Discurso durante a 21ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DA COMPLEXIDADE DA CRISE ECONOMICA E SOCIAL POR QUE PASSA O BRASIL.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • ANALISE DA COMPLEXIDADE DA CRISE ECONOMICA E SOCIAL POR QUE PASSA O BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/1999 - Página 6269
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ELOGIO, LIDERANÇA, ATUAÇÃO, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, PRESIDENTE, CONGRESSO NACIONAL, VIABILIDADE, GOVERNO, SITUAÇÃO, CRISE, PAIS.
  • ANALISE, COMPLEXIDADE, CRISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA, SITUAÇÃO SOCIAL, PAIS, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, EXCLUSÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, BRASIL.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, certamente não é esse o clima ideal para o pronunciamento que pretendia. De qualquer forma, Sr. Presidente, ouso pronunciá-lo, sobretudo em respeito a esta Casa, já que a partir de amanhã, depois do pronunciamento do Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães, teremos tarefas da maior importância.

Há doze anos, deixava esta Casa para assumir o Governo do meu Estado do Paraná. Hoje, a ela retorno para cumprir um mandato que o povo paranaense me conferiu, democraticamente, pelo voto. E a minha primeira manifestação é de respeito, de quem, como cidadão comum, durante oito anos afastado de qualquer mandato eletivo, acompanhou o esforço dos Srs. Senadores na reorganização de um País tremendamente desorganizado.

A primeira manifestação tem de ser, também, de respeito e admiração ao Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães, independentemente de divergências político-partidárias, o respeito e a admiração pela sua conduta de líder, peça fundamental para que a governabilidade se estabelecesse em momentos de crise aguda que vivemos neste País de tantas turbulências econômicas e sociais.

           Como integrante do PMDB, historicamente militante na política partidária em facção oposta ao do Presidente do Senado, eu não poderia deixar de reconhecer a importância do papel que desenvolveu nos últimos anos à frente do Congresso Nacional.

           Desde lá até aqui - 12 anos - mudou o mundo e mudou o Brasil. Na última década, transformações de caráter estrutural ocorreram em todos os quadrantes. A intensificação e o adensamento dos vínculos de interdependência entre povos e mercados, características do fenômeno da globalização, alteram o plano, o ritmo e a escala da dinâmica econômica e social e, em conseqüência, deslocam também a política.

Neste novo quadro, os dilemas e desafios emergem inexoravelmente associados a fatores globais. Isso significa que, no mundo de hoje, temas absolutamente essenciais à vida nacional dificilmente poderão ser tratados como assunto restrito aos interesses internos de um país. Tome-se o caso do Brasil: privatização, taxa de juros, política cambial, abertura aos capitais estrangeiros, planos de estabilidade econômica, política salarial, dívida pública, reforma do Estado, são todas questões que extrapolam os limites das nossas fronteiras e exigem, para seu enfrentamento, interlocuções políticas mais alargadas que desafiam nossa inteligência e sensibilidade.

No contexto de uma sociedade global em movimento, na qual se redesenham o peso e a função dos vários atores em instâncias institucionais, adquire relevo a ação política, sobretudo em um País como o nosso, no qual os desajustes sócio-econômicos tomam a forma de desafios que clamam por um enfrentamento urgente, realista e determinado, cuja complexidade se multiplica em várias frentes. Com firmeza e determinação, quero integrar-me àqueles que entendem, como o Poeta, que “toda a luta vale a pena, quando não se tem alma pequena”. A alma pequena do negativismo não tem lugar em minha ação política. Mas também não compartilho do otimismo exagerado dos que não têm outros compromissos, senão com seus próprios e imediatos interesses. Nem Cassandra, nem Pollyana.. Assumo a perspectiva realista dos que aprenderam a fazer, da lealdade à confiança popular expressa pelo voto, o fundamento do exercício do mandato político. E, para isso, é preciso a coragem de colocar em jogo as próprias pressuposições e estabelecer a coerência das suas posições com as ações.

