Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

INDIGNAÇÃO COM RELAÇÃO A FORMA COM QUE O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SE REFERIU AO GOVERNO ITAMAR FRANCO, QUANDO O COMPAROU AO TRAIDOR JOAQUIM SILVERIO DOS REIS. CRITICAS A INDICAÇÃO DO SR. ARMINIO FRAGA PARA A PRESIDENCIA DO BANCO CENTRAL.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • INDIGNAÇÃO COM RELAÇÃO A FORMA COM QUE O PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SE REFERIU AO GOVERNO ITAMAR FRANCO, QUANDO O COMPAROU AO TRAIDOR JOAQUIM SILVERIO DOS REIS. CRITICAS A INDICAÇÃO DO SR. ARMINIO FRAGA PARA A PRESIDENCIA DO BANCO CENTRAL.
Publicação
Publicação no DSF de 25/02/1999 - Página 3561
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OFENSA, ITAMAR FRANCO, GOVERNADOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • CRITICA, CONDUTA, GOVERNO, AFASTAMENTO, FRANCISCO LOPES, PRESIDENCIA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), POSTERIORIDADE, APROVAÇÃO, SENADO, INDICAÇÃO, ARMINIO FRAGA, ECONOMISTA, PRESIDENTE, BANCO OFICIAL.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem não foi possível fazer um registro - e o faço agora -, na mesma linha de pensamento externada à tarde pelo Senador Eduardo Suplicy.

Manifesto minha indignação com relação à forma com que o Presidente da República se referiu - não direta, mas dissimuladamente - ao Governador de Minas Gerais, Itamar Franco. Ao fazer aquela comparação com Joaquim Silvério dos Reis, Sua Excelência sabia que estava ofendendo de forma muito grave a alma de todos aqueles que têm um pouco de mineiridade. E me incluo entre eles. Não é à toa que a imprensa noticia hoje que Parlamentares do PSDB de Minas Gerais, a começar pelo seu Líder, Aécio Neves, manifestaram-se preocupados com aquele tipo de pronunciamento.

Sabemos que o Presidente da República tem que procurar manter a chamada liturgia do cargo e, ao fazer esse tipo de acusações ou ofensas, ao invés de contribuir para se chegar a uma solução para o País, apenas atiça os ânimos. Talvez o Presidente da República o tenha feito de propósito, com o objetivo de forçar os Governadores da Oposição a não comparecerem ao encontro de sexta-feira, para depois utilizar o costumeiro discurso de que a Oposição não quer diálogo.

O Senador Eduardo Suplicy relembrava parte da entrevista em que o Governador Itamar Franco dizia que sinais de aproximação têm que vir de cima. Concordo com o Senador quando sugere que o Presidente da República, da mesma forma que telefonou para o Lula várias vezes, poderia fazê-lo com relação ao Governador mineiro. Talvez a solução seja providenciar uma visita dos gordinhos chatos da Embratel ao Presidente da República, para chorarem em sua frente e dizerem: “Liga para o Itamar que talvez se resolva o problema”.

Sr. Presidente, o assunto que me traz à tribuna no dia de hoje não é exatamente esse. Desejo tecer algumas considerações sobre o tema da semana no Senado e de hoje na Comissão de Assuntos Econômicos, além de ser o da próxima sexta-feira, na sabatina do Dr. Armínio Fraga para a presidência do Banco Central.

Por ocasião da sabatina do Dr. Francisco Lopes e do debate no Plenário do Senado, embora fosse votar contra sua indicação - não em função de sua figura, mas porque manifestaria, com aquele voto, minha posição contrária à condução da política econômica do Governo -, fiz questão de registrar que tinha pelo menos dois motivos para simpatizar com o Dr. Francisco Lopes. O primeiro deles é que, como membro da equipe econômica, pela primeira vez em mais de quatro anos, ele foi o único a dizer publicamente: “Erramos na condução da política cambial”. Cheguei a perguntar a ele se essa afirmação pública, pela qual o Dr. Pedro Malan parece ter absoluta ojeriza, havia sido combinada com o Ministro. O Dr. Francisco Lopes não respondeu. Os fatos subseqüentes parecem ter demonstrado que não havia sido feita aquela combinação.

