Pronunciamento de Geraldo Melo em 16/06/2000
Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
POSICIONAMENTO CONTRARIO AO PROJETO DE LEI QUE PROIBE A VENDA E O PORTE DE ARMAS NO PAIS.
- Autor
- Geraldo Melo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RN)
- Nome completo: Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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SEGURANÇA PUBLICA.:
- POSICIONAMENTO CONTRARIO AO PROJETO DE LEI QUE PROIBE A VENDA E O PORTE DE ARMAS NO PAIS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/06/2000 - Página 13213
- Assunto
- Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
- Indexação
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- COMENTARIO, GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, DEBATE, PROJETO DE LEI, DESARMAMENTO, SOCIEDADE CIVIL, OPOSIÇÃO, ORADOR, MOTIVO, INEFICACIA, ESTADO, GARANTIA, SEGURANÇA PUBLICA.
- GRAVIDADE, CONTRABANDO, ARMA DE FOGO, BRASIL, IMPOSSIBILIDADE, ESTADO, DESARMAMENTO, CRIMINOSO, MEMBROS, CRIME ORGANIZADO, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, ATUALIDADE.
- ANALISE, SITUAÇÃO, GUERRA, COMOÇÃO INTERNA, FALENCIA, ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, COLOMBIA, ANGOLA, APREENSÃO, POSSIBILIDADE, CONEXÃO, BRASIL, CRIME ORGANIZADO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
- OPOSIÇÃO, PROPOSTA, DESVIO, FUNÇÃO, FORÇAS ARMADAS, ATUAÇÃO, SEGURANÇA PUBLICA.
- DEFESA, PARTICIPAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, DEBATE, DEFESA NACIONAL, SEGURANÇA NACIONAL, EXPECTATIVA, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA, SEGURANÇA PUBLICA.
O SR. GERALDO MELO
(PSDB – RN. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiro quero agradecer aos Senadores Eduardo Suplicy e Pedro Simon. Como sou um homem caracteristicamente prolixo, receio não ser capaz de fazer o meu discurso em vinte minutos. Em virtude desse receio, agradeço aos dois, que abriram, pelo menos para a sessão de hoje, um precedente que espero que a Mesa também estenda a mim, se for necessário; mas farei o possível para que não o seja.
Sr. Presidente, há muito tempo que eu desejava participar de uma discussão que toma conta, praticamente, de todos os lares do País, fruto do desconforto, não, do pânico que, de certa forma, tomou conta da população brasileira, em virtude do clima geral de insegurança que envolve a nossa vida nos tempos atuais.
Até estimaria que o Senador Renan Calheiros me distinguisse com a honra de sua atenção porquanto, mesmo que não desejasse, parte do tema do meu discurso tem a ver com um projeto que S. Exª tão entusiasticamente vem defendendo.
A insegurança, a violência, as cenas de brutalidade explícita apresentadas à sociedade pela televisão, a comoção de todos os dias, associada a um cenário de desrespeito e de agressão à autoridade, em que, de certa forma, parece-me que o simples fato de ser autoridade, não importa quem seja ela, não importa qual seja a sua posição, qual seja o seu desempenho, o simples fato de ser autoridade já justifica uma postura de hostilidade com relação a ela, tudo isso me parece que vem sendo discutido, mas requer uma visão um pouco mais ampla do que essa visão pontual, setorializada, a que assistimos nessa análise que vem sendo feita. Gostaria que esta minha intervenção nos trabalhos de hoje pudesse ser recebida como uma simples contribuição a essa tentativa de ampliar o debate. Essa contribuição eu procurei iniciar há poucos dias, quando o Senador Antonio Carlos Magalhães proferiu o seu tão importante discurso, sugerindo a presença das Forças Armadas à frente do processo de combate à violência.
