96,76% do orçamento fiscal e da seguridade, para o exercício de 2000, está classificado nessa categoria.  

Assistimos a um aumento da distância que separa as regiões Norte e Nordeste das regiões mais ricas do Brasil.  

A reversão dessa tendência perversa somente poderia ocorrer com ações governamentais, com investimentos elevados em áreas prioritárias, e sem descontinuidade.  

O Orçamento, como poderoso instrumento de correção dessas desigualdades, não está sendo utilizado para esse fim.  

Ao contrário, em relação às empresas estatais, os investimentos continuarão a agravar as desigualdades, pois 47% desses recursos estão classificados como nacionais

Os demais investimentos das empresas estatais confirmam a tendência de concentração nas regiões mais ricas, pois para a região Norte são destinados apenas 5% desses recursos, assim como 13% para o Nordeste e 21% para a região Sudeste, o que confirma a falta de vontade política para cumprir um imperativo constitucional, moral e econômico, que termina por classificar os brasileiros em primeira e segunda categorias.  

O Brasil só consolidará seu processo democrático quando conseguirmos colocar o Orçamento a serviço da democracia, abandonando os métodos e processos utilizados no período do autoritarismo.  

Essa perigosa concentração de poder político e econômico nas mãos do Executivo, que exerce, de fato, o monopólio na elaboração e na execução orçamentária, não apenas quebra a independência e harmonia entre os Poderes – pois seria demasiado imaginar a aplicação da teoria da equipotência entre os Poderes, tão defendida por políticos idealistas – prejudica o federalismo fiscal e ainda fomenta relações espúrias entre Executivo e os demais Poderes.  

Precisamos de um Orçamento democrático, em que os direitos do cidadão sejam assegurados também por via orçamentária, dando prioridade à área social.  

Precisamos acabar com essa idéia de um orçamento caixa-preta

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Precisamos dar maior transparência, fidedignidade e legitimidade na elaboração, na alocação de recursos, no estabelecimento de prioridades, nos métodos, processos, na negociação política para fixação das despesas e receitas públicas e que contribua efetivamente para corrigir as desigualdades na distribuição de renda no Brasil.  

Precisamos acabar com essa idéia exótica de orçamento autorizativo, pois a lei orçamentária é uma lei como as demais leis do País e, portanto, deve ser cumprida : não pode ser apenas indicativa, pois não se trata de mera carta de intenções ou um sinal, com as opções de se cumprir ou não se cumprir.  

Precisamos de uma execução orçamentária transparente, pois não podemos admitir a continuidade dessa situação em que a sociedade civil não conhece o Orçamento e o Orçamento não conhece a sociedade civil.  

Precisamos assegurar que os recursos públicos cheguem efetivamente ao destino no tempo certo, no valor correto, sem desvios, sem superfaturamento, com o devido controle, com auditorias técnicas independentes, evitando que projetos importantes aprovados pelo Congresso Nacional não se concretizem por falta de recursos orçamentários.  

O Orçamento deve contribuir para a construção da democracia e a democracia certamente contribuirá para aperfeiçoar o Orçamento e para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro.  

Muito obrigado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2000 - Página 12827