O segundo motivo pelo qual eu teria tendência a simpatizar com seu nome era sua trajetória. Eu encarava como positivo o fato de ele não ter estado do outro lado do balcão em momento algum, ao longo de sua vida profissional, porque pelo menos ele interrompia uma seqüência de dirigentes do Banco Central - abro um parêntese para excetuar o Dr. Gustavo Franco, que também não tinha esses antecedentes - que atuavam em absoluta promiscuidade com o sistema financeiro privado nacional e internacional, conforme atesta nossa história recente. Basta levantar os nomes. Houve uma série de acadêmicos, professores destacados que foram para o Banco Central, saíram de lá e se tornaram banqueiros milionários, entre eles Fernão Bracher, Francisco Gros, Pérsio Arida, Gustavo Loyola.

Então, o fato de o Dr. Francisco Lopes ter um currículo que não estava naquela linha parecia-me positivo. Lembro-me inclusive de que fiz essa intervenção aqui no Senado, e posteriormente Senadores da base governista fizeram questão de registrar minhas palavras de elogio à trajetória do Dr. Francisco Lopes. Não sei como esses Senadores vão se posicionar, intervir e votar agora a indicação do Dr. Armínio Fraga, com uma trajetória absolutamente diferente.

Sr. Presidente, antes de entrar na discussão específica das questões a respeito do Dr. Armínio Fraga - não sei se procede a informação, mas parece que ele está na Casa -, é necessário que se repita aqui no plenário do Senado o que eu disse hoje na Comissão de Assuntos Econômicos: recebi a notícia da troca de comando no Banco Central com um misto de perplexidade, indignação e constrangimento. Perplexidade porque acreditava que a indicação do Dr. Francisco Lopes fosse para valer, já que precedida de tantos elogios, inclusive de Parlamentares da Oposição e particularmente do Dr. Pedro Malan. Lembro-me inclusive que o Senador Ademir Andrade interveio dizendo que votaria contra, porque três ou quatro meses depois teria de votar o nome de outro Presidente do Banco Central. A previsão do Senador Ademir Andrade acabou sendo exageradamente antecipada.

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador José Eduardo Dutra?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Pois não, nobre Senador Roberto Requião.

O Sr. Roberto Requião (PMDB-PR) - Senador José Eduardo Dutra, faço o aparte apenas para sustentar sua linha de raciocínio. A justificativa semi-oficial - já que nada mais é oficial no Brasil, porque, quando não existe governo, não existe nada oficial -, é que o Sr. Francisco Lopes foi defenestrado, foi uma espécie de “viúva Porcina”, que foi sem nunca ter sido, pois não chegou a tomar posse no Banco Central. Cinco dias depois de aprovado no plenário do Senado foi demitido sem ter sido nomeado. É algo estranhíssimo. No entanto, semi-oficialmente foi afastado do Banco Central porque havia queimado recursos do Banco do Brasil na sustentação do dólar. Coisa que o Governo fez ontem, sem nenhum sucesso. Então, estava na hora de, pelos mesmos motivos, colocar na rua o Sr. Armínio Fraga.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Muito obrigado, Senador Roberto Requião.

Continuando, primeiramente houve minha perplexidade, diante dos argumentos que ora exponho. Em segundo lugar, a indignação pela forma com que o Governo tratava o Senado da República, pois o Constituinte de 1988, ao escrever em nossa Constituição que, dada a importância do cargo que ocupariam, a indicação de algumas autoridades deveria ser precedida por uma sabatina e pela aprovação no plenário do Senado. O objetivo não foi apenas o de estabelecer uma mera formalidade, mas, infelizmente, essa prática está-se tornando uma rotina nesta Casa.