O momento brasileiro é carregado de dramaticidade em função da crise socioeconômica em que mergulhamos. Como Senador do PSDB, aspiro a integrar-me à ação governamental de busca de caminhos que nos permitam escapar da encruzilhada infausta na qual variáveis internas e externas, nestes tempos de globalização financeira, colocaram a economia do País. Essa busca não pode ser repetição, nem insistência nos velhos caminhos.

Se, como descobriu o poeta, “o caminho se faz ao caminhar”, é preciso que nossa caminhada seja ousada, mas também solidária. E a solidariedade entre companheiros de viagem permite o exercício daquela razão crítica que é a mola propulsora do progresso e do desenvolvimento.

Daí por que acredito, Sr. Presidente, que o primeiro momento dessa busca de caminhos é o reconhecimento da enorme parcela de responsabilidade dos gestores da política econômica na emergência desse cenário de incertezas em que o programa de estabilização foi engolfado. Como negar que a manutenção, nos últimos anos, de uma âncora cambial alicerçada em elevadas taxas de juros foi elemento determinante para que chegássemos ao ponto em que estamos?

Os sucessivos déficits na balança comercial, em função de uma abertura sem contrapartida externa, serviu para alimentar e fazer crescer uma hidra venenosa. Admissível como componente de um “choque de oferta” capaz de inibir a elevação de preços no mercado interno, a abertura do mercado, adotada de forma fundamentalista, transformou-se em “aberturismo comercial”, ancorado em um dólar sobrevalorizado, e acarretou efeitos perversos sobre o emprego e a atividade produtiva nacional. Empresas sucateadas ou fechadas, postos de trabalho extintos, precarização do mercado de trabalho foi o resultado desse “aberturismo” que não podemos deixar de ler como um profundo agravamento da exclusão social, que continua sendo uma chaga aberta em nosso País.

Joseph Stiglitz, economista-chefe do Banco Mundial, em conferência feita em Helsinque, em 1998, refletia que: ”o foco na liberalização dos mercados no caso do mercado financeiro pode ter tido um efeito perverso e contribuiu para a instabilidade macroeconômica. Em termos gerais, a ênfase na abertura do comércio exterior, na desregulamentação e na privatização deixou de lado outros ingredientes importantes para construir uma efetiva economia de mercado, especialmente a competição”.

Nas transações correntes o sinal de vermelho de 1997, quando o déficit atingiu quase U$34 bilhões, deveria ter sido respeitado. Não o foi. Era um alerta para o perigo que se acercava. No entanto, continuamos agindo como se nada houvesse de grave.

Em 1998, o déficit em transações correntes ficou na casa dos U$35 bilhões. Não se atentou que estavam se acumulando forças, cujas manifestações dramáticas dar-se-iam mais à frente.

Na primeira semana de 1999, o temido desfecho de uma crise anunciada assumiu corpo. Reservas arduamente conseguidas foram pulverizadas - em bilhões de dólares - para atender ao apetite insaciável de um mercado especulador voraz.

Infelizmente, não podemos deixar de reconhecer (e aqui um mea culpa faz parte indispensável da busca por caminhos novos ): graves e sucessivos equívocos, erros primários em termos de política monetária a partir do Banco Central foram cometidos na seqüência. É dispensável enumerá-los, pois todos os Srs. Senadores os conhecem suficientemente.

Não posso, todavia, Sr. Presidente, deixar de reconhecer que o Governo, ainda que tardiamente, resolveu corrigir os erros de sua política cambial. Não é comum entre governos aqui no Brasil ou em outros lugares do mundo o reconhecimento de que errou. O Governo reconheceu o equívoco e procurou corrigi-lo, ainda que com o ônus inflacionário e recessivo que o País está pagando, pois a incerteza e o medo reapareceram no cotidiano da família brasileira. A sombria presença da insegurança, em face do futuro e da preocupação com o pão de cada dia, marca, novamente, a vida do cidadão, da família, do jovem, do brasileiro, enfim, que, surpreendentemente, continua a fazer da esperança a sua profissão. Tanto é assim que o poeta colocou na boca do povo um verso simples e profundo: ”Sou do sonho, / por mais que pise / em passos andados”.

