Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSSIVEL PROIBIÇÃO DA VENDA DE ARMAS DE FOGO A CIVIS NO BRASIL

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. :
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A POSSIVEL PROIBIÇÃO DA VENDA DE ARMAS DE FOGO A CIVIS NO BRASIL
Aparteantes
Geraldo Melo, Heloísa Helena, Iris Rezende, Renan Calheiros.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2000 - Página 13240
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, AUMENTO, VIOLENCIA, PAIS, QUESTIONAMENTO, INEFICACIA, PROJETO DE LEI, PROIBIÇÃO, ARMA DE FOGO, SOCIEDADE CIVIL.
  • OPINIÃO, ORADOR, VINCULAÇÃO, VIOLENCIA, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL, COMPARAÇÃO, DADOS, HOMICIDIO, PAIS ESTRANGEIRO, BRASIL.
  • ANALISE, OMISSÃO, GOVERNO, FALTA, RECURSOS, SEGURANÇA PUBLICA, AUSENCIA, COMBATE, CONTRABANDO, ARMA.

            O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho ficado no silêncio do meu anonimato nestas últimas horas ou dias, observando que causas da maior significação, eu diria até de intensa importância, têm sido tratadas com muita força, mas de maneira irracional, emocional. E por que venho hoje à tribuna sem nenhum discurso preparado? Venho motivado pela intervenção do Senador Geraldo Melo, que logo no começo da sessão de hoje tratou do problema da violência, da falta de segurança, das armas de fogo.

            S. Exª, falando sem nenhuma conotação político-ideológica, fazendo uma análise de alto nível do problema, questionava a Casa no seguinte sentido: será que uma lei aprovada pelo Congresso vai cessar a violência, vai impedir que as armas de fogo continuem matando inocentes, ceifando a vida de pessoas que estão indo do seu trabalho para casa? A interrogação pairava no ar com outras análises, sem críticas a governos, atuais ou passados ou aos que provavelmente virão. A pergunta ficou no ar.

Sr. Presidente, tive um irmão brutalmente assassinado aos 27 anos de idade. Convivi com a violência de perto, sei o que ela representa. Mas dizer, como tenho ouvido - não apenas hoje -, que a violência que grassa no País é decorrência da falta de emprego, de moradia e da fome... Esses são componentes da violência. As verdadeiras causas têm suas raízes incrustadas numa profunda injustiça social. É aí que se deve atacar o problema.

Não creio também, Senador Geraldo Melo, que um simples artesão, por mais que seja bem bolado o seu trabalho ao confeccionar uma lei, possa resolver o problema. Poderá, quando muito, minorá-lo ou, quem sabe, reduzi-lo. Devemos é abordar o ponto vital do problema, ou seja, o seu aspecto sociológico. Num quadro de má repartição de riquezas, vemos o Ministro da Justiça anunciar à Nação que precisa de 700 milhões para um programa de combate à violência e, logo a seguir, vemos um porta-voz o desmentir. Quando alguém diz que não se sabe de onde sairá essa verba para que o combate à violência se instaure, não podemos deixar de nos questionar acerca do que, na verdade, está sendo feito com relação a esse problema. Estamos nos escondendo atras do biombo da omissão para não atacar de frente aquilo que toca toda sociedade.

Observe, Sr. Presidente, que temos um grande problema em nosso País. Todos sabemos por onde é que se faz o chamado contrabando de armas. Todos sabemos onde estão os pontos de partida, mas não os pontos de entrega. Os pontos de partida estão nos portos, nos aeroportos, nas fronteiras do País. Por que razão não se ataca ali? Por que é que se permite o escoamento desse contrabando? Qual é o cidadão de bem que porta uma arma de última linha, uma metralhadora ou um fuzil? Onde é que ele o foi comprar? O fato é que esse tipo de arma está nas mãos de todos aqueles que são meliantes, de todos que compõem, realmente, a violência no País. Nesse ponto, lembro o que disse, com razão, o Senador Geraldo Melo: não é o homem de bem que se vê portando uma arma dessa natureza. E, mais: não é em lojas que o bandido vai comprar as armas que usa.

É muito difícil, Sr. Presidente, situar uma análise no niilismo do “crê ou morre”, posicionar-se a favor ou contra, a favor ou contra o projeto do Senador Renan Calheiros. E as contribuições? Como é que podem ser indicados caminhos e apontadas soluções, Sr. Presidente, ainda que esta Casa queira dar à Nação pelo menos o impulso inicial? E os lobbies? Uns são a favor, outros são contra.

Ficamos imaginando de que forma será possível lá no interior - naquele interior a que se referiu o Senador Geraldo Melo, mas que também é o meu - dizer ao cidadão que ele não pode ter uma arma para enfrentar o criminoso que está à sua volta.

Sr. Presidente, concordo quando se diz que não é portanto uma arma de fogo se vai inibir a violência - têm razão os que defendem isso. Temos um ótimo exemplo na polícia britânica, instituição tradicional na Inglaterra, que porta apenas um cassetete e se impõe por sua presença física, sua moral. Mas veja que lá a injustiça social e a distribuição de riquezas não têm gerado o contigente de miséria que geramos pelas ruas.