O surpreendente é que a Comissão de Assuntos Econômicos sabatinou o Dr. Francisco Lopes na terça-feira da última semana de janeiro. Na quinta-feira posterior, seu nome foi aprovado neste plenário; e, na segunda ou terça-feira da semana seguinte, fomos surpreendidos com seu afastamento. Alguns setores da imprensa alegam que a causa foi aquela sexta-feira da especulação, um dia após a aprovação do nome pelo Plenário. No entanto, segundo a jornalista Míriam Leitão, de cuja orientação econômica podemos discordar, embora reconheçamos que se trata de uma profissional muitíssimo bem informada, a decisão acerca da substituição do Dr. Francisco Lopes pelo Dr. Armínio Fraga foi tomada na quarta-feira, antes, portanto, da aprovação do nome do Dr. Francisco Lopes pelo Plenário do Senado.

Não direi que papel fez o Senado da República porque poderia usar uma palavra anti-regimental, e o Presidente mandaria retirá-la dos Anais. Mas cada Senador pode pensar que termo poderia ser utilizado para designar o desempenho do Senado no episódio.

Antes da sabatina com o Dr. Armínio Fraga - infelizmente, o Presidente não acatou a questão de ordem levantada ontem pelo Senador Roberto Freire -, o Senado e, particularmente, a Comissão de Assuntos Econômicos teriam, no mínimo, a obrigação de convocar o Ministro Pedro Malan para explicar por que alguém que havia sido indicado, precedido dos mais altos elogios como figura competente e capaz de, na condição de Presidente do Banco Central, ser o guardião da nossa moeda, foi afastado de forma tão surpreendente. Lamentavelmente, a maioria na Comissão de Assuntos Econômicos decidiu ser dispensável a convocação do Ministro. Assim, vamos sabatinar o Dr. Armínio Fraga na próxima sexta-feira.

Há mais de dez anos, o Congresso Nacional, de forma cíclica, com espasmos, discute a necessidade de se acabar com essa relação promíscua entre o Banco Central e as instituições privadas. Esta Casa aprovou, há dez anos, o projeto do então Senador Itamar Franco estabelecendo tanto a quarentena posterior à saída como a anterior à assunção ao cargo, de forma a evitar o que acontecerá caso o nome do Dr. Armínio Fraga seja aprovado - alguém que, num dia, estava de um lado do balcão passar para o outro na manhã seguinte.

Quando se anunciou o nome do Dr. Armínio Fraga, alguns Senadores da base governista, talvez tentando “dourar a pílula”, manifestaram-se pela aprovação do nome do Dr. Armínio Fraga e, concomitantemente, da quarentena, para que ele não pudesse voltar ao sistema financeiro privado depois de deixar o cargo de Presidente do Banco Central.

O Dr. Armínio Fraga já foi Diretor do Banco Central, inclusive, após a aprovação do Projeto de Lei por esta Casa. Como ainda não se tratava de lei, alguns poderão dizer que não havia obrigação de cumprir a determinação. De antemão, já há um questionamento de natureza ética que deveria ser feito ao Dr. Armínio Fraga, visto que, no dia seguinte ao seu afastamento da Diretoria do Banco Central, passou a ser assessor de um grande fundo de investimento - um eufemismo para um especulador.

Os argumentos dos setores do Governo acerca da indicação do Dr. Armínio Fraga foram absolutamente risíveis, se não fossem trágicos. Deduziram que, por ser um especialista em especulação, ele é a pessoa indicada para assumir a Presidência do Banco Central. Essa perigosa afirmação fere a inteligência e coloca um tal grau de cinismo nas relações públicas deste País que acaba contribuindo para incentivar essa promiscuidade entre os sistemas financeiros público e privado, principalmente num momento em que, segundo os jornais, o Dr. Armínio Fraga - na prática, já exercendo o cargo de Presidente do Banco Central - defende o câmbio livre, com a possibilidade de ações no sentido de regular o mercado.

