Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO DA VIOLENCIA NO PAIS E O SEU COMBATE, A PROPOSITO DO ANUNCIO DO PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO DA VIOLENCIA NO PAIS E O SEU COMBATE, A PROPOSITO DO ANUNCIO DO PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2000 - Página 13794
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, INICIATIVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANUNCIO, PLANO NACIONAL, SEGURANÇA PUBLICA, REPRESSÃO, VIOLENCIA, SIMULTANEIDADE, DEFESA, NECESSIDADE, MEDIDA PREVENTIVA, NATUREZA SOCIAL, COMBATE, ORIGEM, CRESCIMENTO, CRIME, FALTA, SEGURANÇA, POPULAÇÃO, PAIS.
  • SUGESTÃO, GOVERNO, CAMPANHA EDUCACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE, IMPORTANCIA, CONFIANÇA, ADESÃO, PARTICIPAÇÃO, COMBATE, CRIME, REALIZAÇÃO, PASSEATA, DEFESA, PAZ, OPOSIÇÃO, DROGA, VIOLENCIA, PAIS.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB – GO) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a violência urbana mantém-se como o tema mais candente na agenda das atuais preocupações brasileiras. Basta olhar os jornais e as revistas do fim de semana, repercutindo o conjunto de decisões anunciadas pelo Presidente da República e analisando os seus efeitos concretos no futuro. O assunto ampliou também seus espaços na política, ganhando o status de tema número um na plataforma dos candidatos a prefeito. É como se, repentinamente, toda a Nação tivesse tomado a consciência de que, acabando a violência, cessada a onda de criminalidade, terminariam também todos os nossos outros problemas, inclusive as grandes mazelas sociais que maltratam os sentimentos de cidadania do povo brasileiro. É uma inversão das verdadeiras realidades do país, mas é uma inversão compreensível, porque o medo coletivo é o mais pungente dos sentimentos de uma sociedade. Nesse sentido, a violência está servindo de biombo para acobertar as verdadeiras causas da própria violência.  

É claro que o tráfico e o consumo de drogas, e a livre proliferação das armas nos guetos sociais, constituem os focos principais do crime organizado que desafia os sistemas de segurança pública e que, até agora, está levando a melhor. Mas eu pergunto: se tivéssemos menos favelas e mais moradias adequadas, se tivéssemos menos desemprego, se tivéssemos padrões mínimos de dignidade social nas cidades do interior, para que estas cidades deixassem de exportar seus excluídos em busca de esperanças que não se realizam e se transformam em exclusão, revolta e violência, se tivéssemos mais crianças pobres em escolas públicas com professores bem remunerados para oferecer melhor qualidade de ensino, se não houvesse a marginalização infantil que leva à droga, à prostituição e ao crime, ou, melhor ainda, se tivéssemos todas essas mazelas em níveis toleráveis de convivência social, eu pergunto se haveria esse crescimento galopante da criminalidade. E digo mais: em vez de gastar os horrores de dinheiro que vão ser gastos na repressão ao crime, cerca de três bilhões nos próximos três anos, poderíamos gastar esse mesmo dinheiro na prevenção.  

Neste último sábado, sob o título em manchete de "Polícia S.A.", o Correio Braziliense informa que trinta mil seguranças particulares fazem no Distrito Federal o papel que cabe ao Estado. É um fato claro, objetivo, contundente que exibe uma nova categoria de emprego, o emprego para conter os efeitos da violência, que é um subproduto da queda avassaladora dos níveis de emprego. Ou seja: a sociedade cria empregos para proteger-se dos desempregados, o que é um grande paradoxo. Onde existem indústrias, como em São Paulo e em outros Estados do Sul e do Sudeste, os níveis de emprego estão reagindo. Mas no Distrito Federal, e sobretudo no Entorno, incluindo a faixa de Goiás, a situação é crítica porque não há indústrias para absorver a migração descontrolada. E a criminalidade cresce a níveis alarmantes. Quem pode pagar segurança, como mostra o Correio Braziliense , é a minoria das famílias abastadas ou as empresas de serviços ou de comércio, que formam a grande maioria do mundo empresarial do Distrito Federal.  