Um rápido olhar pela História nos mostra que as crises sempre freqüentaram o dia-a-dia do nosso povo. O brasileiro é um PhD em crises e, com uma força interior extraordinária, jamais deixa morrer a esperança de um amanhã melhor.

Mais uma vez, esse povo tem de submeter à prova sua esperança, colocado no cadafalso do desespero social. A possibilidade do desemprego, a insegurança diante da violência onipresente, a preocupação com o desamparo em caso de doença ou a chegada da velhice, a desesperança no futuro dos filhos, tudo isso forma um conjunto de miséria material e moral que atinge a todos.

O que fazer? Como enfrentar esse desafio de uma era globalizante, sem cair no cinismo de aceitar que a miséria, a marginalização, a exclusão sejam o quinhão inevitável de um futuro novo?.

Como sermos realistas, sim, mas sem perder aquilo que é o principal patrimônio do homem público, do político: a sensibilidade social, a capacidade de se indignar diante da exploração e de se comover frente ao sofrimento concreto de pessoas concretas, e não de cifras apenas?

Primeiro, é preciso compreender que a globalização é um fenômeno irreversível. Nem bênção, nem maldição - mas um fato, ainda que avassalador. Um desafio dos novos tempos. Um fenômeno que está interferindo diretamente, não apenas na economia, mas na dinâmica política interna dos vários países, redesenhando a geografia do poder em todos os níveis.

Em seguida, aceitar que é preciso integrar-se à nova ordem com firmeza e determinação. O Mercosul é um exemplo salutar de integração de mercados regionais e que - é nossa expectativa - será alargado com a participação do Chile, Venezuela, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, fazendo da América do Sul um bloco regional de forte presença na economia mundial.

Mas essa inserção no processo de globalização não pode significar a submissão do País ao receituário das economias altamente desenvolvidas, aglutinadas no chamado G-7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Canadá), transformando-o naquilo que René Deifuss chama de mero “pivô político-estratégico” de uma nova oligarquia de abrangência planetária.

Pensar e lutar por um projeto nacional de desenvolvimento não é, como alguns se acostumaram a afirmar, ilusão passadista ou devaneio irresponsável. Muitos são os estudiosos que sugerem cautela quando se aponta a diluição do Estado-Nação por forças regionalizantes e/ou globalizantes.

Como reiterava em artigo recente o Reitor de Yale, Jeffrey E. Garten, “a globalização não precisa ser necessariamente cruel”. Na verdade, os próprios desafios por ela gerados oferecem crescentes oportunidades a um país, especialmente um como o Brasil. Vastidão continental, diversidade ambiental e cultural, riquezas imensas ainda por explorar, o Brasil não pode ser um problema. E, acredito com firmeza, não o é.

Tomemos um exemplo ainda “quente”. Como entendermos que, com a nossa extensão territorial e, o que é mais importante, com a nossa imensa área agricultável, a expectativa da agricultura brasileira para este ano seja uma safra de 84 milhões de toneladas de grãos, que já está sendo comemorada como marco histórico? Conheço a China, país imenso, mas de relevo irregular e com extensas áreas cuja ocupação produtiva é vedada pelas intempéries da natureza. Pois bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pasmem: sua produção de grãos atinge a ordem de 500 milhões de toneladas!