Com isso, aumenta-se de forma exponencial o risco da utilização de informações privilegiadas, o famoso inside information. Quando as regras são claras com antecedência, sabe-se que o Banco do Central intervirá, como no caso das bandas, quando o dólar ultrapassar a faixa superior ou inferior da banda. A informação acerca de até que ponto o câmbio é livre pode render milhões de dólares para os bancos.

Aliás, existem algumas coincidências neste nosso País. Em 1995, apresentei alguns dados que mostravam um movimento muito suspeito de alguns bancos anteriormente àquela desvalorização ocorrida em abril daquele ano. Na ocasião, o Presidente da República e as autoridades da equipe econômica estiveram contra minhas afirmações, alegando que aqueles dados não significavam nada, que eram trabalho de pessoas despreparadas, ignorantes e que não entendiam os números. Não sei se os Srs. Senadores estão lembrados daquele episódio.

Depois, o Ministério Público, de posse daqueles dados, abriu inquérito. Numa conversa com o responsável no Distrito Federal por esse processo, foi-me relatada a dificuldade do Ministério Público em investigar questões relativas ao Branco Central, visto que as informações não são passadas ao Ministério Público sob a alegação de - pasmem - sigilo bancário. Muitas vezes, solicita-se alguma informação, e o Banco Central encaminha outro tipo de dados. É bastante difícil, pois, provar um vazamento de informação, mesmo que haja alguns indícios.

O Deputado Aloizio Mercadante, ontem, no plenário da Câmara, apontou alguns bancos que tiveram movimentação bastante suspeitas no período antecedente a essa nova desvalorização. Se compararmos a lista do Deputado Aloizio Mercadante, divulgada ontem, com a lista que apresentei há quatro anos, vamos verificar que ali estão o Matrix, do Dr. André Lara Resende e do Dr. Mendonça de Barros; o ING; e o Pactual. Será que essa é uma coincidência? Pode até ser, mas, com certeza, a presença no Banco Central de alguém que estava do outro lado do balcão - principalmente neste regime de livre flutuação suja, como eles dizem; a flutuação é livre, mas até certo ponto - vai deixar um grau de suspeita muito grande todas as vezes em que houver mudança do câmbio, o que é ruim para a economia brasileira.

Ilustrei algumas coincidências dessa relação promíscua entre o público e o privado quando fiz referências ao Matrix, correlacionando este episódio com um outro que, até o momento, também não foi apurado: é o referente à questão do leilão das Teles.

Mas o engraçado é que, em 1995, na Banda, o Presidente do Banco Central era o Sr. Pérsio Arida. Entre os bancos que fizeram movimentações suspeitas, estava o Matrix, que era de Mendonça de Barros e de André Lara Resende. Passam-se três anos, e se trocam as figurinhas: Mendonça de Barros e André Lara Resende deixam o Matrix e vão para o Governo, um na condição de Ministro das Comunicações e o outro na condição de Presidente do BNDES. Surgem indícios, gravações ou atuações muito suspeitas de uma relação de favorecimento do Opportunity, que é do Sr. Pérsio Arida, que, há três anos, estava do lado de dentro do balcão e, depois, passou para o lado de fora.

Pode-se dizer que isso é ilação, que isso é imaginação fértil da Oposição que quer apenas criticar. Mas nos lembremos de que coincidência, na verdade, não existe. O que se chama de coincidência é analisado matematicamente no campo das probabilidades. E surgiram tantos elementos e tantos dados que apontam sempre para uma coincidência aqui e outra lá, mas sempre os mesmos estão envolvidos seja do lado de dentro, seja do lado de fora do balcão.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, embora eu entenda que é fundamental aprovarmos a lei da quarentena e algum tipo de mecanismo que iniba esse grau de promiscuidade entre o público e o privado do Brasil, não podemos, em nome da possibilidade de no futuro ser aprovado esse projeto de lei, aprovarmos o nome do Sr. Armínio Fraga já que vamos aprovar o projeto de lei que vai impedir isso.