Srªs e Srs. Senadores, não estou criticando essa inversão de valores no trato de nossas questões sociais, porque, de fato, e sem que ninguém possa fazer nada contra isso no imediato, a repressão passou a ser a prioridade número um nas responsabilidades oficiais. Os limites de tolerância foram rompidos, e o seqüestro do ônibus no Rio de Janeiro apenas desnudou essa realidade amplamente reconhecida por toda a sociedade. Não dá mais para contemporizar, e, nesse sentido, sem querer discutir aqui se os instrumentos escolhidos pelo governo são os melhores ou não, o fato é que o sinal de alarme exigia respostas imediatas. É preciso reconhecer que o Presidente Fernando Henrique Cardoso agiu em sintonia com os sentimentos e as angústias da sociedade brasileira. Mas é preciso que agora, conhecido o conjunto das medidas formais que são de responsabilidade do governo, este mesmo governo comece a agir com inteligência nas frentes de comunicação, buscando conquistar a confiança, a adesão e a participação da sociedade no combate ao crime.  

Para instrumentalizar essa possibilidade, é preciso antes de mais nada identificar agentes sociais, lideranças populares que possam transmitir sentimentos de repulsa contra a criminalidade crescente. E, por mais ingênuo que isso possa parecer, que possam também sensibilizar os criminosos ativos ou potenciais para a mensagem de paz a ser transmitida por aqueles detentores de ampla credibilidade social ou ainda por pessoas cuja experiência pessoal possa ser colocada a serviço da pacificação da família brasileira. Estou falando de ídolos populares das telas de televisão ou do esporte que possam gravar filmetes educativos mostrando que o crime não compensa. E poderia estar falando também de pessoas que já passaram pelos subterrâneos do crime e que, reintegradas à sociedade, possam transmitir a sua mensagem educativa de paz. Fábio da Silva, o "sobrevivente" da Candelária que aparece na entrevista das páginas amarelas de Veja desta semana, é um bom exemplo do tipo de personagem que estou sugerindo para uma ampla campanha educativa patrocinada ou estimulada pelo Governo.  

Em qualquer parte do mundo - e por que não no Brasil? - as sociedades fazem das passeatas, com as suas faixas e as suas mensagens, o instrumento de protesto e inconformismo. Somos um país cujas praças e avenidas são palcos permanentes para as manifestações corporativas. Por que não podemos fazer o mesmo em manifestações pela paz, que não seriam apenas corporativas, mas de interesse de toda a sociedade? E aí, Srªs e Srs. Senadores, chego a pensar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso pode, pessoalmente, liderar essas passeatas pela paz em três ou quatro das principais capitais brasileiras, para mostrar o nível total de envolvimento do Governo no combate à criminalidade e à violência. É óbvio que seus assessores poderiam desaconselhar a ousadia, alertando para os riscos da impopularidade que tem sido apontada pelas pesquisas. Mas eu pergunto: num ato pessoal de grandeza, marchando ao lado do povo, este mesmo povo hostilizaria o Presidente? Eu acredito que não, Srªs e Srs. Senadores.  

Eu quero perguntar aos Senadores catarinenses, que honram esta Casa com a sua presença, como os queridos companheiros Jorge Bornhausen, Casildo Maldaner, Geraldo Althoff: Por que não o Gustavo Kuerten, o Guga, com o imenso prestígio nacional que conquistou após a vitória de Rolland Garros, para comandar manifestações sociais contra a droga, o crime, a violência, manifestações sociais pela paz, em mensagens pela televisão ou em passeatas? Quem mais, neste País e neste momento de herói nacional, pode chegar mais perto do fundo da alma brasileira, inclusive nos espaços sombrios do crime? Não poderiam os queridos Colegas catarinenses articular essa participação tão importante? Poder-se-á dizer que a participação de políticos comprometeria a pureza desse encontro de interesses em benefício da sociedade. Mas eu pergunto se, nesta hora, e diante das dimensões assumidas pela violência, cabe cultivar preconceitos. A causa, a meu ver, é maior, muito maior.  