E a nossa explosão populacional? Por que não se aborda essa causa? Sr. Presidente, um cidadão chega numa favela e engravida uma mulher, vai para outra favela, vai para uma terceira ou uma quarta favela e dez, doze anos depois temos crianças que não conhecem seu pai. Essas pessoas não tem nenhum compromisso com a sociedade. Aí está a causa, a raiz do problema: não tendo compromisso com a sociedade, ele não pode ser um homem de bem; não sendo homem de bem, é um marginal; indo para a marginalidade, o índice de criminalidade aumenta. Como? Como é que se pode tratar um problema dessa natureza em tom nitidamente emocional?

Tive o cuidado, Sr. Presidente, para não ficar no blablablá, de buscar alguns índices de homicídios em outros países. Chamo a atenção de V. Exª, Senador Geraldo Melo, que iniciou esse debate, e a de quem preside a Casa, Senador Djalma, meu colega há mais de trinta anos na Câmara, e que vem acompanhando isso junto comigo ao longo do tempo: temos visto muita gente “fachada de catedral, mas fundo de bordel”, que não quer tomar a si responsabilidade. O que falta neste País é chefia, e não entendo nenhuma liderança que se afirme pela omissão. Por isso, Sr. Presidente, quero dar uma contribuição mostrando esses índices de mortalidade por homicídio.

Na Europa, há 1.5 homicídio a cada 100 mil habitantes; na América Latina, esse índice sobe para 19.8 homicídios a cada 100 mil. No Brasil, já temos, separando do contexto das demais áreas, 24.1. Mas vou me situar nas duas maiores capitais onde a violência hoje ataca: São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, Sr. Presidente, há 66.9 homicídios a cada 100 mil habitantes. Veja o disparate: na Europa, 1.5 homicídio por 100 mil; em São Paulo, 66.9. E no Rio de Janeiro, 59.9 homicídios a cada 100 mil. Saibam que essas duas cidades só estão abaixo de dois países, que, sabemos, são profundamente violentos: Colômbia, que tem 78.0 e Honduras, com 69.0. Afora esses dois países, as nossas duas capitais, para tristeza nossa, estão com os maiores índices.

Vamos aos Estados Unidos da América: 6.1 homicídios a cada 100 mil habitantes. E agora, Sr. Presidente, vem a grande surpresa: a Argentina, país que começou a cercar suas fronteiras - aquilo que eu dizia, os portos e aeroportos -, tem em sua capital, Buenos Aires, um índice de 4.1 homicídios.

Ora, Sr. Presidente, eis aí por que o problema não pode ser tratado de modo emocional. O problema são raízes: essa injustiça social que grassa no nosso País e de forma tão violenta que faz com que convivamos hoje com uma circunstância que é epidêmica.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Concederei em seguida.

A violência no País é uma epidemia e tem que ser tratada e combatida como tal. Não adianta nenhum de nós, brasileiros, quando sairmos de casa, começarmos a indagar se voltaremos com vida. E quando alguém é assaltado, levam-lhe tudo, ainda se chega em casa e se ouve: “Graças a Deus que não perdeu a vida!” Como se fosse possível essa convivência. Essa forma é que precisa ser atacada, Sr. Presidente.

O Sr. Renan Calheiros (PMDB - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - V. Exª há de convir, Senador Geraldo Melo, que não posso deixar de ouvir, com alegria, em primeiro lugar, o aparte do eminente Senador Renan Calheiros, que comigo já passou por uma Pasta cujas dificuldades conhecemos, pois na maioria das vezes somos heróis solitários, uma vez que ficamos sozinhos, sentindo na pele a dificuldade de lidar com aqueles que comandam, que têm o poder, mas não têm a sensibilidade. Logo a seguir, ouvirei V. Exª, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Vou-lhe fazer apenas uma pergunta. V. Exª apresentou os índices: São Paulo com mais de 60 homicídios por 100 mil habitantes e Buenos Aires com quatro. V. Exª poderia me esclarecer se na Argentina é proibida a venda de armas e se a população de Buenos Aires também foi desarmada? É por causa disso que o índice é tão baixo?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Geraldo Melo, penso que a Argentina ataca, como eu dizia, as raízes: as injustiças sociais. E também é evidente e claro que se tivermos as fronteiras, os aeroportos devidamente fiscalizados, essas armas não entrarão. Eminente Senador e Presidente, meu amigo Djalma Bessa, essas armas, esses fuzis AR-5, essas metralhadoras são armas de grande porte, cuja venda é permitida. Todos sabemos que há uma legislação que proíbe a venda dessas armas.

Concedo o aparte ao Senador Renan Calheiros, com muito prazer.

O Sr. Renan Calheiros (PMDB - AL) - Senador Bernardo Cabral, ouso fazer um aparte ao seu discurso...

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - V. Exª não ousa. V. Exª enriquece meu pronunciamento.

