Discurso durante a 86ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A IMPORTANCIA DO BANCO DA TERRA PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA AGRARIO BRASILEIRO.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • COMENTARIOS SOBRE A IMPORTANCIA DO BANCO DA TERRA PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA AGRARIO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2000 - Página 14136
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, BANCO DA TERRA, INSTRUMENTO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, FINANCIAMENTO, PROGRAMA, ASSENTAMENTO RURAL, NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, PROVIDENCIA, INTEGRALIDADE, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, BENEFICIO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, PRODUTOR RURAL, SITUAÇÃO, POBREZA, INSUFICIENCIA, TERRAS, GARANTIA, SUBSISTENCIA.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL - TO) – Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, no início do último mês de maio, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST, apoiado por mais de três dezenas de entidades de trabalhadores rurais, ou com elas relacionadas, promoveu manifestações de protesto em cerca de vinte estados, das quais resultaram pelo menos uma centena de feridos, vítimas do confronto com as forças policiais.  

Reivindicava, principalmente, o assentamento das famílias há muito acampadas, para assim ter acesso às linhas de crédito e a outros benefícios oficiais.  

Esses acontecimentos reforçam a importância do Banco da Terra, como instrumento legítimo de realização da reforma agrária, e indicam a necessidade de que sejam agilizadas as medidas para a sua integral implantação.  

Criado por iniciativa do Governo Federal, o Banco é o substituto do Cédula da Terra, projeto piloto implementado em cinco estados, com financiamento do Banco Mundial – BIRD. Tem, como finalidade precípua, o financiamento para a aquisição de terras, a ser promovida pelas associações interessadas em participar do programa.  

De fato, a Lei Complementar 93, de 4 de fevereiro de 1998, regulamentada pelo Decreto 3.027, de 13 de abril de 1999, cria o Fundo de Terras e de Reforma Agrária – Banco da Terra, com a finalidade de financiar programas de reordenação fundiária e de assentamento rural, relacionando como seus beneficiários os trabalhadores rurais não-proprietários, preferencialmente os assalariados, parceiros, posseiros e arrendatários, que comprovem, no mínimo, cinco anos de experiência na atividade agropecuária, além de agricultores proprietários de imóveis cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar, conforme definida pela Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, e que seja, comprovadamente, insuficiente para gerar renda capaz de lhes propiciar o próprio sustento e o de sua família.  

A sua receita, de diferentes origens, destina-se à compra de terras e à implantação de infra-estrutura em assentamentos rurais, promovidas pelo Governo Federal, por entidades públicas estaduais e municipais, e "por cooperativas e associações de assentados" . As terras, sejam doadas ou adquiridas em favor do Fundo de Terras e da Reforma Agrária, serão incorporadas ao patrimônio da União e administradas pelo órgão gestor do Fundo.  

Com a sua gestão financeira atribuída aos bancos oficiais, o Fundo contará com "a participação descentralizada de Estados e Municípios na elaboração e execução de projetos, garantida a participação da comunidade no processo de distribuição de terra e implantação de projetos" . Os financiamentos concedidos terão juros máximos de 12% ao ano, destinando-se à compra de imóveis rurais, com prazo de amortização de até 20 anos, incluída a carência de até 36 meses. As entidades representativas dos produtores e dos trabalhadores rurais podem também requerer financiamento do Banco da Terra, destinado à implantação de projetos.  

A esse respeito, o número inaugural da coleção ARGUMENTO, publicado por iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, reconhece que o Banco "faz parte de um projeto maior" , denominado Novo Mundo Rural , que tem como proposta fundamental a distribuição de terras, transformando em pequeno empresário rural o agricultor com pouco ou nenhum espaço para o exercício de seu trabalho.  

Dessa forma, os benefícios creditícios à disposição dos assentados são também estendidos a quantos venham aderir ao projeto, de acordo com o programa de reforma agrária, que mantém linhas de crédito acessíveis aos beneficiários.  

No entanto, há escassez de recursos, frente à numerosa demanda. O seu aumento depende da prioridade política adotada pelo Governo, entre as opções de aumentar ou reduzir as dotações, conforme as possibilidades da economia.  

O INESC conclui a introdução de suas pesquisas mais recentes consignando que o projeto Banco da Terra vem sendo criticado por diversos setores da sociedade, especialmente os relacionados à questão da reforma agrária, compreendendo acusações de que com ele se deseja enfraquecer os movimentos populares e sindicais.  

Sobre o assunto, a publicação transcreve ensaio do professor Edélcio Vigna, mestre em ciência política pela Universidade de Brasília, no qual se enfatiza "que o Governo possui uma Política de Reforma Agrária, consolidada no Estatuto da Terra" , além de diferentes instrumentos de aquisição de terras para a execução dessa política. Recentemente, criou o Projeto Cédula da Terra – Banco da Terra, "também chamado de Reforma Agrária de Mercado ou de Nova Reforma Agrária, que não foi completamente assimilada como parte da Reforma Agrária, ainda que já tenha importantes dotações orçamentárias" . 

Entende o autor que o Fundo de Terras, embora possa servir para a solução do problema agrário, não é um instrumento específico para essa finalidade. "O projeto inviabiliza ao pequeno produtor o pagamento dos empréstimos concedidos pelo Banco da Terra" . Portanto, "segundo entidades da sociedade civil" , o perigo é que, ao invés de promover a reforma agrária, a nova política represente risco "de aprofundar o quadro de miséria e exclusão social nas áreas rurais" , à vista da previsão de "encargos totalmente proibitivos para os beneficiários" . 