Sªs e Srs. Senadores, vou encerrar com uma outra sugestão, que a meu ver atende às preocupações do Presidente quanto à necessidade de criar fatos localizados, para que estes fatos, em efeito dominó, contaminem a sociedade. É o que informa a jornalista Dora Kramer na coluna de ontem do Jornal do Brasil , quanto às intenções imediatas do Chefe do Governo. Pois bem, Srªs e Srs. Senadores. A mesma jornalista informa que o Presidente vai receber os Governadores do Distrito Federal e de Goiás para discutir medidas de segurança pública que possam ser aplicadas sob a expectativa de rapidez nos resultados. E eu digo que temos, aqui no Entorno, alguns universos municipais que podem ser excelentes desafios, excelentes campos de prova para a aplicação de medidas práticas para conter a violência, mas sempre, insisto eu, sob a dupla ótica prioritária da prevenção social e da repressão. Vamos dar escolas, hospitais, iluminação, moradia, saneamento para os três municípios que vou citar, e vamos ver os resultados em pouco tempo. Quero ver se o noticiário sobre drogas, sobre matanças, etc., vai ser o mesmo depois de poucos meses de ação concentrada. E estão aqui os nomes desses Municípios: Águas Lindas, que é a comunidade que mais cresce hoje no Brasil, e que fica aqui a poucos quilômetros do Palácio do Planalto, sendo hoje a quinta maior população de Goiás, apesar dos pouquíssimos anos de vida da cidade; Planaltina de Goiás, ou Brasilinha, outra comunidade que sofre com os efeitos do forte movimento de migração, e Valparaíso. Gostaria de ver uma ação concentrada de Governo nesses três Muncípios, e estou certo de que teríamos respostas rápidas para mostrar a todo o País.  

Há exatamente um ano, Srªs e Srs. Senadores, ocupei essa mesma tribuna para mostrar que a violência já era, naquela época, segundo pesquisas, a questão que mais preocupava e assustava a nossa sociedade urbana. Ao mesmo tempo, encaminhei proposta à Fundação Pedroso Horta, do meu Partido, sugerindo que a instituição partidária tomasse a dianteira na discussão de diversas iniciativas para o combate à violência. Sei que algumas das sugestões tiveram algum tipo de encaminhamento, dentro da precariedade de recursos que impedem ações mais agressivas das fundações partidárias. Mas quero, aqui, Srªs e Srs. Senadores, fazer a leitura de um dos itens, o primeiro, daquele conjunto de sugestões que encaminhei juntamente com o discurso. Era esta a parte que quero destacar:  

Instituição de concurso nacional para premiar os melhores trabalhos realizados por municípios brasileiros, dentro do objetivo de combater a violência, envolvendo ações preventivas e/ou repressivas. Esses prêmios, de materialização a discutir, deveriam levar em conta, principalmente, a liderança da prefeitura no envolvimento e na mobilização comunitárias para a formação de uma grande cumplicidade entre os poderes públicos e a sociedade. O objetivo é o de que tais experiências possam ser irradiadas pelo restante do País, por meio de um grande trabalho que incluiria a entrega dos prêmios pelo próprio Presidente da República.

 

Srªs e Srs. Senadores, não sobra a menor dúvida de que o país está com medo, todos nós estamos com medo. Mas grande parte daqueles que nos fazem medo, os assassinos que espalham a violência, que matam, em algum momento foram também vítimas da violência do nosso descaso, das nossas omissões, das desigualdades de uma sociedade injusta. É claro que isso não atenua o crime, porque a vida é o mais precioso dos direitos, porque é um direito divino. Como parte de uma coletividade, temos que ver os dois lados da questão. Somos vítimas, porque não tivemos coragem ou disposição para ser atores ativos contra a exclusão social. Temos o direito de exigir a proteção do Estado que nos cobra impostos para dar segurança, mas temos que ajudar este mesmo Estado a proteger os que têm fome, sofrem frio, não têm moradias, são carentes do carinho humano. Antes que se multiplique ainda mais a horda de revoltados, que acabamos vendo, com a lente desfocada, apenas como os inimigos invisíveis dos nossos bens patrimoniais e da segurança de nossas famílias.  

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2000 - Página 13794