O Sr. Renan Calheiros (PMDB - AL) - ...sobretudo para colaborar com este debate que considero fundamental, insubstituível mesmo. Como Relator da matéria, tive oportunidade de sugerir a convocação de uma audiência pública, para que, neste plenário, pudéssemos confrontar todas as posições. Sei que esse assunto divide opiniões, sei que não converge para uma solução comum. A Inglaterra, por exemplo, para mudar a sua legislação sobre armas, demorou quinze anos. Mas o fez. Estamos avançando até rapidamente. E vamos mudar também. O que aprovamos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania foi produto de um grande acordo. Tenho certeza de que um novo acordo será realizado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. O que não pode continuar, Ministro Bernardo, com todo o respeito, é essa situação de impunidade e de violência que vivemos no País. V. Exª citou alguns dados, e eu já os conheço. Eu me permitiria citar outros. Em São Paulo, por exemplo, só 1.7% dos crimes cujos autores não são conhecidos na hora do fato são esclarecidos. É uma situação de impunidade total! No Rio de Janeiro, 90% dos crimes não são esclarecidos. No ano que passou, quarenta e sete mil pessoas foram assassinadas por arma de fogo. Essa já é, Senador Bernardo Cabral, a principal causa mortis de jovens no Rio de Janeiro e em São Paulo, principalmente de 15 a 29 anos de idade. O Brasil tem 2.9% da população do mundo e contribui com 10% dos homicídios. Eu tenho dito, repetido, concordando inteiramente com V. Exª: acabar com a venda de armas, acabar com o uso de armas não vai fazer com que a violência acabe. A violência tem causas estruturais: a exclusão social, o desemprego, o crescimento desordenado das grandes cidades. Não termos no Brasil também um plano nacional de segurança é também uma causa. O Governo não gasta um centavo com a segurança pública dos Estados. Isso é outra causa. O nosso Código Penal é de 1940, está enrugado pelo tempo, não tipifica hoje uma grande quantidade de crimes com os quais a sociedade diariamente se depara. O Governo se omite. Aprovamos aqui um projeto que permite o abate de aeronaves hostis - eu ainda era Ministro da Justiça quando regulamentei esse projeto -, e até hoje o Governo não publicou a regulamentação, por influências externas. O Senador Pedro Simon á autor de um projeto de lei, já aprovado, que permite a melhor identificação das pessoas e, conseqüentemente, melhor investigação no processo criminal, mas até hoje não se regulamentou essa lei. O que não podemos desconhecer, de forma nenhuma, é que 66% dos crimes que no Brasil acontecem por motivos fúteis, pela banalização do uso da arma de fogo. É ali, Ministro Bernardo, numa discussão em um campo de futebol, em um bar, embriagado ou não, ou em casa mesmo, em uma briga de marido e mulher, ou um filho que surpreende uma arma numa gaveta - e, se lá existe um revólver, é por causa da facilidade de se comprar uma arma; a lei do Sinarm lamentavelmente não pegou -, sai com aquele revólver, atira e mata. As pesquisas que realizamos no Ministério demonstram que a arma não resolve, só agrava o problema. E há uma estatística indiscutível com relação a assalto: de cada assalto que acontece no Brasil hoje, cuja vítima armada reage, 96% morre. E por que morre? Porque o cidadão de bem não sabe manejar arma; o bandido sabe muito bem. O cidadão de bem é geralmente surpreendido; o bandido não, ele surpreende. Se o bandido pressentir, ao assaltar um cidadão de bem, que este está armado, ele prefere matar, pois jamais dará as costas para o cidadão, porque teme levar um tiro. Sei que a proibição não resolve a causa do crime, mas com certeza resolve esse crime sem causa que colabora com 66% das estatísticas que envergonham o País. Não podemos separar esses assuntos, pois são convergentes e têm que ser discutidos paralelamente. Não podemos, de forma alguma, desconhecer a omissão do Governo. A Polícia Federal da Argentina, país a que V. Exª se referiu, com atribuição igual, com competência igual à do Brasil, tem 42 mil homens. No Brasil, temos 6 mil homens em atividade.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - E a população brasileira é três vezes maior que a argentina.

O Sr. Renan Calheiros (PMDB - AL) - Quando há uma preocupação do Governo em investir, em considerar a segurança pública prioridade nacional, os nossos burocratas da área econômica dizem que Wall Street quer sangue e desautorizam o Ministro da Justiça que, representando a ansiedade e o medo da sociedade brasileira, tenta desesperadamente elaborar um plano. É importante que façamos essa discussão. Sei que temos, especificamente com relação às armas, pontos de vista diferentes. O Senador Geraldo Melo também fez, há pouco, um brilhante discurso, e é importante confrontarmos nossas posições. Essa situação de violência hoje generalizada, essa epidemia que vivemos no Brasil precisa ter um fim. É preciso que se crie uma política para enfrentá-la. O combate ao crime tem que ser permanente, duradouro, continuado. Quanto à questão das Forças Armadas, é um absurdo o que se está discutindo. No máximo, temos que utilizar as Forças Armadas para guardar nossas fronteiras, e não colocar jovens de 18 ou 19 anos de idade, sem treinamento, na luta contra a violência. O contrabando tem que ser enfrentado. Quando era Ministro da Justiça, deparei-me com um problema terrível, que agravava o custo Brasil e humilhava ainda mais a imagem do País no exterior. Uma grande quantidade de navios de carga que chegavam no Rio de Janeiro e no porto de Santos eram assaltados à luz do dia. As pessoas estavam com medo de transportar cargas, e o País estava humilhado nas suas relações internacionais. Bastou, Senador Bernardo Cabral, que fizéssemos um acordo com a Marinha e colocássemos algumas lanchas - compradas - e um helicóptero no porto do Rio e no porto de Santos, para zerarmos o número de assaltos a navios cargueiros, recompondo a imagem do Brasil definitivamente no exterior. Temos que acabar com as armas e com os crimes sem causa. Repito: 66% dos crimes ocorrem por motivos fúteis; 50% das vítimas se conhecem - alguém que saca uma arma e mata. Tenho absoluta convicção de que, proibindo a venda e o uso das armas, vamos acabar com esses crimes.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Renan Calheiros, ainda há pouco, ouvia V. Exª e me lembrava de que, quando fui Ministro da Justiça - evidentemente, sem o brilho de V. Exª e do Senador Iris Rezende -, tinha um grande auxiliar, o Senador Romeu Tuma. Naquela altura, no que foi possível prestigiar a Polícia Federal nós o fizemos. Havia uma defasagem de mil homens. Calculo que na época de V. Exª já estaria por volta de cinco mil. 