Portanto, é evidente que a agricultura - o trabalhador e o produtor rural brasileiros - está ainda por merecer a prioridade e a atenção que lhe vêm sendo negadas pelos sucessivos governos republicanos. Não é apenas a safra de grãos deste ano que é a nossa “âncora verde”, como tão bem a definiu o Presidente Fernando Henrique Cardoso. É a agricultura que é a “âncora verde” da economia, do progresso e do desenvolvimento do nosso País. Produzir em escala crescente, garantir sua presença no mercado interno, impulsionar as exportações, gerar renda para o interior e abrir oportunidades de trabalho são as soluções mais óbvias para que o Brasil sepulte suas incertezas e reaviva a esperança. Fui Governador de um Estado cuja principal riqueza repousou, e ainda repousa, na força da agricultura. Pude perceber a importância decisiva das ações governamentais para estimular a produção, influindo diretamente na fixação do homem à terra e na melhor distribuição da renda. Por isso, serei um defensor, nesta Casa, da proposta de elevar o percentual dos recursos do BNDES e de outras instituições financeiras públicas para aplicação na agroindústria.

Os momentos de dificuldade e de crise demandam dos governantes a ousadia e a coragem para mudar.

Em recente entrevista a uma revista de circulação nacional, o economista norte-americano John Kenneth Galbraith aconselhou: “O Brasil é uma das nações mais favorecidas do mundo. Tem grandes recursos básicos, forte infra-estrutura agrícola e uma força de trabalho muito inteligente. Essa é a força econômica do Brasil”.

Nós, por nossa parte, diríamos que a fraqueza do País é não conseguir combater, quer no âmbito público quanto no privado, a irresponsabilidade e a incompetência, geradoras de privilégios de toda ordem. Daí por que, em vez do enfrentamento lúcido e corajoso das desordens estruturais que vêm atravessando gerações, o remédio recorrente é a retomada das batidas poções tecnocráticas, sempre punitivas aos trabalhadores, deixando intocados os verdadeiros focos das tensões. Vale reter o conselho do mesmo Galbraith ao Presidente Fernando Henrique: “Adiar as atividades governamentais não essenciais e não permitir a volta da inflação. Sempre preferir aumentar impostos, se necessário, como remédio contra a inflação a cortar gastos com os pobres, que são os que carecem do Estado”.

Sem dúvida, ao longo da minha vida pública, mas especialmente quando me vi diante da obrigação de assumir decisões à frente do Governo do Paraná, pude perceber claramente que são os pobres, os despossuídos, os trabalhadores braçais que têm necessidade do Estado. Os privilegiados podem se dar ao luxo de dispensar o Estado e clamar para que ele, às vezes, seja o mínimo, quando se trata de estender proteção aos fracos, e, às vezes, seja o máximo, quando querem usufruir suas benesses. Os pobres, no entanto, jamais podem dispensar o Estado, pois dependem praticamente das ações de Governo para sobreviver.

Mas a grande verdade é que nós, como Governo, atendemos mal aos pobres e marginalizados. Vícios burocráticos, cartoriais e corporativos entravam as ações governamentais. Em termos gerais, um Governo dinâmico, atuante, centrado em suas funções fundamentais seria um elemento promotor do desenvolvimento e da justiça social. Isso ainda não acontece no Brasil, porque predominam interesses de grupos sobre o interesse público, tanto na esfera governamental quanto na privada. O foco da soberania nacional deveria ser o cidadão e sua dignidade, e não a soberania dos interesses estamentais, que subordinam a atuação do Estado. O nosso Governo, ao contrário das grandes potências, despende pouco com as forças militares. Teoricamente, seu desempenho na área social deveria ser muito melhor. Mas isso não acontece. Apesar de arrecadar, em termos percentuais do PIB, mais do que os Estados Unidos, o chamado “custo Brasil” não reverte em mais investimento e empregos, mas seus recursos escoam pelos ralos de uma aplicação irracional e desastrada. Aí estão os exemplos do INSS, que atende mal, a um altíssimo custo, e do FGTS, cujas aplicações padecem de uma inadimplência crônica. Para um Estado brasileiro mais eficiente, é preciso corrigir essa rota.