A tendência natural é a que aconteceu em diversas outras vezes: a partir do momento em que se aprovar o nome do Sr. Armínio Fraga, esfriar-se-á a discussão sobre a quarentena, como vem acontecendo há 10 anos no Congresso Nacional.

No meu entendimento, não podemos nos render à lógica que está querendo nos ser imposta. As decisões desta Casa sempre são tomadas de olho no mercado: deve-se aprovar a contribuição previdenciária dos inativos, porque o mercado está querendo; deve-se aprovar o nome do Sr. Armínio Fraga, porque o mercado está querendo, quando sabemos que esse bicho chamado mercado é muito voraz e volúvel. Os próprios dados demonstram que o Congresso faz tudo o que o mercado diz querer e que, no entanto, o mercado quer cada vez mais. A aprovação da contribuição dos inativos na Câmara foi um grande sinal para o mercado, mas, no dia seguinte, saíram do País R$4 bilhões das nossas reservas, mais do que estava sendo arrecadado com a contribuição dos inativos.

Lembro, inclusive, que o que se dizia quando o Sr. Armínio Fraga estava sendo indicado era o seguinte: “Não vamos sabatinar o Sr. Armínio Fraga - esta foi a estratégia do Governo -, porque ele vai entrar. Como o mercado gostou da indicação do seu nome e como ele é do ramo, o mercado vai se acalmar, o dólar vai cair. Assim, quando ele for sabatinado, o seu nome já estará consagrado, porque a simples sua indicação e nomeação como Assessor Especial de Economia do Sr. Pedro Malan já fez com que o mercado se acalmasse”. Inclusive, esse foi o motivo pelo qual o Senado Federal não se reuniu durante o período do recesso branco.