A omissão do atual Governo e provavelmente do próximo Governo - não sei se o problema é conjuntural, mas, para mim, é estrutural - reside em um ponto fundamental: a forma como a segurança pública é encarada. V. Exª, como eu, registrou que não há por parte da tecnoburocracia do Governo o sentimento de que segurança tem que ter um plano de governo. No último PPA aprovado, foi reduzida a verba para a segurança.

Dizia ao Senador Djalma Bessa, que preside nossos trabalhos, que eu iria abordar essa matéria sem qualquer critério emocional. Não é por aí o caminho. No entanto, entendo e volto a repetir que a legislação que proíbe o porte ou a venda de arma é a mesma que baixa por decreto o fim da inflação. Isso é um sonho que não se realizará nunca. É uma ilusão pensar que este País confunda componentes com causas da violência. Tem-se que atacar a problemática da injustiça social que grassa neste País. Considero-me 100% honesto com o dinheiro público, mas não sei se não tenho também os meus erros, os meus desacertos, conforme o índice que o Senador Nabor Júnior apontava, e o Senador Tião Viana o fazia de outro jeito. Todavia, nesta hora, todos temos que estar 100% unidos, porque a violência não alcança apenas o vizinho, podemos ser as próximas vítimas.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, não há como deixar de imaginar a criação de divisões anti-sequestro e de uma elite de tiro. No recente episódio do seqüestro do ônibus no Rio de Janeiro, o seqüestrador pôs o seu rosto várias vezes para fora do veículo. Um atirador de elite poderia tê-lo eliminado ali. O que falta? Comando, comando no País inteiro. Quando o exemplo vem de cima, começa a criar raízes. E essa problemática gera o que estamos vendo.

O Sr. Iris Rezende (PMDB - GO) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Ouço o Senador Íris Rezende, ex-Ministro da Justiça, ex-Governador de Estado, que conhece bem o problema da violência.

O Sr. Iris Rezende (PMDB - GO) - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral, pela concessão do aparte. Senti-me no dever de felicitá-lo por esse oportuno pronunciamento, ainda mais partindo de V. Exª, um grande jurista, uma pessoa extremamente calejada nessa área. V. Exª vem à tribuna dar seqüência a uma discussão que vem de longe nesta Casa e, indiscutivelmente, vai direcionando os poderes neste País a uma preocupação mais acentuada com uma das questões mais graves que temos. Em qualquer parte do Brasil onde se fizer uma pesquisa quanto aos problemas que mais afligem a população, a segurança pública será o item que virá em primeiro lugar.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Sem dúvida.