Em primeiro lugar, o que vejo é se propor – peço licença aqui ao médico Tião Viana para fazer uma analogia com a sua atividade pessoal –, às vezes, um remédio para dor de cabeça, quando o paciente está tendo um enfarto. Nesse cenário que aí está, se procura lidar com questões como um projeto para desarmar a sociedade. Sou Senador pelo Rio Grande do Norte, Sr. Presidente. Numa cidadezinha chamada São Gonçalo do Amarante, localizada a não mais de 10 km do centro da capital do meu Estado, há uns dois anos, soubemos, com estupor, que, às 8 horas da noite, depois de matar a esposa, um homem saiu da sua casa, atirando em quem encontrou: duas senhoras que estavam na calçada, em cadeiras de balanço, conversando, aproveitando a brisa da noite, e em um cidadão que trocava o pneu do seu carro. Às 11 horas da manhã, do dia seguinte, quando 14 pessoas já haviam morrido, apareceu um carro da polícia nessa cidadezinha. O policial que deveria agir, desce do carro e se dirige ao criminoso, saca o seu revólver carregado com seis balas frias e, como nada pôde fazer, recebeu um tiro na testa. Foi o 15º a morrer. O 16º foi o próprio assassino, que resolveu o problema matando a si mesmo.
Os defensores do projeto de desarmamento podem até dizer: aí está um motivo para se proibir a venda de armas no Brasil. Entendo que não. Como Senador pelo Estado do Rio Grande do Norte, não tenho condições de chegar em São Gonçalo do Amarante e dizer ao povo que todos devem ficar sem as suas armas porque o Estado garantirá a segurança do cidadão. Não me refiro ao Estado do Rio Grande do Norte; não estou querendo, com isso, caracterizar, julgar ou dar opinião sobre o Governo do meu Estado. Não se trata disso. Estou falando sobre o Estado brasileiro em todas as suas hierarquias. Só que, no meu Estado, e provavelmente no de V. Exªs, Senador Tião Viana e Senadora Heloisa Helena, bem como no Estado de cada um dos presentes, ninguém esteja em condições de dizer ao cidadão que vamos desarmar o País e que todos podem dormir sossegados porque o Poder Público vai garantir a segurança dos cidadãos, quando se assiste, em um Estado brasileiro, a 10 km da capital, um drama como esse e a sociedade, perplexa, vê que a polícia só apareceu - talvez porque o pneu do carro estava baixo, porque não tinha gasolina no carro ou o motorista não tinha farda, enfim, por qualquer motivo - 12 horas depois.
Apelo ao meu Partido para, pelo amor de Deus, não fechar questão nessa matéria, porque não tenho condições de votar a favor dela. No dia em que a boa vontade, o espírito público, a idéia generosa de pessoas como o Senador Renan Calheiros, vingar, vamos desarmar os cidadãos, mas não vamos desarmar os bandidos. Vamos proibir a venda de armas nas lojas, mas os bandidos não compram armas nas lojas. Em que loja aquele cidadão que praticou o seqüestro no Rio de Janeiro terá comprado aquele revólver? Em que lugar? Se, aqui nesta Casa, alguém acredita que o Governo será capaz de desarmar os bandidos que têm as suas armas compradas ilegalmente para poder dar garantia ao cidadão já desarmado, eu pergunto: se o Governo tiver essas condições, por que não os desarma hoje? Por que está esperando que se aprove uma lei mandando desarmar, se todos sabem que o porte de metralhadoras e de bazucas já é proibido? Que o uso de armas importadas ilegalmente já é proibido? Por que achar que o Governo vai poder desarmar os bandidos depois de aprovarmos essa lei, se Governo algum tem sido capaz de desarmá-los antes de aprovarmos esta lei?
O que acho – se V. Exªs me permitem – é que essa é uma visão pontual, isolada, setorializada de um problema mais amplo. E, por isso, eu dizia no começo que parece que estamos querendo resolver um problema de infarto com remédio para dor de cabeça.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tradicionalmente, o conceito de guerra no mundo foi entendido, como dizia Rousseau, como um ambiente de anarquia entre Estados; a guerra era sempre vista como uma situação de conflito entre Estados. Tão definitiva parecia ser essa situação e tão consolidado esse conceito que, como costumo dizer, desenvolveu-se uma etiqueta da guerra. A guerra era um processo que começava com hostilidades, com desavenças, cercada de um grande esforço diplomático. Encerrados os esforços diplomáticos, havia a transição para uma situação que legitimava as ações de violência. Que situação era essa? A declaração de guerra.