Agora o dólar já chega à casa dos R$2,00; não sei qual é a sua cotação de hoje, mas ontem já fechou em mais de R$2,00. Então, decidem marcar a sabatina para a próxima sexta-feira, porque o mercado quer que o Senado vote nesse dia, para que não aconteça o que houve naquela última sexta-feira de janeiro. É dito que é preciso votar para se atender ao “deus mercado”. E o Congresso vai continuar atendendo ao “deus mercado”, passando por cima de uma discussão que não pode cair no cinismo que vem ocorrendo nas intervenções da base governista e das autoridades econômicas.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Concedo o aparte a V. Exª com muito prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª vem expondo, sobretudo, preocupações de natureza ética e também preocupações relativas às políticas monetária e cambial, que estarão sendo objeto de uma das audiências mais importantes que o Senado Federal realizará nesta sexta-feira, quando será apreciado o nome do Sr. Armínio Fraga Neto, indicado para a Presidência do Banco Central do Brasil. Há pouco, o Senador Roberto Requião revelou episódios da vida do Sr. George Soros, responsável pelo Fundo Soros, do qual foi Gerente-Geral o Sr. Armínio Fraga Neto desde janeiro de 1993 até o último dia 1º. Até a próxima sexta-feira, ainda teremos que nos debruçar um pouco mais sobre a relação entre George Soros, a natureza de seu Fundo, a sua própria vida e a maneira como ao longo desses últimos seis anos Armínio Fraga Neto interagiu com George Soros e o Fundo. Estaremos nos preocupando com decisões que o gerente daquele Fundo tomou, as quais, por vezes, levaram as economias da Ásia a enfrentarem dificuldades ainda maiores. Tem havido um grande debate sobre as respostas do Sr. George Soros às observações do Primeiro Ministro da Malásia de que o seu Fundo teria sido responsável em suas ações pela desestabilização da economia daquele país. Soros disse que ele não teria sido tão responsável e que as dificuldades decorreriam mais da própria forma como foi conduzida a economia da Malásia. O Senador Roberto Requião mencionou que, em diversas oportunidades, Armínio Fraga Neto foi à Tailândia e procurou observar e verificar que decisões iria tomar com respeito aos objetivos de maximização de resultados para o Fundo Soros. Mas há um outro aspecto interessante para o qual devemos estar atentos. Senador José Eduardo Dutra, por ocasião do seminário realizado na Universidade de Oxford sobre a história do Partido dos Trabalhadores e os destinos da Esquerda na América Latina, onde estiveram presentes Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-Governador Cristóvam Buarque, o ex-Prefeito Tarso Genro, eu próprio e outras pessoas, ali estava presente Alfred C. Stepan, que se tornou famoso com um dos estrangeiros que mais conhecem a história brasileira, sobretudo no que diz respeito ao regime militar. Eis que Alfred Stepan me relatou que foi reitor de uma universidade do centro da Europa, em Budapeste, que tem como seu principal financiador o Sr. George Soros. Alfred Stepan me relatou um aspecto interessante que eu não conhecia bem, mas que ele, por conviver com George Soros, conheceu bem. Explicou-me ele que George Soros tem uma grande participação em atividades políticas, inclusive no que diz respeito a atividades para derrubar ditaduras. Ele, por exemplo, abertamente, hoje já se sabe, contribuiu para que fossem modificados os regimes do Leste europeu, que ele considerava não democráticos. Ele contribuiu também para a derrubada de Pinochet, no Chile, avançando fundos, inclusive clandestinamente, para os movimentos que derrubaram, ou melhor, mudaram, não derrubaram porque Pinochet acabou saindo de lá com muito poder. Foi uma convivência lá. Não houve uma derrubada total; ele ainda permanece com poderes, é até Senador vitalício. Mas também disse-me Alfred Stepan que George Soros contribuiu com fundos para a queda do apartheid na África do Sul. Portanto, deve ter contribuído para o CNA. Fiquei pensando que será extremamente interessante se Armínio Fraga Neto nos revelar as contribuições que George Soros possa ter dado para movimentos políticos na América Latina. Obviamente, o que vem à mente é em que medida terá o Sr. George Soros contribuído eventualmente para a campanha do Senhor Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. E como é do seu procedimento por vezes contribuir abertamente, de forma transparente, e outras vezes de forma clandestina, seria importante sabermos isso de forma completa. Espero que o Sr. Armínio Fraga Neto saiba responder a essa pergunta na próxima sexta-feira.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Realmente seria muito interessante se o Sr. Armínio Fraga se dispusesse a responder a essa pergunta. Todos nós já sabemos o tipo de resposta que ele dará. Mas mesmo o tipo de resposta que eu aposto que ele vai dar já servirá, a meu ver, para a nossa reflexão se ele deve ou não ser indicado, que é a duplicidade de éticas. Com certeza ele dirá que está eticamente impedido de revelar esses fatos já que foi funcionário do Fundo Soros e agora, não sendo mais, não seria eticamente recomendável que desse essas informações. No entanto ele vai para o Banco Central. Aí fica outra pergunta: na escolha das éticas, qual a que o Sr. Armínio Fraga vai optar? Ou ele vai optar por aquilo que o Senador Jefferson Péres, de forma brilhante, na sua interpelação ao Dr. Mendonça de Barros usou “a ética de resultados”, já que existe sindicalismo de resultados, política de resultados, de repente agora está-se criando a ética de resultados, como disse o Senador Jefferson Péres.

Parece que este é um caminho que quanto mais se rebusca e se levantam essas diversas variantes que existem nos demonstra que a discussão não pode ser reduzida àquele aspecto cínico que nos foi colocado quando da indicação do Sr. Armínio Fraga: ele é um especialista, conhece as mutretas, ou, como disse, se não me engano, o Senador Jader Barbalho, ele é o diabo do mercado financeiro - então agora o diabo está do nosso lado e, como Deus é brasileiro, vamos ter Deus e o diabo ajudando o Brasil neste momento.

Penso que esses aspectos levantados pelos Senadores Suplicy e Roberto Requião hoje demonstram que o Senado, particularmente nessa sabatina, não pode, de forma alguma, se comportar como o fez em sabatinas anteriores; não só em sabatinas como em debates na Comissão.