            O Sr. Iris Rezende (PMDB - GO) - É muito natural que cada pessoa, autoridade ou poder se preocupe com a questão e busque um caminho. No entanto, não podemos acreditar que atitudes ou providências isoladas solucionem a questão da segurança pública no País. V. Exª tem razão: temos que ir mais fundo. A fome, o desemprego, a injustiça social e a liberdade de aquisição de armas nas lojas são um dos componentes das causas da criminalidade? Sim. Todavia, são apenas essas questões? Votar uma lei que proíba a venda e o porte de armas no País vai solucionar o problema da violência? Não, aí é levar na conversa os 160 milhões de habitantes do Brasil. Não adianta proibir venda de armas e não pensar na reforma do Código de Processo Penal, que permite ao advogado do réu procrastinar o quanto bem interessar uma ação criminal. Também não adianta a Justiça condenar réus e réus e não recuperá-los para a volta ao convívio social. Não adianta pensarmos em aprimorar o Código de Processo Penal se não buscarmos a reforma do mesmo. E, nesse sentido, ilustre Senador, há poucos dias fiz um apelo ao Ministro da Justiça, José Gregório. Quando Ministro, nomeamos uma comissão respeitável de juristas de todos os Poderes para a reforma do Código de Processo Penal, de execução penal. O Senador Renan Calheiros, quando assumiu, deu seqüência ao trabalho daquela comissão; o trabalho foi publicado para que, durante seis meses, pudesse receber colaboração de juristas de outros segmentos. S. Exª até prorrogou o prazo. Entretanto, o sucessor do Ministro Renan Calheiros simplesmente afirmou que projeto de reforma do Código de Processo Penal que não tenha participado o jurista X não tem valor. Recolheu tudo, e até hoje a sociedade não tem resposta daquele trabalho que envolveu horas e horas de juristas respeitáveis, que não ganharam um centavo para participar do mesmo. De forma que precisamos entender que ações isoladas não nos levarão a lugar algum. Por isso eu me insurgi. Com todo o respeito que tenho pelo ideal, pelo esforço daqueles que estão lutando pela aprovação de um projeto que proíbe a venda de armas, podem os Poderes constituídos deste País desarmar o homem de bem e deixar com armas os bandidos? O Poder Público não tem o direito de desarmar uma família, enquanto ele, Poder Público, não se mostrar capaz de desarmar os bandidos. Quando Ministro, fizemos uma campanha de desarmamento, com a ajuda dos universitários. Foi um espetáculo na capital de São Paulo, quando aquele rolo compressor passava sobre milhares e milhares de armas que as famílias de bem entregaram ao Governo para que saíssem de circulação. Daquelas milhares de armas, Senador Bernardo Cabal, não tinha uma arma de um bandido, porque nenhum bandido foi devolver a arma. E o Governo não deu conta e não tem dado conta de apreender essas armas. Então, nós temos que pensar em tudo: na justiça social, em banir a fome, em desarmar, em reformar as nossas leis, mas em conjunto, porque providências isoladas é levar na conversa a população do nosso País. Não resume. Agora, já se pensou que um dos componentes do crime é a falta de educação? Quantos analfabetos nós temos por este País afora que, alfabetizados, teriam uma outra compreensão, um outro sentido de vida! Não é só a fome. Nós vivemos uma realidade e não devemos nos omitir. Quantos homicídios ocorrem neste País por ciúmes que o marido tem da mulher, ou o pai da filha, ou o namorado da namorada? Isso não é fome, não é miséria, não é injustiça social - ocorre até nos meios mais elevados. Sr. Presidente, Sr. Senador Bernardo Cabral, nós temos que ser realistas: temos que cuidar também da educação. O primeiro crime que a Bíblia registra - e começava ali a história da humanidade - foi de Caim, que matou Abel. O problema era uma questão de justiça social? Era questão de fome e desemprego? Era questão de arma? Não, era disputa de poder, era inveja; inveja porque o irmão era mais bem quisto, mais apreciado pelo pai. Enfim, muitas são as causas da violência. Não adianta fazer tudo aquilo que mencionei neste aparte - o qual generosamente V. Exª me concedeu - se não conseguirmos educar a população. Não me refiro apenas à educação que é ministrada na sala de aula, mas também à educação religiosa. Pergunto: os padres, os pastores, os presidentes de centros espíritas são devidamente prestigiados pelos poderes constituídos nessa luta pela mudança da formação moral da nossa população? Não. Muitas vezes, são tratados como párias. Há poucos dias, assisti a uma autoridade deste País condenar um segmento religioso porque recebeu 360 mil para a realização de um culto em comemoração aos 500 anos do Brasil - e a realização do culto não foi de sua iniciativa; solicitaram-lhe que o fizesse. Quer dizer, hoje, cada sermão na igreja, proferido pelo padre, pelo pastor, cada sessão de um presidente de centro espírita está levando uma educação religiosa que reflete na vida da humanidade. De forma que essa questão envolve todos os aspectos. Temos que pensar em tudo, para que não fiquemos aqui a lutar sem resultados satisfatórios, porque aprovar a lei, simplesmente, V. Exª não tenha dúvidas, não adiantará. Será mais uma lei a não ser respeitada neste País.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Iris Rezende, V. Exª falou no sermão da igreja, quando os evangélicos, os padres, os pastores, utilizam-no. Devo dizer que considero a bancada onde V. Exª faz o aparte e esta tribuna na qual uso a palavra o púlpito da democracia. É o nosso sermão; é o sermão que podemos prestar à sociedade, fiscalizando-a. Aqui ecoam os seus clamores. Senador, não quero ir ao preceito bíblico, o qual V. Exª lembra que se deu, àquela altura, o homicídio pelo poder, hoje não é mais. Atualmente tem outras características, os que vemos a toda hora na rua ocorrem por aquelas causas que eu apontei: as raízes encrustadas e o chamado narcotráfico. Não tenha dúvida de que muitos desses homicidas estão completamente transtornados pelo uso do crack, da heroína, seja lá do que for.

Vou lhe dar um exemplo, porque daqui, lamentavelmente, sou o único ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Na nossa instituição, os presidentes que entram geralmente conversam com os seus antecessores. Tantas vezes nos reunimos para que cada um contribua com a sua experiência a fim de que a missão do colega que chega seja mais fácil. Pergunto a V. Exª e ao Senador Renan Calheiros se, alguma vez, como ex-Ministros da Justiça, foram chamados pelo Governo para operar sobre o problema de segurança. Claro que não; eu mesmo respondo, porque também eu e tantos outros nunca fomos. Perguntava outro dia ao Senador Romeu Tuma, especialista em segurança pública, se, às vezes em que o Governo tem falado no novo plano, S. Exª é convocado para participar. S. Exª respondeu-me que não. Ora, se tem que haver uma ação conjunta, é evidente que V. Exª tem razão, senão vamos cair apenas...

