Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSTERNAÇÃO DIANTE DA SITUAÇÃO DE DIFICULDADES DO INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL - IPHAN.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • CONSTERNAÇÃO DIANTE DA SITUAÇÃO DE DIFICULDADES DO INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL - IPHAN.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2000 - Página 13332
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DIFICULDADE, FUNCIONAMENTO, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), ESPECIFICAÇÃO, INFERIORIDADE, NUMERO, FUNCIONARIO PUBLICO, AUSENCIA, REAJUSTE, SALARIO, INSUFICIENCIA, RECURSOS ORÇAMENTARIOS.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL (IPHAN), DESTINAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, MELHORIA, SITUAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, OBJETIVO, CONTINUAÇÃO, TRABALHO, PROTEÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, PAIS.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Declaração do México, documento da UNESCO divulgado em 1982, definiu o patrimônio cultural de um povo como as obras de seus artistas e intelectuais, juntamente com as criações anônimas da alma popular, ritos, crenças, costumes, paisagens e reservas ecológicas.  

Em nosso País, o guardião de um universo tão amplo é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que há 63 anos empreende uma incansável ação cultural em defesa de valores que contribuem para a preservação da identidade nacional.  

Entretanto, Srªs e Srs. Senadores, apesar da nobre missão que desempenha, o IPHAN, como outros órgãos públicos, está passando por enormes dificuldades que atingem, particularmente, o seu quadro de funcionários.  

Permitam-me, portanto, traçar um breve histórico da trajetória dessa notável instituição para que possamos, a seguir, analisar, com maior precisão, a situação de seus servidores.  

A primeira notícia sobre a necessidade de preservação do nosso patrimônio cultural é a carta de 5 de abril de 1742, que o Vice-Rei do Brasil, André de Melo e Castro, Conde de Galveias, escreveu ao Governador de Pernambuco, Freire de Andrade, ordenando que fossem sustadas as obras de transformação do Palácio das Duas Torres, obra de Maurício de Nassau, em quartel para as tropas locais, recomendando sua restauração.  

O século XIX foi tímido em tais preocupações, que só ganharam corpo nas duas primeiras décadas do século XX, principalmente na Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, com ecos junto ao Governo Federal.  

Com o triunfo da Revolução de 30 e o advento do Governo Vargas, o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, decidiu respaldar o movimento que reclamava um plano para conservação e recuperação dos monumentos nacionais, mediante legislação adequada e a criação de um órgão voltado para a defesa da memória histórica e artística do País.  

Capanema pediu ao escritor Mário de Andrade, então Diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, que fizesse um projeto com aquele objetivo. O desafio foi atendido em apenas duas semanas. Mário já integrava um grupo de intelectuais preocupados com o problema, em que militavam Rodrigo Melo Franco de Andrade, Luís Camilo de Oliveira Neto, Lúcio Costa, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Prudente de Morais Neto, Luís Jardim e outros nomes de expressão em nosso meio cultural.  

Uma emenda apresentada ao projeto de reorganização do Ministério da Educação, que transitava pela Câmara dos Deputados, criou, por iniciativa de Capanema, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN. Finalmente, a 30 de novembro de 1937, foi promulgado o Decreto-lei nº 25, que organizava, por meio do SPHAN, a proteção do patrimônio histórico e artístico, órgão que foi a primeira agência oficial da América Latina incumbida daquela importante missão.  

Rodrigo Melo Franco de Andrade ficou à testa do órgão até 1967, tendo o SPHAN se transformado sucessivamente em diretoria, no ano de 1946, e em instituto em 1970.  

Foi uma fase heróica, principalmente na etapa inicial, pois tudo precisava ser feito na área legislativa. Além disso, foi preciso iniciar a formação de pessoal técnico e todo um leque de medidas indispensáveis ao suprimento da missão atribuída ao órgão. Além de socorrer monumentos vítimas do abandono era preciso pesquisar, interpretar e inventariar, assim como recrutar arquitetos, engenheiros, artistas, fotógrafos, pesquisadores e toda uma gama de profissionais.  

Em 1979, foi criada a Fundação Pró-Memória, órgão operacional destinado a prover meios e recursos para a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico – SPHAN, transformada em órgão normativo, ficando a Fundação e a Secretaria sob a direção do artista Aloísio Magalhães até sua prematura morte, em 1982. Aloísio iniciou a integração daqueles dois órgãos a manifestações culturais até então ausentes das preocupações rotineiras, como as da cultura popular.  