Essa indicação do Sr. Armínio Fraga não é uma indicação de juiz classista, que também é precedida por uma sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania - aliás, como todos sabem, a minha posição é acabar com os juízes classistas, e conseqüentemente acabar com as sabatinas -, mas não podemos nos comportar, neste momento, encarando a sabatina e a decisão que está nas mãos do Senado, nas mãos dos Srs. Senadores eleitos pelo povo dos diversos Estados do Brasil, como se fosse uma mera formalidade que temos que cumprir porque a Constituição nos obriga.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Valadares e, em seguida, concluirei o meu discurso, Sr. Presidente.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB-SE) - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª aborda muitos aspectos importantes, inclusive a indicação, num ambiente de total suspeita, do ex-assessor do megaespeculador George Soros, e naturalmente na próxima sexta-feira todo o Brasil estará acompanhando essa famosa sabatina, quando todos nós nos empenharemos, principalmente os Senadores da Oposição, no sentido de que o indicado possa esclarecer em todos os pormenores como deverá agir se por acaso o Senado Federal aprovar seu nome. É que, a essa altura dos acontecimentos, já desconfio que a tática do Governo Federal teria sido a de estancar a sangria dos investidores internacionais com a simples indicação desse especialista em câmbio internacional, Sr. Armínio Fraga. Como a tática não deu resultado, quem sabe hoje o Sr. Armínio Fraga esteja sendo colocado numa situação bastante constrangedora ao ponto de eu próprio estar desconfiado de: Como um homem que ganha mais de US$500 mil anuais se dispõe vir a ser um assessor do Governo Federal ganhando menos de R$8 mil por mês? É uma pergunta interessante. No livro A Crise do Capitalismo, o autor, George Soros, fala da diferença de atuação entre o político e o empresário na área da especulação financeira. Enquanto o político visa ao bem-estar da comunidade, o empresário visa exclusivamente ao lucro, mesmo que para obtê-lo venha provocar a fome e a miséria nos países menos desenvolvidos, como é o caso do nosso Brasil. Uma pergunta interessante a ser feita ao Dr. Armínio Fraga: por que veio ao Brasil?. Ele foi chamado ao Brasil, quem sabe, numa hora de despreparo, de desespero, de descontrole do Governo em relação à sua política monetária. Esse homem se dispõe a ser Presidente do Banco Central, percebendo um salário que todo mundo sabe ser pequeno - no setor público, existe o montante, mas existem os descontos, então quase 50% do seu salário reverterá para contribuição previdenciária, Imposto de Renda, CPMF. Assim, se perceber R$8 mil como salário, vai receber, na verdade, R$4 mil. Ora, um homem que ganhava mensalmente por serviços prestados ao megaespeculador mundial George Soros uma quantia fabulosa, dispõe-se a ganhar uma quantia tão ínfima quanto esta! Aí está a diferença entre o político e o empresário do ramo da especulação. O político luta pelo futuro do seu Estado, do seu País, sem nenhum interesse econômico, sem nenhum interesse financeiro. E esse homem, que se acostumou a ganhar tanto dinheiro fácil, inclusive quebrando nações mais pobres, como aconteceu na Ásia, vem ao Brasil para servir ao Banco Central e ganhar essa miséria. Penso que essa pergunta tem que ser feita na sabatina do Sr. Armínio Fraga, para a qual estou inscrito. No entanto, como sou apenas suplente na Comissão de Assuntos Econômicos, sou dos últimos da lista. Se V. Exª chegar a sabatiná-lo, seria importante que perguntasse o porquê de tanta brasilidade de última hora. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares.

A sugestão de V. Exª é muito importante. Realmente, trata-se de uma importante indagação a ser feita ao Sr. Armínio Fraga. Não sei se poderei formulá-la porque também estou inscrito entre os últimos oradores da lista. Contudo, é bem provável que algum Senador a faça.

Todos sabemos que o Sr. Armínio Fraga é um especialista em mercado. Arrisco-me a dizer que sua vinda para o Banco Central se traduz num investimento no mercado futuro.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/02/1999 - Página 3561