O Sr. Iris Rezende (PMDB - GO) - Interrompo V. Exª apenas para dizer que, quando Ministro da Justiça, louvei-me muito nos conselhos de V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - É que V. Exª era amável e perguntava-me. E devo dizer que, dentro da minha contribuição - faço, aliás, o mesmo registro em relação ao Senador Renan Calheiros -, já me ouviam não mais como ex-Ministro, mas como colega mais velho, o que é sempre uma garantia para quem já tem um pouco mais de idade.

Sr. Presidente, vendo a concordância do eminente Senador Iris Rezende, peço permissão a V. Exª para fechar com chave de ouro este pobre discurso, ouvindo a Senadora Heloisa Helena.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Apelo a V. Exª para que não o feche sem me conceder também a oportunidade do aparte.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Então, Sr. Presidente, permita-me que, depois da Senadora Heloisa Helena, eu feche o meu pronunciamento com chave de diamante, com o aparte do Senador Geraldo Melo.

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Há muita riqueza aqui!

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Pelo menos de inteligência, não é?

A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Quero saudar V. Exª pelo pronunciamento que faz. Esse tema acabou sendo a motivação maior dos discursos da manhã de hoje. Serei extremamente breve em meu aparte, porque me inscreverei oportunamente para também tentar tratar do assunto nos vinte minutos que nos são dispensados. Senador Bernardo Cabral, respeito o argumento utilizado especialmente pelo Senador Renan Calheiros, de uma forma correta, de que o projeto se propõe simplesmente a atuar no aspecto da banalização da violência. Isso é uma coisa extremamente importante. Mas dizia a S. Exª que, do mesmo jeito que a banalização do crime atua na vida urbana, também atua na vida rural, e que, portanto, existe uma grande contradição no projeto, que é permitir que a propriedade rural, que o morador rural tenha, e o urbano não tenha. E não aceitamos o argumento de que é em função da distância, ou porque as pessoas não têm telefone. Sabemos que, de fato, o que está por trás é a questão da propriedade privada; porque se a propriedade privada valer para o campo, efetivamente terá que valer também para a área urbana. Mas o que considero mais grave nesse projeto - e o Senador Renan Calheiros, que me conhece, sabe que esta observação que vou fazer não tem nenhuma relação direta com S. Exª, porque já tivemos oportunidade de conversar várias vezes sobre o assunto - é o fato de que ele está funcionando como instrumento fraudulento no debate da violência. Sei que a intenção do Senador Renan Calheiros é tratar da banalização da violência. O problema é que o projeto funciona como instrumento fraudulento perante a sociedade, já que os componentes e todos os outros aspectos da violência não são debatidos para se apresentarem as soluções - mas como propaganda enganosa, como mercado de ilusões, como suposta panacéia ao problema da violência. Se quiséssemos, construiríamos alternativas a curto, médio e longo prazos, para podermos atuar diretamente na fonte perversa, que é seiva para a violência. O problema maior do projeto, neste momento, é que ele se aproveita de situações que mexem com mentes e corações - cenas que todo dia acontecem e a imprensa não pode se privar de apresentar à opinião pública -, mas que nada têm a ver com a essência do projeto. O projeto pode ser aprovado 10 vezes, mas as cenas que mexem com mentes e corações, que são mostradas ao vivo, não estariam impedidas de acontecer. Entendo que o aspecto mais grave do projeto é que ele faz com que percamos a oportunidade de efetivamente discutir algumas alternativas. Vou encerrar o meu aparte, para não atrapalhar V. Exª e permitir o aparte do Senador Geraldo Melo. Usarei a palavra em outra oportunidade para continuar o assunto, inclusive apresentando os dados da reinserção, de que V. Exª e o Senador Iris Rezende falaram. O que está previsto no programa de reinserção social do adolescente em conflito com a lei é uma vergonha, é um escândalo! O maior Estado, um país incrustado no Brasil, que é São Paulo, não consegue dar conta de mil crianças! Isso é um absurdo, é uma incompetência! Senador Geraldo Melo, o Estado de São Paulo não consegue resolver o problema de mil crianças! Por falta de lei? Não. Por que não descentralizam essas unidades? Oitenta por cento dessas crianças vêm do interior. Por que não se estabelecem mecanismos para que essas crianças sejam atendidas no interior, antes que passem a usar instrumentos tão perversos, antes que assumam a cultura da violência? Elas não conseguem mais ser crianças, não conseguem mais ser adolescentes, são adultos brutalizados. Creio que o mais doloroso desse projeto é que ele, em muitos momentos, é apresentado de forma demagógica, como se fosse panacéia, e acabamos perdendo a oportunidade, tão grandiosa, de discutir algumas alternativas, não fórmulas mágicas. Não temos o direito de ser mercadores de ilusão, mas devemos estabelecer o que pode ser feito em relação à questão, para que possamos ser realmente honestos neste debate, que é muito grave. Peço desculpas por ter demorado tanto no aparte, mas usarei a palavra em tempo oportuno para trabalhar um pouco mais o assunto.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Pelo menos V. Exª, Senadora Heloisa Helena, já não precisa usar tanto o seu tempo, porque o aparte enriqueceu o que V. Exª vai dizer.

Essas crianças que V. Exª citou, e que acabam morrendo, vão figurar em sepulturas sem inscrição; o nome não aparece, ninguém sabe quem são.