Acresce que "os instrumentos de reforma agrária, em especial a desapropriação, dão ao Estado a propriedade dos imóveis rurais para que estes possam ser titulados aos assentados" . Já o Banco da Terra financia o imóvel, "que é adquirido diretamente pelo beneficiário ou sua associação" . Também, enquanto na Constituição e no Estatuto da Terra o acesso à propriedade é universalizado, no Banco esse direito é atribuído aos que comprovem o mínimo de cinco anos de experiência na atividade agropecuária ou "que sejam minifundistas" . 

Enfim, "suas diretrizes, como rentabilidade e retorno do capital investido, são as do mercado financeiro e seus indicadores são estritamente econômicos, o que torna quase impossível pensá-lo como instrumento de resgate de uma dívida social" . 

Estudioso da questão, também o professor Bernardo Mançano Fernandes, da Universidade Estadual Paulista – Unesp, esclareceu, em artigo para o Jornal do Brasil , que "o MST está estruturado em todo o País" . Em duas décadas, foram realizados cerca de quatro mil projetos de assentamento, envolvendo 475.801 famílias, representativas de 2,5 milhões de pessoas. Vinculam-se ao movimento 42% das famílias da região Nordeste e 88% da região Sul.  

Na sua trajetória, "os sem-terra vêm quebrando preconceitos e fazendo a cidadania avançar" . Não visa apenas a conquista da terra. Atua em frentes como a do cadastramento dos trabalhadores rurais, as dos meios de produção e de comercialização, e da melhoria das condições de existência na área rural.  

Avalia o professor que "o Governo quer o Banco da Terra para comprar áreas para fazer assentamentos e aplicar um programa de financiamento (Pronaf) que só atende a uma faixa pequena da agricultura familiar" . 

O MST, por sua vez, vem lutando para que o Governo realize as desapropriações, nisso utilizando, no lugar de dinheiro, "os títulos da dívida agrária para indenizar os fazendeiros" , sob o argumento principal de que, ao adquirir fazendas com recursos do Banco da Terra, faltará dinheiro, certamente, para promover os assentamentos.  

A questão central seria "o embate entre o MST e o programa Novo Mundo Rural, do Governo" . O Pronaf, entre outras exigências burocráticas, requer o compromisso de avalista e cobra juros maiores, condições que os sem-terra não podem cumprir. Desejam, assim, "acesso ao crédito sem burocracia e sob a coordenação dos trabalhadores" , bem como a rediscussão dos financiamentos para a agricultura familiar, mediante a recuperação do Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária – PROCERA, que oferecia 50% de subsídios e cobrava juros inferiores aos dos atuais 6,5% a 10% do Pronaf.  

Opiniões menos rigorosas consideram que o Programa Cédula da Terra, tendo por base a "reforma agrária apoiada no mercado" , é uma alternativa promovida com o apoio técnico e financeiro do Banco Mundial, como se disse, e tema de construtivas discussões no Seminário sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.  

A população a ser beneficiada são os trabalhadores rurais sem-terra e os produtores rurais pobres, com terra insuficiente para garantir processos de acumulação sustentável e mesmo de subsistência. Na denominada fase piloto, o programa vem sendo implementado na Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais e Pernambuco, devendo ser estendido para outros 13 estados, através do Programa Banco da Terra. Bem sucedido, poderá beneficiar 50 mil famílias a cada ano, com custos inferiores e com maior celeridade.  

O semanário Veja, em sua edição de 10 de maio do corrente do ano, comenta que o MST, "depois de receber 22 milhões de hectares de terra, área equivalente a cinco Dinamarcas, na realidade acrescentou um item novo ao seu tradicional discurso" . O ponto principal das suas reivindicações não é mais a distribuição de terras; agora, "passou a ser a distribuição de dinheiro público" , o que explica "a invasão dos prédios do Ministério da Fazenda e da sede do BNDES, no Rio de Janeiro" . 

Daí a pauta dos pedidos feitos pelo MST ao Governo incluir meia centena de itens, com ênfase para os que dizem respeito à condenação do sistema de financiamento do Banco da Terra para a Reforma Agrária; à diminuição das taxas de juros; e à concessão de créditos especiais e de investimentos na construção de casas para os assentados.  

Veja rememora que, "quase dois anos atrás" , registrava-se "uma enorme tolerância do Governo com os abusos do Movimento dos Sem-Terra" , enquanto os "seus militantes despertavam simpatia em diversos segmentos da opinião pública brasileira" . O movimento era reconhecido como o "porta-voz legítimo dos anseios da categoria mais despossuída da sociedade brasileira, a dos lavradores sem acesso ao mais básico item de sobrevivência, um pedaço de terra para cultivar"

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Identificou-se, porém, que os seus objetivos iam muito além da luta para conseguir terra para plantar: palestras dos líderes do movimento, manuais e cartilhas de treinamento de militantes mostraram "que o MST se tornara um movimento político que visava derrubar o regime democrático" . 

Conclusivamente, há de ser reconhecido que o Banco da Terra constitui inestimável contribuição para o deslinde do problema agrário, e que devemos todos, acima de posições políticas, colaborar no esforço para o crescimento do País, porquanto já não há lugar para atitudes que, pretextando reivindicações democráticas legítimas, na realidade configuram expedientes impositivos, que terminam por descambar para o perigoso e inaceitável terreno do confronto, da provocação e da violência.  

Era o que tínhamos a dizer.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2000 - Página 14136