Mais uma vez, recorro à conferência de Stiglitz, Vice-Presidente do Banco Mundial, em Helsinque, quando afirma:

      Tipicamente, o Estado mexe em coisas demais, sem enfoques adequados, e, portanto, é menos eficiente do que poderia ser. O sucesso de qualquer organização depende do enfoque. É fundamental tentar conseguir um enfoque melhor do Governo nas questões fundamentais - as políticas econômicas, a educação básica, a saúde, o sistema viário, a segurança, a proteção ambiental. Mas o enfoque nos fundamentos não significa que o Governo deva ser minimalista. O Estado tem que cumprir um papel importante na regulação da política industrial, na segurança social e no bem-estar.

Repensar o padrão monetário real é fundamental. O País não mais aceita o velho e vicioso ciclo da indexação. Mas não pode, igualmente, conviver com o perfil social e humano que nos envergonha segundo organismos com credibilidade internacional. Eis aí o desafio que o Governo do Presidente Fernando Henrique e as forças vivas da Nação devem enfrentar.

O mandato de Senador que assumo estará, sem dúvida, ao lado dos que têm a grandeza para corrigir rumos equivocados e que reconhecem não existir incompatibilidade entre desenvolvimento e justiça social. Ao contrário, a verdadeira síntese do desenvolvimento é a somatória do desenvolvimento econômico com o crescimento social. Este é o momento de reafirmar a atualidade do que dizia Paulo VI: “O verdadeiro desenvolvimento é para todos e cada um a passagem de condições menos humanas para condições mais humanas”.

Não podemos deixar que a discussão sobre modelos e padrões, sobre tecnicalidades obscureçam a verdade fundamental. O desenvolvimento, o progresso, a riqueza de uma nação só é real se beneficiar todos e cada um dos seus cidadãos. Para isso, temos que apurar a sensibilidade de governantes e homens públicos, recordando as palavras de Roger Shurts, Prior da Comunidade Ecumênica de Taizé.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Permita V. Exª que o interrompa para prorrogar a sessão por trinta minutos.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O que é intolerável é a miséria do homem, que, para nós, é sagrado.“ Como permanecer de braços cruzados diante do homem sendo vítima do próprio homem?

Sr. Presidente, o Governo brasileiro tem, nesse instante, a oportunidade de redimensionar sua estratégia de política econômica, comprometendo-se com o verdadeiro humanismo. A exclusão, que já se constitui um verdadeiro regime de apartheid social, precisa ser enfrentada com firmeza e determinação. Ela debilita as bases de uma sociabilidade civilizada e compromete a idéia de um futuro em construção.

Torna-se cada vez mais exíguo o espaço abrangido por qualquer forma de contrato social, cada vez mais pessoas são expulsas da sociedade civil e retornam ao que podemos chamar de estado de natureza, o estado da necessidade e do desamparo. O mais grave: legiões de adultos perdem, de forma irreversível, direitos já conquistados, inclusive o mais básico de todos, o direito ao trabalho. Dilui-se a distância entre crise e normalidade, pois existência normal torna-se crítica. Desaparece a idéia de que a vida descortina-se num horizonte amplo, sólido e aberto; em seu lugar, predomina a sensação do provisório, do frágil, do especulativo e a incerteza torna-se o pano de fundo de todas as ações. O sinal que já soa nos grandes centros urbanos sob a forma de violência que beira a selvageria não pode e não deve ser ignorado.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Senador Álvaro Dias, conheço a trajetória de V. Exª, até por sermos lindeiros. Tive a honra de governar o meu Estado à época em que V. Exª governava o Paraná e, nos encontros entre os Governadores dos três Estados, conheci as idéias e a motivação que sempre pairava em seu espírito público. V. Exª já freqüentou a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, e, como Senador, retorna depois de certo tempo. Sem entrar no mérito daquilo que norteia sua vida, ao recomeçar nesta Casa por pronunciamento que acaba de fazer, solidarizo-me com V. Exª, que abre um debate, que será, sem dúvida alguma, seu caminho nesta Casa nos próximos meses. V. Exª faz análise do plano de ação governamental, reconhecendo, como o próprio Governo, que houve equívocos. Mas sabemos que há vontade de acertar. Trazendo parâmetros, V. Exª procura, em suma, fazer com que os excluídos sejam inseridos no contexto econômico e social do País. Essa é a parte basilar da sua vida e da sua conduta. V. Exª abre o debate e traz temas para discussão nesta Casa que serão o norte da sua atuação. O Estado do Paraná e todo o Brasil conhecem a sua competência, a sua vontade de não descuidar e de não descolar o ouvido do palpitar da sociedade brasileira. O País inteiro também sabe que V. Exª sempre primou pela humildade. A volta de V. Exª a esta Casa será muito importante, principalmente porque traz como parâmetros os desdobramentos dessa linha de ação de que, doravante, poderemos participar. Por isso, sem entrar no mérito nesse momento, cumprimento V. Exª com muita ênfase e solidariedade.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner. O aparte de V. Exª gratifica, honra e, sobretudo, encoraja a minha pessoa. Certamente estaremos juntos na mesma trincheira.