É claro que quem motivou todo esse pronunciamento, Sr. Presidente, foi o nosso estimado companheiro, Senador Geraldo Melo. E é claro, Senador Geraldo Melo, que, com a anuência, com a gentileza com que se houve o Senador Djalma Bessa - aliás, hoje foi o dia em que permitimos aos colegas Senadores que passassem um pouco do tempo regimental -, ouço V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Concederei em seguida.

A violência no País é uma epidemia e tem que ser tratada e combatida como tal. Não adianta nenhum de nós, brasileiros, quando sairmos de casa, começarmos a indagar se voltaremos com vida. E quando alguém é assaltado, levam-lhe tudo, ainda se chega em casa e se ouve: “Graças a Deus que não perdeu a vida!” Como se posse possível essa convivência. Essa forma é que precisa ser atacada, Sr. Presidente.

O Sr. Renan Calheiros (PMDB - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - V. Exª há de convir, Senador Geraldo Melo, que não posso deixar de ouvir, com alegria, em primeiro lugar, o aparte do eminente Senador Renan Calheiros, que comigo já passou por uma pasta, da qual sabemos quais são as dificuldades, pois na maioria das vezes somos heróis solitários, pois que ficamos sozinhos, sentindo na pele a dificuldade de lidar com aqueles que comandam, que têm o poder, mas não têm a sensibilidade. Logo a seguir, ouvirei V. Exª, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Vou-lhe fazer apenas uma pergunta. V. Exª apresentou os índices: São Paulo com mais de 60 homicídios por 100 mil habitantes e Buenos Aires com quatro. V. Exª poderia me esclarecer se na Argentina é proibida a venda de armas e se a população de Buenos Aires também foi desarmada? E se é por causa disso que o índice é tão baixo?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Geraldo Melo, penso que a Argentina ataca aquilo que eu dizia: as raízes, as injustiças sociais. E também é evidente e claro que se temos as fronteiras, se temos aeroportos devidamente fiscalizados, essas armas não entram. Não sei, eminente Senador e Presidente, meu amigo Djalma Bessa, se essas armas, se esses fuzis, esses AR-5, essas metralhadoras são armas de grande porte, cuja venda é permitida. Todos sabemos que há uma legislação que proíbe a venda dessas armas.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Pelo menos V. Exª, Senadora Heloisa Helena, já não precisa usar tanto o seu tempo porque o aparte já enriqueceu o que vai dizer.

Essas crianças que V. Exª citou, e que acabam morrendo, vão figurar em sepulturas sem inscrição; o nome não aparece, ninguém sabe quem são.

