Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS A POSSIVEL UTILIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NO COMBATE A VIOLENCIA.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. FORÇAS ARMADAS.:
  • CRITICAS A POSSIVEL UTILIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NO COMBATE A VIOLENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2000 - Página 13217
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEBATE, VIOLENCIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ORIGEM, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESEMPREGO.
  • CRITICA, PROPOSTA, ATUAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, SEGURANÇA PUBLICA, DEPOIMENTO, EXPERIENCIA, GOVERNO, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, INTERVENÇÃO, EXERCITO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUSENCIA, RESULTADO.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Segurança Nacional é um tema muito importante no Brasil. Sem dúvida, o seu debate está colocado na ordem do dia, pois, por coincidência, assim como o Senador Geraldo Melo, também falarei sobre ele. Infelizmente, violência é o que vivenciamos, hoje, em nosso País.  

A tragédia do dia 12, no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, não encerrou um capítulo da história da violência nas nossas grandes cidades, pois os jornais e as televisões continuam noticiando o assunto. A violência continua à solta e, portanto, é um assunto de extrema gravidade. É preciso que todos nós nos debrucemos sobre a questão. Não sei se com o projeto de proibição da venda de armas ou com a colocação das Forças Armadas nas ruas resolveremos o problema da violência no País. Tudo isso pode ser posto em execução, mas temos muito o que debater. Temos também outras questões fundamentais que até hoje não foram resolvidas, não foram tocadas. Não adianta só atacarmos os efeitos, temos que atacar a causa; do contrário, nunca se vai resolver o problema e vão continuar os assaltos, os seqüestros, os roubos de carros e toda a violência.  

O Rio de Janeiro foi um dos Estados que teve a oportunidade de vivenciar a experiência de tropas federais na rua e farei um relato sobre isso.  

No momento em que a Segurança Pública se transforma em um grande debate nacional, o velho, surrado, simplista e demagógico discurso de se "colocarem as Forças Armadas nas ruas para resolver o problema" volta a ganhar fôlego. Essa argumentação, além de tudo, é oportunista, porque se arvora no sentimento de intranqüilidade da maioria da população, prometendo "soluções rápidas e milagrosas".  

Além desse viés populista, há um elemento muito mais sutil e reacionário, e por isso mesmo mais perigoso, que é a tentativa de se esconderem as verdadeiras causas da violência.  

Num país com uma das maiores concentrações de renda do mundo, o elevado nível de analfabetismo e a taxa recorde de desemprego são elementos que não podem ser secundarizados em qualquer discussão séria sobre tema tão grave. Banalizar essa mazela conduz ao reducionismo de se pretender a pena de morte como grande solução, ou o Exército nas ruas, como panacéia.  

Sobre a pseudo-salvadora proposta de se fazer do Exército uma nova polícia, cabe relatar, nesta tribuna, uma experiência vivida pela população da cidade do Rio de Janeiro, no último trimestre de 1994.  

Usando como justificativas "o crescimento da ação das quadrilhas, o quadro de corrupção na polícia e a incapacidade de o Governo estadual restaurar a autoridade e garantir a tranqüilidade da população", o então Presidente da República Itamar Franco organizou a chamada Operação Rio, intervenção militar que viria a gerar pífios resultados e alterar a rotina dos cidadãos.  

É bom lembrar que, naquele momento, estava próxima a realização do segundo turno das eleições do Estado do Rio de Janeiro, disputado pelo candidato apoiado por Itamar e pelo próprio Fernando Henrique Cardoso, Marcelo Alencar, do PSDB, e o atual Governador Anthony Garotinho, do PDT.  

Sendo a segurança pública uma preocupação constante das populações carioca e fluminense, não é mera especulação avaliar-se que aquela ação puramente pirotécnica tenha servido como sofisticada propaganda para ajudar a eleger o candidato oficial.  

O próprio Presidente Itamar reconheceu o fato quando afirmou: "Já imaginou fazer uma intervenção agora, em pleno período eleitoral? Vão dizer que estamos manipulando".  

Mas com a lógica de que "é melhor derramar sangue de bandidos do que ver correndo sangue de inocentes", verbalizada por um dos principais assessores do Governo, o advogado José de Castro, Itamar Franco mandou os tanques às ruas.  

 

A intervenção militar é proposta simplista porque cria a ilusão de que um grupo de "Rambos" resolve tudo. A ação tem o efeito colateral de dar crédito à fantasia de que basta atacar o foco da criminalidade, supostamente localizado nas favelas. É a consagração da categoria cunhada pelo jornalista e escritor Zuenir Ventura, "cidade partida", aliás título de um belo livro deste autor, narrando o cotidiano da comunidade de Vigário Geral. Favela, como afirma o atual Subsecretário Estadual de Segurança Pública, Coronel Lenine de Freitas, "não pode ser encarada como problema, mas sim integrada à paisagem social". O próprio Coronel nos diz que, hoje, a cidade do Rio conta com mais de 600 favelas, onde reside mais da metade da população.  