O Sr. Paulo Hartung (PSDB-ES) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Ouço com satisfação o meu colega de Partido, o jovem Senador Paulo Hartung, que foi um brilhante Prefeito em Vitória e que agora vem enriquecer os quadros desta Casa.

O Sr. Paulo Hartung (PSDB-ES) - Senador Álvaro Dias, em meu nome e em nome dos nossos companheiros de Partido, saúdo-o neste momento de estréia na tribuna do Senado com um discurso de excelente qualidade. Refiro-me, particularmente, à discussão e ao debate que V. Exª abre em relação à condução das políticas econômica e social do País. Parabenizo-o, acreditando que V. Exª poderá dar uma excelente contribuição ao longo dos próximos meses e anos para que, juntos, aperfeiçoemos os rumos e tentemos construir uma nação que esteja efetivamente ao lado do povo e do cidadão. Minhas congratulações, Senador Álvaro Dias. Desejo que sua atuação no Senado seja brilhante, como já assistimos em vários momentos de sua vida pública no decorrer da história recente. Muito obrigado.

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Muito obrigado, Senador Paulo Hartung. V. Exª é um daqueles nesta Casa que têm autoridade para debater as questões sociais, já que na prática, como Prefeito, priorizou exatamente os que mais necessitavam do Estado e do Governo.

O Sr. Carlos Wilson (PSDB-PE) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB-PR) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Carlos Wilson (PSDB-PE) - Senador Álvaro Dias, é muito bom ver V. Exª na tribuna no Senado. Tivemos o privilégio de conviver com V. Exª como brilhante Deputado Federal e de conhecê-lo também, posteriormente, como Governador do Paraná - um dos melhores daquele Estado. V. Exª hoje retorna ao Senado, já tendo sido, durante oito anos, Senador da República. Como disse o Senador Paulo Hartung, volta brilhantemente, fazendo um discurso profundo que honra todos do PSDB. A eleição de V. Exª enriqueceu muito o Senado da República, principalmente a nossa Bancada. Discursos como esse contribuem com o Governo do Presidente Fernando Henrique. V. Exª, estudioso, referiu-se com muita profundidade às questões social e agrícola. V. Exª, que teve o privilégio de governar o Paraná, um Estado agrícola dos mais importantes, destaca a sua frustração ao ver que o Brasil, que teria tudo para ser um grande País agrícola, infelizmente hoje ainda detém índices irrelevantes de produção em relação a outros países em piores condições. A presença de V. Exª no Senado é, acima de tudo, uma contribuição ao Brasil, que terá um Senador de alta qualidade. Parabéns ao Paraná por tê-lo como seu representante.

O SR. ÁLVARO DIAS (PMDB-PR) - Muito obrigado, Senador Carlos Wilson. Suas palavras animam-me a dar continuidade ao meu pronunciamento.

Somente uma postura verdadeiramente socialdemocrata pode reverter essa situação e mobilizar interesses sociais com conteúdo participativo. Esse momento de crise pode ser um espaço para redefinições e novas práticas. Pensar do ponto de vista coletivo é o desafio lançado numa sociedade que vem sendo solapada pelo individualismo esterilizante. A crise pode incentivar a construção de laços mais intensos de solidariedade, abrindo-nos à formulação de uma nova agenda política.

