Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DE 12 CRIANÇAS, OCORRIDO NA CRECHE CASINHA DA EMILIA EM URUGUAIANA/RS.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DE 12 CRIANÇAS, OCORRIDO NA CRECHE CASINHA DA EMILIA EM URUGUAIANA/RS.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2000 - Página 13688
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CRIANÇA CARENTE, VITIMA, INCENDIO, CRECHE, MUNICIPIO, URUGUAIANA (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • LEITURA, TEXTO, AUTORIA, LYA LUFT, ESCRITOR, PUBLICAÇÃO, IMPRENSA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DEMONSTRAÇÃO, INJUSTIÇA, MORTE, CRIANÇA.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, SENADO, DISCUSSÃO, COMPROMISSO, PODER PUBLICO, GARANTIA, DIGNIDADE, VIDA, SUBSISTENCIA, CRIANÇA CARENTE.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT - RS. Para encaminhar. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, ontem o Brasil recebeu a notícia de que o Rio Grande do Sul está de luto - inclusive oficial, por três dias - pelo fato que chocou profundamente a região da fronteira do meu Estado com a Argentina, mais precisamente na cidade de Uruguaiana, quando, numa creche pública, doze crianças morreram queimadas.

Essa tragédia nos leva a uma consternação geral e nos faz refletir em relação à qualidade e à segurança que as nossas políticas públicas têm oferecido a nossas crianças. Doze crianças, com idade entre dois e três anos, foram mortas durante um incêndio, e afirma-se que não havia nem telefone nem extintor de incêndio para controlar as chamas. Quando os vizinhos viram a fumaça numa das salas da creche, correram para resgatar as crianças. Conseguiram resgatar muitas, mas não sabiam que, numa sala, dormiam crianças pequenas de dois e três anos, que morreram carbonizadas. Apenas uma criança conseguiu sobreviver.

Toda a população está chocada. O Brasil recebeu a notícia, dada pelos meios de comunicação.

Nós, consternados, apresentamos esse requerimento pedindo o apoio desta Casa, porque é a forma de o Senado Federal, por intermédio de todos os representantes dos Estados, dizer ao Brasil que também acompanha esse sentimento. O requerimento de nossa autoria foi também subscrito pelos Senadores José Fogaça e Pedro Simon.

Queremos que as autoridades, cada vez mais, tenham consciência de que lugar de cuidado com as crianças é um lugar sagrado. É um lugar onde as crianças precisam ter pessoas acompanhando e condições dignas, seguras para a sua sobrevivência.

Quero dizer que em cima de um fato tão lamentável não nos moveríamos por nenhum outro tipo de sentimento a não ser aquele sentimento não apenas de gaúcho como também de mãe e avó, que sente a tristeza e as lágrimas derramadas pelas famílias daquelas crianças.

Quero deixar registrado o nome das crianças para que se localizem as famílias e também para que nós, em nome do Senado Federal, possamos nos dirigir à Prefeitura Municipal, que em última instância representa todo o povo que está hoje ainda lamentando e chorando profundamente a morte daquelas crianças.

As vítimas foram : Nathiele Montanha Santana, 2 anos; João Fernando Prates da Silva, 3 anos; Ruggiere Ferreira Poitevin, 3 anos; Carlos Miguel de Souza Miranda, 3 anos; Geovani Camargo da Rosa Filho, 2 anos; Márcia Elisabete Flores Gonçalves, 3 anos; Luana Fernandes Oliveira, 2 anos; Michael Leonardo da Silva Freitas, 3 anos; Taciane Rodrigues Batu, 3 anos; Andriele Marques de Moura, 3 anos; Paola da Silva dos Santos, 2 anos; e Kethelen Karlyni Piatrowski, 3 anos.

Sr. Presidente, sabendo do adiantado da hora e do trabalho exaustivo que hoje todos nós tivemos, quero socorrer-me do texto - pois, neste momento, fico quase sem raciocínio para externar aquilo que sinto - da escritora gaúcha, Lya Luft, publicado hoje nos jornais do Rio Grande do Sul, intitulado O cotidiano e o horror, diz o seguinte:

Fim de tarde normal de trabalho no computador, a voz de minha netinha ressoa na sala ao lado, rindo e falando rápido a sua encantadora linguagem. O telefone toca, e nesse cotidiano sossegado - às vezes a gente se queixa de que tudo está certinho demais, queremos mais do que milagres algumas vezes -, a notícia corta como uma máquina demoníaca abrindo feridas, rasgando carnes e almas. Uma creche no interior do Estado incendeia-se e morrem 12 criancinhas de dois a três anos. Doze corpinhos torturados e calcinados, 12 vezes gritos desesperados de quem não entende o inferno na sala onde deviam estar protegidas e amadas... Doze mães enlouquecidas, 12 famílias dilaceradas. Onde estavam as pessoas que deviam cuidar delas, os funcionários a quem essas vidas estavam confiadas?

Que segurança têm as casas onde deixamos esses pedaços de nossas vidas? Que segurança têm as nossas vidas? Nunca estamos preparados para o horror, e ele cai no nosso cotidiano morno e organizado, como o pé de um gigante diabólico que a tudo esmaga, e as carnes tão doces se despedaçam e queimam e desmancham. Os cabelinhos de seda, as mãozinhas gordas, devoradas pelo monstro da nossa máquina insana. O mundo ordenado explode e desmorona e escurece e silencia, só ouvimos os gritos das criancinhas sendo queimadas como bichos, enquanto pais e mães as imaginavam protegidas e amadas.

Sinto no colo o corpo de cada uma das criancinhas, seu cheiro de leite e sabonete e ternura, sua doçura e sua inocência, e seu desamparo absoluto. Uma notícia dessa choca a cidade, o Estado, o país e o mundo. Em qualquer lugar, na China, na Rússia, na Inglaterra, as pessoas se sobressaltam e querem correr para casa e abraçar as crianças que amam e certificar-se de que estão bem.

Haverá talvez lugares onde essa desgraça chocaria menos? Penso nas notícias que me chegam da África onde criancinhas morrem de fome às dezenas, centenas, todos os dias, e no nosso Nordeste, onde morrem mansamente de fome e doença, e nas favelas, com balas perdidas. E minha dúvida é se - nesta nossa civilização doente - em todo lugar essa notícia causaria o mesmo horror sem palavras a que estou neste momento querendo dar voz.

Não falo dos responsáveis, sobre estes só posso me calar, e certamente há responsáveis. Jamais haverá desculpa ou explicação para 12 criancinhas morrerem queimadas numa creche - a que foram confiadas! - sem ajuda. Falo de nós, de que a qualquer momento, além da nossa capacidade de prevenir e de proteger, pode desabar sobre nossas vidas o horror, e mastigar e devorar e engolir e cuspir na nossa cara o fato de que somos desprotegidos - e só o cotidiano nos impede de enlouquecer”.

É o registro que faço, pedindo, neste momento de sofrimento do Rio Grande do Sul e em especial da comunidade de Uruguaiana, que o Senado se manifeste não apenas com o voto de pesar e de solidariedade, mas que reflita, profundamente, sobre o compromisso que os poderes públicos têm com as crianças deste País, muitas vezes relegadas a segundo plano, sendo-lhes oferecidos serviços de baixa qualidade.

Eram essas as nossas considerações, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2000 - Página 13688