A guerra se fazia entre soldados, com fardas diferentes, com generais diferentes, com posições diferentes; a guerra tinha as suas normas. O prisioneiro de guerra era protegido pela Convenção de Genebra. Havia exigência de tratamento condigno, decente, humanitário. E isso foi assim desde quando a guerra deixou de ser o simples exercício da força para defender os principados, para ser aquilo que Rousseau chamava de "uma manifestação da anarquia entre Estados". Tratados, negociações, acordos internacionais, quantos se fizeram para estabelecer a disciplina, a etiqueta da guerra.
Após 1945, esse conceito mudou, essa realidade mudou. Há um trecho de um livro que muito me impressionou sobre esse assunto, recentemente, de um canadense que trabalha na Universidade de Cambridge, chamado Kalevi Holsti. O livro chamado The State, War, and The State of War, que ainda não está traduzido no Brasil, diz, entre outras coisas, o seguinte: "É hoje forçoso abandonar a idéia de que a anarquia entre os Estados é a causa das guerras atuais, porque, mais do que isso, é a anarquia dentro dos Estados a causa das guerras de hoje".
Tenho aqui um quadro que extraí deste livro que relaciona os 164 conflitos ocorridos no mundo desde 1945. Desses 164 conflitos, apenas 38 foram conflitos entre Estados. A realidade é que é a anarquia dentro dos Estados a causa, a geratriz dos conflitos na Era moderna.
Na verdade, é necessário verificar qual é o componente do processo que desencadeia esse estado de guerra que Kalevi Holsti chama de "conflito do terceiro tipo". Os "conflitos do terceiro tipo" terminam eclodindo cada um em função da realidade de cada país, mas terminam eclodindo pela associação de forças de desordem, de desestabilização, de desafio ao Estado, que precisam ser suficientes para desencadear uma situação de descontrole.
A capacidade de desafiar o Estado, a capacidade de esterilizar o poder do Estado, quando atingida, é ela quem desencadeia os chamados "conflitos do terceiro tipo".
O Estado pode definir-se, em termos de poder, como uma organização que seja capaz de impor ou defender as suas decisões, tomadas dentro da lei, pela persuasão ou pela força. Quando o Estado perde a capacidade de exercer o governo em todo o território que governa, fazendo valer as suas decisões pela persuasão ou pela força, a partir deste momento, o Estado passa a ser uma ficção.
Dito isso, eu me pergunto: o que ocorre no Brasil de hoje? Os ingredientes necessários para que se possa observar o que estamos assistindo e imaginar que estamos na antevéspera de uma situação que poderia caracterizar-se como de conflito do terceiro tipo estão presentes. Vejam o que ocorre, hoje, no nosso continente: Chiapas, no México, onde não há nenhum país, nenhuma força externa ameaçando o território mexicano; a Colômbia, hoje dividida praticamente com dois governos, dois Estados, com uma guerrilha cobrando impostos, executando os seus inimigos e decapitando, arrancando a cabeça, pendurando-as nos postes para servirem de exemplo, sem que o Estado possa impedir que isso aconteça. Pode-se dizer que o Estado colombiano existe no território dominado pela guerrilha? Não.
Se sairmos do nosso continente e olharmos para a África, basta ver, por exemplo, o que ocorre em Angola, há tanto tempo. Pode-se dizer que ali exista um Estado estabelecido, organizado, para assegurar a lei e a ordem aos cidadãos em troca dos impostos que arrecada?
Mas há nisso um ponto de alerta e de perigo. É que, quando se estabelece um clima de instabilidade dentro dos Estados, não é somente a anarquia do crime organizado, não é somente a instabilidade de organizações como o narcotráfico, que hoje desafia os Estados, tanto quanto os piratas desafiavam os Estados durante séculos. Não é somente isso. É que, dentro dessas sociedades, pode haver, e sempre há, movimentos inspirados em causas sociais que podem ser muito nobres - e às vezes são -, bem nascidos intelectualmente, ideologicamente, politicamente, movimentos com bandeiras inteiramente defensáveis por qualquer um de nós, mas movimentos que, de repente, deixam a sua atividade transbordar o seu objetivo. Ocorreu com a guerrilha da Colômbia - não quero discutir o seu fundamento, a sua origem ou as suas bandeiras - que, a partir do momento em que deixou de se preocupar com os seus objetivos políticos, com as suas teses doutrinárias, com os seus fundamentos sociais e se envolveu com um processo de desafio institucional; quando passou a representar uma proposta de desestruturação do Estado para que ela o substituísse, a partir desse momento transbordou os seus objetivos e envolveu a si própria em uma situação para a qual não há saída.