Diante dessa realidade, o Congresso Nacional não pode ser apenas um fórum de registros de fatos ocorridos ou mero chancelador de leis elaboradas quase sempre em outro Poder. A imagem do Parlamentar precisa ser de afirmação na busca de saídas e alternativas competentes para enfrentar as dificuldades do momento presente. Não podemos negar que houve uma verdadeira “desconstrução”, digamos assim, da imagem do Poder Legislativo, determinada principalmente por aqueles que, maquiavelicamente, lançam no Congresso Nacional a culpa pelos desajustes produzidos por uma tecnocracia que se acredita onisciente. De fato, o Legislativo tem sido ágil em aprovar todas as propostas apresentadas pelo Executivo. Sua responsabilidade está mais, talvez, nessa atitude, do que, como injustamente se afirma, na resistência às propostas.

O fato é que a crise está à frente. Todos estamos embarcados nela. O importante, neste momento, não é buscar culpados, mas agir solidariamente para mudar o curso da navegação e evitar o choque definitivo com o iceberg. Acompanho, neste particular, o fecundo pensamento de Pierre Bourdieu, esse notável sociólogo, quando diz que “se há alguma esperança é porque, nas instituições estatais e nas ações dos agentes, tais forças se desdobram para resistir e inventar ou construir uma ordem social que não tenha como lei única a busca do interesse egoísta ou a paixão individual pelo lucro, mas que também abra espaço a coletividades voltadas à busca racional de fins coletivos previamente elaborados e aprovados”. E, mais adiante, completa que cabe ao Estado “a elaboração e a defesa do interesse público que, quer queira, quer não, nunca deixará de ser considerado, mesmo ao preço de um erro de cálculo matemático, como a forma suprema de realização humana”.

Entendo, por tudo isso, que a mudança de orientação política passa por esta Casa, começando pela retomada do crescimento econômico, uma vez superada a recessão em que estamos enredados.

É óbvio que o esquecimento será uma ilusão inatingível, enquanto permanecerem as taxas de juros reais que vêm sendo praticadas nos últimos anos. Insistir nesta tese é lançar os brasileiros a um caminho sem volta, rumo ao desespero. O atual sistema de acumulação financeira assenta suas bases em um desemprego estrutural crescente, inibidor das demandas populares. E isso não pode sustentar-se por muito tempo.

No seu livro A Crise do Capitalismo, o megaespeculador George Soros, de quem o Brasil muito ouviu falar recentemente, aponta para o perigo da globalização financeira. Daí propor o controle do mercado financeiro, sob pena de desintegração do sistema econômico. Considera que o liberalismo praticado nesta última quadra do século é um “fundamentalismo de mercado” e que, em conseqüência, deixar os fluxos de capital sem um controle mundial é deixar crescer intocada uma clara ameaça à democracia e aos valores éticos e morais da civilização. É do próprio Soros a afirmação: “Os valores sociais passam pelo crivo do que se poderia chamar de seleção natural, do qual o inescrupuloso saiu fortalecido. É um dos aspectos mais perturbadores do sistema capitalista global”.

Cabe lembrar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso expressou também, tempos atrás, posição quase idêntica, ao defender o chamado “imposto Tobin”, formulado pelo Prêmio Nobel de Economia James Tobin, que também defendia a taxação dos capitais voláteis. É, portanto, mais do que oportuno voltar a essa pregação e transformar em ação uma vontade disciplinadora do capital especulativo. E cabe a nós, Congresso Nacional, o empenho vigoroso no apoio a uma medida fundamental para o País.

Mas o fato é que os problemas de uma arquitetura financeira global já começam a ser enfrentados. O professor Barry Eichengreen, da prestigiada Universidade da Califórnia, considera esta a mais séria crise financeira dos últimos 50 anos. Defende também ele o controle do capital especulativo, apontando para o exemplo do Chile, que obteve um relativo controle sobre os fluxos de capitais de curto prazo, afastando de sua economia o capital especulativo predador.