 

Voltando à desastrosa intervenção, vamos lembrar as declarações do então Presidente eleito, Fernando Henrique: "As Forças Armadas são treinadas para a guerra. Têm outra maneira de atuar. Seu emprego de violência pode ser maciço. Obviamente não podem substituir um trabalho de polícia".  

Assim que os blindados surgiram na paisagem, principalmente das comunidades carentes cariocas, a revista Veja, em sua edição de 2 de novembro de 1994, fez uma extensa reportagem de capa, cujo título era "A inútil confusão armada".  

Como primeira e efetiva ação, a Operação Rio providenciou a mudança do comandante da operação, General Roberto Câmara Senna, do seu apartamento no bairro de São Conrado, embaixo da favela da Rocinha, para a Fortaleza de São João, na Urca, ao pé de outro morro, o do Pão de Açúcar. Assim, garantia-se a segurança do chefe da missão, mas é bom questionar se cabos e soldados, que vivem em grande parte nas favelas e participaram da intervenção, tiveram as mesmas garantias.  

Sr. Presidente, o único dado significativo da Operação Rio foi uma temporária sensação de segurança, logo interrompida pela realidade. Durante a intervenção, a média de homicídios continuou a mesma, ou seja, 11 mortos por dia. Os roubos e furtos de carros caíram um pouco. Mas enquanto a população acompanhava, pela TV, os soldados "garantido a tranqüilidade do cidadão", criou-se um clima de ilusório sucesso.  

Essa lua-de-mel durou até que a população pudesse ver os soldados revistando as mochilas de estudantes, uniformizados, constrangidos e rendidos, com as mãos para cima, em uma parede, na subida do morro Dona Marta. A cena causou grande repercussão na imprensa internacional, fazendo com que organizações de defesa dos direitos humanos enviassem protestos ao Governo brasileiro.  

Mas as arbitrariedades não pararam por aí. Diversas "incursões" em comunidades carentes levaram a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil – a fazer uma nota de advertência, condenando as violações de direitos sofridas pelas populações mais pobres.  

No final desse triste espetáculo, a cena mais emblemática talvez tenha acontecido em uma principais vias da cidade, a Avenida Presidente Vargas, quando populares vaiaram, a plenos pulmões, um comboio militar da Operação Rio, que, felizmente, já retornava para o quartel.  

Hoje, vemo-nos diante do retorno àquela situação. O simbolismo de paz e romantismo do dia 12 de junho foi quebrado por conta da já tão debatida e noticiada "tragédia do Jardim Botânico". Uma professora que se dedicava ao trabalho de assistência aos menores carentes, num projeto chamado Curumim, na favela da Rocinha, a jovem Geisa Gonçalves, já não está mais entre nós.  

Concordo com o protesto solitário do cartunista e artista plástico Carlos Latuff que, no dia seguinte, foi ao local da morte da professora e fez um desenho de Geisa, onde escreveu: " causa mortis, incompetência".  

Sandro do Nascimento, outro jovem, também se foi. Ele sobreviveu à chacina da Candelária e viveu na rotina do crime.  

Vejam V. Exªs, que, quando me refiro ao combate dos efeitos sem combater as causas, o resultado é este. Sandro Nascimento foi um dos que sobreviveram à chacina da Candelária. Quando houve o assassinato de menores abandonados, Sandro era um deles, mas sobreviveu à morte. Quer dizer, isso reflete a falta de um projeto que venha a contemplar a população carente com condições de vida mais digna, com educação, com emprego, com salário, etc.  

Sandro do Nascimento é um personagem que deve ser analisado não apenas com frases fascistas, tais como: "Infelizmente, sobreviveu à chacina da Candelária" – quer dizer, as pessoas acham isso: se ele tivesse sido morto naquela época, não faria o que fez no Jardim Botânico; essa é a visão fascista de uma parcela da sociedade egoísta, individualista, que vê essa situação dessa forma –, mas como uma história que, infelizmente, se repete todos os dias. Enquanto não enfrentarmos os grandes problemas deste País, como habitação, para resolvermos o problema dos meninos de rua, como Sandro, e enquanto não criarmos uma política de geração de emprego e renda para dar dignidade à maioria do nosso povo, e não investirmos em educação – missão cumprida com paixão e denodo por Geisa –, teremos que continuar debatendo os efeitos sem atacar as causas.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

Era o que tinha a dizer.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2000 - Página 13217