Inicialmente, esses movimentos necessitam apenas de ouvintes; os ouvintes que se transformem depois, em parte, em militantes. Mas, a partir daí, quando transbordam os objetivos do movimento, eles precisam de apoio; apoio interno, apoio da opinião pública, apoio da mídia, apoio internacional e precisam essencialmente de dinheiro. E aí está a explicação para a aliança da guerrilha colombiana com o narcotráfico; aí está a explicação para o fato de que, em Angola, a divisão dos angolanos em duas tendências ideologicamente opostas foi substituída por uma divisão entre os interesses do petróleo e os interesses do diamante. Aqui estão presentes o crime organizado, o narcotráfico e a violência gratuita; e aqui está presente um movimento bem-nascido para defender uma reivindicação que, atualmente, é de toda a sociedade brasileira, desejosa de ver este Brasil modernizar-se. Um movimento cuja grande proposta é a modernização da estrutura fundiária no Brasil, que é o MST.
Mas quando o MST anuncia que vai apoiar a greve dos funcionários públicos, não enxergo a conexão que possa haver entre greve de funcionário público e reforma agrária. E quando o MST despreza os seus objetivos, esquecendo-se de que quem é assentado precisa mostrar que aquele assentamento valeu a pena à sociedade, envolvendo-se com teses como aquelas que a revista Veja publicou como sendo a síntese de alguns itens da sua cartilha em assuntos que nada têm a ver com reforma agrária, tenho medo que aí esteja algo que prostitua realmente os objetivos e as bandeiras que o MST levantou. Tenho medo que ele passe a ser um desses movimentos bem-nascidos, mas que necessitam, entretanto, de ouvintes; em seguida, de apoio interno; depois, de apoio externo e, mais além, de dinheiro; e que esse seja o caminho para que se repita no Brasil a associação que já ocorreu em tantos lugares do mundo.
Trago esse quadro ao Senado Federal no momento em que se fala sobre a violência com uma simplicidade tão grande!
Como se verifica a violência? Por intermédio de pessoas que utilizam um revólver para matar. Então, vamos proibir as pessoas de terem revólver, e cada um de nós irá para a sua casa com a consciência em paz, achando que fez tudo o que era preciso para acabar com a violência no Brasil. Na verdade, ela é parte de um processo, que, por isso mesmo, precisa ser compreendida de forma muito mais ampliada.
Isso me remete ao ponto final, que, com a complacência do Sr. Presidente e dos Srs. Senadores, eu desejaria tocar. Trata-se da controvérsia suscitada pelo pronunciamento do Senador Antonio Carlos Magalhães, no sentido de que, pelo cenário de violência em que vive o País, o caminho seria colocar as Forças Armadas na rua. Não sei se é essa a proposta de S. Exª. Se for, tenho dúvida de que uma patrulha ineficiente com dois soldados da Polícia que tomem conta do meu quarteirão passe a ser eficiente por ter sido substituída por soldados do Exército.
Portanto, penso que a questão não se limita à patrulha do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para tomar conta da segurança nas ruas, avenidas e estradas deste País. Não. Mas também não acho que tenha sido essa a proposta do Senador Antonio Carlos Magalhães.
De minha parte - e foi isso o que quis demonstrar com tudo o que disse antes –, entendo que estamos a caminho de uma instabilidade capaz de desafiar a autoridade do Estado, pois, como eu disse, se a autoridade do Estado não passa das praças e avenidas da Capital Federal, se o Estado não exerce a sua autoridade em todo o território que governa, o Estado não existe. E se estamos a caminho ou diante da possibilidade de criar uma situação duvidosa quanto à capacidade do Estado brasileiro de fazer valer as sua decisões pela persuasão e pela coerção, então é preciso reconhecer que não há nenhuma ameaça externa em relação à defesa nacional. O que há é uma séria e grave ameaça interna.
Se olharmos o cenário mundial, vamos procurar onde está o inimigo externo do Brasil e não vamos encontrá-lo, a não ser que queiramos nos divertir com brincadeiras de história em quadrinhos. O inimigo externo do Brasil, a ameaça externa, o agressor externo não existe; e nem por isso ninguém aqui pode deixar de reconhecer que existe uma ameaça real ao funcionamento da nossa sociedade.
