Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA APROVAÇÃO DE PROJETOS DE LEI QUE TRAMITAM NO CONGRESSO NACIONAL ESTABELECENDO A PROIBIÇÃO DA PUBLICIDADE DO FUMO E DAS BEBIDAS ALCOOLICAS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DEFESA DA APROVAÇÃO DE PROJETOS DE LEI QUE TRAMITAM NO CONGRESSO NACIONAL ESTABELECENDO A PROIBIÇÃO DA PUBLICIDADE DO FUMO E DAS BEBIDAS ALCOOLICAS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/2000 - Página 13290
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • DEFESA, SIMULTANEIDADE, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, CONGRESSO NACIONAL, PROIBIÇÃO, PUBLICIDADE, FUMO, BEBIDA ALCOOLICA, OBJETO, PROPOSTA, ANDAMENTO, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), RELATOR, HELOISA HELENA, SENADOR, MOTIVO, IGUALDADE, EFEITO, DANOS, SAUDE.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, ESTATISTICA, PESQUISA, HOSPITAL DAS CLINICAS, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEMONSTRAÇÃO, AUMENTO, DEPENDENCIA, ALCOOL, PAIS, FATOR, INTERNAMENTO, ESTABELECIMENTO PSIQUIATRICO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, TRATAMENTO, PROBLEMA, EFEITO, ALCOOLISMO, COMPARAÇÃO, RECEITA, MOVIMENTAÇÃO, NATUREZA FINANCEIRA, EMPRESA DE BEBIDAS, DEFINIÇÃO, DOENÇA, RESULTADO, UTILIZAÇÃO, BEBIDA ALCOOLICA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está em evolução um grande debate nacional em relação à proibição da propaganda de cigarro.

É bem verdade que existe um grande debate internacional sobre o assunto. Diversos países do mundo têm considerado o fumo um grave problema de saúde pública. O Brasil não poderia tratar o assunto de maneira diferente. Reconhece-se nas estatísticas brasileiras que os custos diretos do Ministério da Saúde são de mais de R$80 milhões na recuperação e tratamento das vítimas da utilização prolongada do cigarro e seus agravos à saúde.

Há um debate, paralelo ao da proibição da propaganda de cigarro, que diz respeito ao alcoolismo e à propaganda do álcool. O debate tem ficado circunscrito às academias médicas, às escolas de Medicina, aos grupos de trabalho especializados no alcoolismo, aos grupos dos Alcoólicos Anônimos, a grupos de voluntários que entendem ser o alcoolismo uma doença tão ou mais grave que o uso do cigarro.

Não tenho dúvidas de que esse assunto envolve uma série de interesses, pressões sociais, pressões políticas e pressões de grupos econômicos. E tem havido pequenos avanços no combate ao alcoolismo enquanto doença que atinge o País de maneira assustadora. Em relação ao cigarro, os avanços são mais rápidos. A pergunta que tem ocorrido, por parte da representação de setores da sociedade, especialmente das áreas de saúde pública, é: por que existe tanta pressão contra o cigarro e tão tímida pressão contra a utilização do álcool, que sabemos ser um agravo à saúde individual e coletiva muito maior?

Fiz um levantamento de estudos que abordam a expectativa em relação aos agravos do cigarro e do álcool mais precisamente. Está no momento de o Ministério da Saúde testemunhar um grande debate sobre a proibição do cigarro e do fumo. Há um projeto de lei em andamento, na Comissão de Assuntos Sociais - cuja Relatora é a Senadora Heloisa Helena -, que dispõe que esses projetos têm de andar em conjunto, por um só caminho só, porque os dois males têm a mesma gravidade, a mesma conseqüência e o mesmo agravo á saúde humana.

            A Senadora Heloisa Helena já teve a oportunidade de trazer o debate ao plenário da Casa, fazendo ampla análise epidemiológica das conseqüências e da gravidade que tem o álcool em nosso País.