No campo dos desafios internos, o combate ao déficit público, gravemente onerado pelo impacto das altas taxas de juros, precisa ser travado com igual disposição. Daí a urgência da reforma tributária para estabelecer uma realidade fiscal mais equânime e equilibrada em termos federativos. Da mesma forma, o esforço para racionalizar a máquina pública não pode ser descurado, eliminando-se antigos vícios e privilégios arraigados. Minha experiência como Governador do Paraná criou a convicção pessoal de que o Poder Público não pode prescindir de uma forte estrutura arrecadadora e fiscalizadora. Por isso, defendo o fortalecimento de organismo estratégico fundamental como a Receita Federal, ampliando seu quadro de fiscais e auditores, agilizando sua atuação, para buscar os recursos sonegados. Desse modo, podemos evitar a proliferação irritante de impostos provisórios emergenciais, que apenas sacrificam, sempre mais, o contribuinte honesto e pontual, sem efetivamente resolver o problema de forma definitiva.

Vejamos alguns dados que nos fazem refletir:

A própria Receita Federal acaba de constatar que existe hoje, no Brasil, um total de R$ 825 bilhões de renda tributável que está fora do seu alcance. É uma economia subterrânea quase equivalente ao PIB nacional, hoje de cerca de 900 bilhões de reais.

Há poucas semanas, analisando a cobrança da CPMF, a Receita Federal encontrou um número estarrecedor, que mostra como a sonegação é um dos fatos mais graves a ser enfrentado pelo Governo. O Banco do Brasil encaminhou à Receita uma listagem com os 100 maiores contribuintes da CPMF e, para surpresa geral, 48 jamais declararam Imposto de Renda, jamais passaram pelo crivo da Receita Federal! Tais dados estão à disposição de todos e não deixam dúvidas de que o Governo e o Congresso Nacional precisam declarar guerra total à sonegação criminosa e impatriótica que ocorre neste País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pretendi fazer um diagnóstico exaustivo da crise atual, nem apontar soluções salvadoras. O que me motivou a vir a esta tribuna foi o dever de lealdade para com o Presidente Fernando Henrique Cardoso e com o PSDB, para lançar um alerta sobre coisas óbvias e simples, é verdade, mas que poderão ser decisivas para a superação das atuais dificuldades. Não creio nas lealdades submissas, que se acostumaram ao “sim” fácil. Ao contrário, acredito que tem fôlego de bom caminheiro aquele que entende e vive este pensamento: “Se discordas de mim, tu me enriqueces”.

Confio plenamente na disposição do Presidente. Sua história e seu caráter revelam um homem verdadeiramente empenhado em fazer deste País um país digno de figurar entre as nações civilizadas.

Confio, também, na capacidade do Congresso Nacional para enfrentar, com lucidez e determinação, as exigências desse momento histórico. Precisamos todos juntos retomar aquele processo que Celso Furtado chamava de “processo de construção da nação”. A opção, neste momento, não é entre modernidade ou saudosismo, mas entre a nação e a barbárie, como definiu Plínio Sampaio Júnior.

Tenho a convicção de que precisamos aprender com nossos fracassos e redescobrir as verdades antigas de um humanismo ainda mais necessário. O fundamental, como diz Dom Hélder Câmara -- aqui homenageado ontem --, é firmar-se na opção de alargar pensamento e coração; ser magnânimo, isto é, ter alma grande, profunda e larga. É sentir a urgência de agir; arrancar-se da acomodação e ir ao encontro dos novos caminhos; caminhos que nos levarão a uma Nação mais fraterna, solidária, justa, capaz de fazer todos e cada um ascender para condições de vida mais humanas. Penso que este é o nosso compromisso público. E é isto que o Brasil exige de nós nesta hora de decisão e de ousadia.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/1999 - Página 6269