Quando menciono esse fato, refiro-me àquele direito que tem o cidadão que está em casa - eventualmente alguém que até está nos assistindo - de acordar de manhã e abrir a janela para ver o sol nascer; ouvir os pássaros, sair cantando e assobiando para seu trabalho. Refiro-me ao direito que tem o trabalhador de pegar a sua bicicleta e não imaginar que vão roubá-la na primeira esquina; de o relógio que foi comprado a prestação e que sai no braço do cidadão volte com ele para casa; de a filha ir para a escola à noite, e o cidadão não ter medo de que ela volte estuprada, violentada ou morta; de um casal que queira se amar dentro de um carro em Brasília não ter medo de ser assassinado, como ocorreu na semana passada.
As pessoas devem ter direito à paz, ao trabalho, ao descanso, ao amor, ao sofrimento, à alegria e até à morte em paz. Não podemos viver em uma sociedade em que olhamos nos olhos uns dos outros como se estivéssemos vendo não o irmão, o compatriota, o companheiro, mas o inimigo, aquele potencialmente capaz de transformar uma conversa simpática dentro de um ônibus num seqüestro violento; aquele potencialmente capaz de tocar a campainha do seu apartamento e, em vez de carregar um ramalhete de flores que alguém enviou, carregar uma pistola, uma metralhadora, que tem a finalidade de ser disparada no corpo dos membros de uma família que esteja querendo apenas viver em paz.
Se a sociedade está perdendo o direito de dormir tranqüila, então essa é a verdadeira ameaça com a qual precisamos lidar.
Não é necessário transformar em patrulheiros de rua os soldados do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, mas é necessário, sim, repensar o conceito de defesa nacional. A defesa nacional deve atuar contra tudo aquilo que ameaça realmente a segurança nacional.
É nesse sentido a minha grande convergência com a posição anunciada pelo Senador Antonio Carlos Magalhães, porque, de fato, se repensarmos o conceito de Defesa Nacional, haveremos de reconhecer que o responsável por lidar com esse problema há de ser aquele segmento da nossa sociedade a quem a Constituição designou como tal. Não sou eu, Senador, civil, que posso dizer às Forças Armadas o que devemos fazer. São eles os especialistas em Defesa Nacional. Não acho que devam abandonar a caserna e trocá-la por patrulhas de rua, não, mas acho que a Inteligência das nossas Forças Armadas tem que se debruçar sobre o problema para dizer ao Brasil que as suas estruturas militares não sabem lidar com guerra apenas quando se trata de uma agressão externa e que, se existe a possibilidade de um conflito que ameace a Segurança Nacional dentro do País, elas também sabem lidar com isso.
Quisera eu ver, por exemplo, resolvido o problema da grande desinformação da autoridade a respeito da estrutura do crime no Brasil: quem são realmente os donos, quem são realmente os chefes, quem realmente está por trás disso, quem é o grande assaltante, quem é o grande organizador, quem é o grande receptador dos resultados do roubo e do assalto. E, aí, uma estrutura de informação que tivesse, hoje, a capacidade de localizar bandido, como, no passado, foi demonstrada para descobrir comunista, descobrindo-se, agora, que os comunistas não são os inimigos e que os inimigos são esses que ameaçam a segurança do País realmente, a paz das nossas famílias. Ah! Se toda essa competência fosse jogada a serviço de um grande projeto de restauração da tranqüilidade no Brasil, eu começaria, realmente, a crer que estamos a caminho de uma nova etapa nessa crise que vive o povo brasileiro.
Portanto, saúdo, como palavras finais, a posição que está sendo tomada pelo Governo Federal, que anuncia, para os próximos dias, a apresentação da sua proposta de um programa voltado para a segurança e contra a violência.
Saúdo-o, esperando que ele seja a instrumentação de uma visão mais ampla da questão e não apenas uma proposta cheia de generosidade, de boas intenções e, se me permitem, de alguma ingenuidade de se pretender resolver o problema da violência apenas desarmando os homens de bem e deixando armados aqueles que não conseguimos desarmar nos dias de hoje.
Eram estas as palavras que eu queria dizer.
Peço desculpas à Casa, pois não desejava me alongar tanto. Peço desculpas a V. Exª e agradeço por ter-me permitido concluir o meu discurso.
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