É claro que quem motivou todo esse pronunciamento, Sr. Presidente, foi o nosso estimado companheiro, Senador Geraldo Melo. E é claro, Senador Geraldo Melo, que, com a anuência, com a gentileza com que se houve o Senador Djalma Bessa - aliás, hoje foi o dia em que permitimos aos colegas Senadores que passassem um pouco do tempo regimental - ouço V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB - RN) - Agradeço a oportunidade que V. Exª me concede mais uma vez. Quero apenas tranqüilizar os oradores inscritos, lembrando que já tivemos Ordem do Dia hoje e o tempo dos oradores após a Ordem do Dia é de 50 minutos e não de 20. Formulei uma pergunta a V. Exª, ouvi as intervenções dos eminentes Senadores e gostaria sugerir que essa questão fosse apreciada em ordem, porquanto o que preocupa a sociedade brasileira hoje, Senador Bernardo Cabral, não é o fato de que somos seres humanos e temos uma vida como qualquer outro ser humano, isto é, uma sociedade sujeita inclusive aos momentos de explosão temperamental dos maridos traídos, ou dos pais que têm ciúme das filhas, ou das pessoas que brigam nos campos de futebol, ou dos incidentes nos bares que terminam em alguma cena de violência, em alguma morte. Isso é uma preocupação da humanidade, não é um componente especial do problema da violência no Brasil. Agora, acredito que o tipo de violência que está preocupando o povo brasileiro neste momento, que cobra dos homens públicos, inclusive de nós, algum tipo de ação, é essa violência que está sendo vulgarizada todos os dias e que precisa, exige e requer um tratamento adequado. Há medidas de longo prazo? Há. Fala-se muito nas medidas de longo prazo, na necessidade de resolver, de enfrentar a questão, indo buscar explicação para ela nas raízes da pobreza, da miséria, da fome, do desemprego, da deseducação, da falta de cultura. Mas o problema, Senador, como nos lembrava Lord Keynes, é que, a longo prazo, nós todos estaremos mortos, e há necessidade de alguma coisa que seja definida a curto prazo. E é preciso compreender o que diz o Senador Renan Calheiros muito bem, com grande segurança, com a autoridade que tem, equivalente à de V. Exª, como ex-Ministro da Justiça, assim como o Senador Iris Rezende. S. Exª compara a estrutura da Polícia Federal do Brasil com a da Argentina; compara os gastos do país A ou do país B com segurança com os gastos do Brasil; mostra a ineficácia da estrutura que tenta lidar com o problema de segurança; e, aí sim, toma uma iniciativa, em nome do interesse de reduzir a segurança: desarmar os cidadãos! Eu bem que gostaria, Senador Bernardo Cabral, eu bem que gostaria de viver em um país onde não houvesse uma única arma. Todos nós gostaríamos! E muito mais: que nenhum de nós tivesse a necessidade de usá-la. A questão, entretanto, é que, para chegarmos a esse ponto, precisamos primeiro resolver o resto. Se todos sabemos que a Polícia Federal dispõe de cinco ou seis mil homens, sendo que precisaria dispor de 45, 50 ou 100 mil; e se a da Argentina dispõe de 40 ou 45 mil, portanto, em primeiro lugar, que se criem condições para que se possa, enfim, dizer aos cidadãos: “armas jogadas no fundo do mar, porque este País não precisa de armas”! Mas não enquanto as casas estiverem sendo invadidas, arrombadas e as pessoas fuziladas no meio da rua. E ainda se diz: “vamos desarmar”! Sim. Talvez algum marido ciumento deixe de matar a sua mulher com um tiro de revólver e a mate com uma paulada na cabeça ou a sufoque com um travesseiro ou com uma facada no coração. Se ele quiser matar, não será a falta de um revólver que vai impedi-lo. Talvez, no bar da esquina, em vez de se dar um tiro, quebra-se uma garrafa na ponta da mesa e corta-se o rosto de alguém. Não é esse o problema. Não é o fato de a pessoa ter arma ou não. A questão, Senador Bernardo Cabral, é que estamos lidando com esse problema na contramão. Como eu dizia na minha intervenção modesta, anteriormente, estamos tentando curar enfarto com remédio para dor de cabeça, quando o problema é que a Polícia Federal dispõe de cinco mil homens e deveria dispor de 40 ou 50 mil. Nesse caso, o que se faz? Elevam-se os efetivos da Polícia Federal? Aumentam-se os recursos à disposição da estrutura de segurança? Destinam-se mais recursos para a segurança? Não. Vamos desarmar a população! Em outras palavras, precisamos de mais homens na Polícia Federal, ou seja, de remédio para enfarto; e desarmamos a população, ou seja, remédio para dor de cabeça. Quero concluir, Senador Bernardo Cabral, dizendo a V. Exª que há algo que não há penitenciária nem conversa comprida de nenhum de nós que resolva: o mundo do crime é uma sociedade à parte. Em uma sociedade, vamos dizer, normal, na sociedade brasileira, aquela que pretendemos defender, as pessoas se realizam ou pelo sucesso intelectual, ou pelo sucesso político, ou pelo sucesso econômico, ou pelo grande cadastro bancário que possuem. Enfim, as pessoas se realizam porque conseguem efetivar os seus sonhos ou provocar admiração nas pessoas que as cercam. As pessoas se realizam também pelo carinho que recebem. Mas, nesse mundo paralelo, as pessoas se realizam pelo maior espetáculo que promovem dentro da sua carreira. Quando alguém está sendo preso, levado pela Polícia Federal num camburão, e as câmeras da Rede Globo transmitem a cena ao Brasil, o momento não é de crise para aquele cidadão; é um momento de glória da sua carreira. E estamos glorificando essas pessoas dentro da sociedade que interessa a eles. Aí estão os instantes de realização deles, bandidos; de glorificação deles, bandidos; da sua ascensão e do seu reconhecimento social dentro da sociedade a que pertencem. Essa visão precisa ser incorporada às propostas que devem ser feitas. Fechamos os olhos para os demais problemas e criamos aquele mundo maravilhoso que gostaríamos que existisse, como se isso resolvesse, num passe de mágica, as nossas dificuldades; e o outro dia amanhecesse como um dia glorioso, luminoso, de paz, tranqüilidade e segurança para todos os brasileiros. Desculpe-me, Senador Bernardo Cabral, pelo tempo que lhe tomei. Muito obrigado.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL - AM) - Senador Geraldo Melo, V. Exª lembrou a filosofia de Keynes, quando, em Bretton Woods, logo após a guerra, ele lançava o plano de dolarização dizendo que era preciso fazer algo a curto prazo, porque, a longo, estaríamos mortos. Lembrei-me também de que, há mais de mil anos, Omar Ibn el-Kayhan dizia: “A vida é um bem que me deram sem me consultar e que restituirei com a mesma indiferença”. Não é bem assim atualmente.

Hoje, quero dizer - e vou concluir, Sr. Presidente, relembrando o que disse - que o problema da violência é epidêmico. Estamos frente a uma epidemia. Se, no passado, as epidemias de cólera e de febre amarela foram atacadas como tal e tivemos que erradicá-las, isso deve acontecer hoje com a violência. A epidemia está posta, todos os segmentos da sociedade têm conhecimento disso, e o trabalho tem de ser de todos, para que amanhã não se diga que também não temos a nossa parcela de culpa.

Quero agradecer a V. Exª, eminente Presidente, pela forma como conduziu os nossos trabalhos, permitindo que todos, nesta manhã, pudessem dar a sua contribuição em um assunto tão grave quanto este, a violência.

Quero concluir, Senador Djalma Bessa - já que ainda há pouco todos pediram desculpas -, relembrando o Padre Antônio Vieira. Quando, há séculos e séculos, apresentou a sua defesa perante o tribunal do Santo Ofício, ele concluiu as suas palavras desta forma: “Perdoem-me se fui longo, não tive tempo de ser breve”.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2000 - Página 13240