            Apresentarei algumas estatísticas, para que possamos refletir sobre a importância de abordarmos esses assuntos de maneira muito mais profunda, mais séria e mais reunida. Uma comissão deve encaminhar para as devidas instâncias os assuntos - já que é votação terminativa - de forma a que não estejamos agravando um problema de saúde e beneficiando outro.

            Os números são de pesquisa elaborada por um grupo de especialistas: o Grupo Interdisciplinar de Estudos do Álcool e Drogas - GREA, e do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Eis os números das pesquisa:

-     Consumo diário de cerveja: 35 milhões de garrafas.

-     Consumo anual de leite por brasileiro: 20 litros.

-     Consumo anual cerveja per capta: 35 litros.

            Consome-me mais cerveja do que leite neste País, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            O alcoolismo é responsável por 80% das internações psiquiátricas. No nosso País há mais de dois milhões de postos de vendas de bebidas alcoólicas; 85% dos jovens reconhecem o álcool como droga; 22% dos pais são indiferentes ao fato de os filhos beberem; as fábricas de bebida investem R$4 bilhões em publicidade, enquanto o Brasil gasta, todos os anos, R$61,2 bilhões com problemas decorrentes do consumo de álcool.

A pesquisa aponta que o alcoolismo afeta 15% da população brasileira, sendo que, em média, nos outros países 12% a 13% das população são dependentes do álcool.

O mesmo estudo mostra ainda que o Brasil gasta 7% do PIB com os problemas decorrentes do alcoolismo, ao passo que todo o investimento, toda a receita de movimentação financeira que geram as empresas fabricantes de bebidas alcóolicas chega a 3,5% do nosso PIB. Repito: e os gastos com as conseqüências atingem 7% do PIB.

Esses dados demonstram o grau de responsabilidade que temos com o tratamento desse problema e a exata dimensão da gravidade que o assunto tem para as famílias brasileiras.

Apresento as conseqüências médicas da utilização de bebidas alcoólicas em maior quantidade em 15% da população brasileira.

Distúrbios decorrentes da utilização do álcool no sistema e órgãos da nutrição: deficiências de folato, tiamina, piridoxina, niacina, riboflavina, magnésio, zinco e cálcio.

Quanto aos aspectos metabólicos em relação aos eletrólitos: hipoglicemia, hiperlipidemia, hiperuricemia, cetoacidose, hipomagnesemia, hipofosfatemia - todos agravos diretos à saúde humana em 15% da população brasileira, pela utilização indevida do álcool.

Em relação ao cérebro, há encefalopatia hepática, Síndrome de Wernicke-Korsakoff, atrofia cerebral, ambliopia, mielinólise pontina cerebral e Doença de Machiafava-Bignami.

No que tange ao sistema nervoso periférico, existem a neuropatia e a miopatia.

Distúrbios do fígado do indivíduo que utiliza o álcool - como fazem 15% da população brasileira: esteatose hepática, hepatite, cirrose e câncer de fígado.

Coração: hipertensão arterial, miocardiopatias diversas - as chamadas insuficiências cardíacas - e as arritmias.

Em relação ao sistema hematológico, ou seja, ao sangue da pessoa, existem a anemia, a leucopenia, a trombocitopenia e as macrocitoses, com anemia megaloblástica e outras manifestações hematológicas.

Quanto à função intestinal, há as esofagites, as gastrites e as pancreatites, sendo essas temíveis doenças que afetam o cidadão brasileiro que utiliza o álcool de maneira crônica, fato que constitui um grande temor para a Medicina contemporânea, pois o pâncreas é um dos órgãos mais delicados de serem tratados.

No que tange aos demais componentes do sistema endócrino, há a Pseudo-síndrome de Cushing, a atrofia testicular e a amenorréia.