A Constituição de 1988 reforçaria esse ponto de vista ao estipular, no art. 216, novas fronteiras para o nosso patrimônio histórico-cultural, nele incluindo os bens imateriais "portadores de referência à identidade, ação e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, especialmente no que diz respeito a ‘formas de expressão’ e ‘modos de criar, fazer e viver’".  

Na prática, entretanto, houve dificuldade para implementar o conceito mais amplo de bem cultural. E a situação se agravaria no Governo Collor que extinguiu os dois órgãos. Para substituí-los, Collor criou o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, autarquia que pura e simplesmente "esqueceu" os cargos de chefia dos museus e escritórios técnicos, gerando uma grande crise que abalou seriamente o futuro da instituição. A perda de pessoal experimentado e especializado exigiu muito engenho, arte e sacrifício do quadro sobrevivente para evitar maiores prejuízos à cultura e à memória nacionais. Para se ter uma idéia da sangria sofrida pela instituição, basta dizer que cerca de 400 servidores deixaram o órgão naquela ocasião. E nenhum deles era marajá.  

Atualmente, o IPHAN conta com 1.200 profissionais para proteger e fiscalizar 41 museus e 1 espaço cultural, 920 bens tombados, incluindo 41 conjuntos históricos urbanos, totalizando 16 mil edificações e até cidades inteiras como Brasília, Ouro Preto, Paraty, Olinda e Diamantina – consideradas "Patrimônio da Humanidade" pela UNESCO – ou centros históricos ainda preservados como Salvador, Petrópolis, São Luiz, Tiradentes. Também é responsável pela fiscalização e preservação de 20 mil sítios arqueológicos, 3 parques florestais, 31 bibliotecas, 35 arquivos e mais de 1 milhão de peças em acervos.  

Para dar conta de tais responsabilidades o IPHAN enfrenta, como outros órgãos públicos, um desafio permanente no que diz respeito aos recursos orça-mentários e humanos. Apesar de ter conseguido, em 1996, verbas do Ministério da Educação para vários projetos, o IPHAN tem sobrevivido graças às parcerias com empresas privadas e a uma linha de crédito aberta pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, destinada à restauração e preservação de sítios urbanos.  

Se a aliança com investidores privados está permitindo ao IPHAN aumentar consideravelmente seu raio de ação, não se pode esperar que o Estado transfira a esse setor a responsabilidade pela preservação do patrimônio cultural, que incorpora a memória nacional e sustenta a identidade brasileira.  

A situação não é menos preocupante no que se refere aos recursos humanos, uma vez que seus funcionários estão enfrentando sérias dificuldades, como todos os servidores públicos, pela política de desvalorização que vem sendo aplicada pelo atual Governo.  

Hoje, o IPHAN vive um quadro desalentador. Profissionais qualificados, com cursos de especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado e anos de experiência não conseguem sobreviver e sustentar suas famílias com salários em torno de R$ 1.000,00(mil reais).  

É preciso que sejam tomadas medidas urgentes, capazes de recuperar a auto-estima e a dignidade de profissionais que lidam diretamente com uma das questões mais estratégicas para a consolidação de uma nação: sua identidade cultural.  

Como se tentou mostrar, Srªs e Srs. Senadores, não se trata, aqui, tão somente de defender os direitos trabalhistas de uma categoria profissional injustiçada. Trata-se, na verdade, das vinculações entre o patrimônio histórico-cultural, as comunidades e a cidadania.  

A questão da cidadania, a nosso ver, insere-se no contexto da memória social e do patrimônio cultural, pois é por meio dessa memória, da vivência de suas manifestações eruditas e populares e do reconhecimento dos símbolos representativos do patrimônio histórico e artístico que se pode adquirir a consciência de uma identidade cultural, pressuposto indispensável ao exercício da cidadania.  

Por isso mesmo, Srªs e Srs. Senadores, uma atitude indiferente em relação à preservação do patrimônio cultural não se coaduna com o exercício pleno da cidadania.  

Como também não se sustentam mais as atitudes ostentatórias, apartadas de um verdadeiro projeto cultural para a Nação brasileira. É o caso, Srªs e Srs. Senadores, da recente exposição promovida pelo Governo brasileiro em Hannover, na Alemanha, ao custo de 14 milhões de reais, destinados a uma iniciativa de caráter efêmero, de retorno duvidoso e incerto. Penso que essa verba teria melhor destino se tivesse sido dirigida para a valorização e o desenvolvimento dos recursos humanos envolvidos no esforço constante de fiscalizar, divulgar e promover a cultura brasileira.  

Muito obrigado pela atenção.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2000 - Página 13332