No que diz respeito aos ossos, existem a osteopenia, que é um agravo muito importante.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não vejo como podem ficar dúvidas quanto à gravidade dos danos decorrentes da utilização do álcool quando observamos os sintomas diretos sem agravos mais tardios, como foi citado anteriormente.

Verificaremos dois tipos de indivíduos que fazem uso do álcool: os chamados etilistas esporádicos e os etilistas crônicos. Ou seja, aqueles que têm um nível sangüíneo de etanol de 50 a 100mg/dl e que são os chamados mais leves. Em média, um indivíduo que está bebendo socialmente, de maneira mais acelerada, consome de 10 a 15mg/dl de álcool por hora, o que tem um efeito cumulativo e passa um tempo muito maior para ser eliminado pelo organismo humano.

Os etilistas chamados esporádicos são aqueles em que há manifestações dos chamados sinais ou sintomas de interesse à saúde pública. Em um primeiro momento surgem a euforia, a incoordenação, a fala conturbada, ataxia, humor lábil, sonolência, náusea, letargia, combatividade, estupor, fala incoerente, vômitos, estado de coma para aqueles que utilizam mais de 500mg/dl de álcool, depressão respiratória e podendo sobrevir a morte para esses indivíduos.

Para os etilistas crônicos são os seguintes sintomas: efeito mínimo ou nenhum efeito quando bebem pequenas quantidades e, na forma de sonolência, a letargia, estupor e coma, não raro, com mais de 500mg/dl em pacientes que são chamados popularmente de “pés inchados” que vemos nas esquinas, nos pequenos comércios, nos pequenos corredores da pobreza neste País.

O não tratamento do alcoolismo como uma droga, a distinção de uma propaganda tão forte envolvendo pessoas de grande vigor físico, de grande interesse estético dentro dos meios de comunicação, têm criado uma rotina de atração muito violenta a partir de 12 anos de idade ao público alvo, neste País. E nós observamos que, até os 25 anos de idade, mais da metade da população de jovens, deste País, já tem acesso ou usa o álcool de maneira esporádica.

Penso que estamos tratando de um assunto extremamente delicado. Não é justo que se possa distinguir o fumo como um grave problema, individualizado, e ao mesmo tempo dizer que o álcool não tem a mesma ou maior gravidade. Não tenho dúvida de que uma doença que faz este País gastar R$61,5 bilhões todos os anos, através dos agravos diretos e indiretos -- como deve ser considerado o acidente de carro, em que o álcool é responsável pela metade das mortes desse tipo de acidente --, é o alcoolismo o maior problema de saúde pública do Brasil, pois é o que mais gastos traz aos cofres públicos, às instituições públicas que têm políticas de manutenção social, onerando em torno de 7% do PIB. Enquanto isso, todo o investimento com propaganda é da ordem de R$4 bilhões, mas os gastos com o pagamento de funcionários, com investimento de compra de matéria-prima para a produção de bebidas alcoólicas, não chegam a 3,5% do PIB.

Não tenho dúvida de que estamos com um problema gravíssimo. A primeira causa de internações psiquiátricas tem como antecedente o alcoolismo, como o grande indutor dos distúrbios neuropsiquiátricos, que chega a 80% das internações psiquiátricas neste País. Portanto, não podemos tratar com a indiferença com que até agora temos tratado o alcoolismo.

Quero, através deste pronunciamento, hipotecar o mais absoluto respeito à condução da relatoria da Senadora Heloisa Helena na Comissão de Assuntos Sociais. Penso que o Senado Federal tem uma responsabilidade enorme, e é preciso fazer política com ousadia, com o passo necessário no momento necessário. Se nos prendermos somente à defesa da proibição da propaganda do cigarro, estaremos cometendo uma injustiça com 15% da população brasileira, que merece o mesmo tratamento. A gravidade da doença alcoolismo, neste País, é muito mais elevada, em termos quantitativos, do que as conseqüências dos agravos pelo fumo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/2000 - Página 13290