Discurso durante a 155ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS A MIDIA E A AUSENCIA DE ETICA NO JORNALISMO BRASILEIRO.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. SAUDE. :
  • CRITICAS A MIDIA E A AUSENCIA DE ETICA NO JORNALISMO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/1999 - Página 30136
Assunto
Outros > IMPRENSA. SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, BRASIL, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÃO, OBJETIVO, LUCRO, ESPECIFICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EPOCA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIVULGAÇÃO, HOMICIDIO, CENTRO COMERCIAL.
  • DENUNCIA, FALTA, ETICA, PROPAGANDA, ENTIDADE, INDUSTRIA FARMACEUTICA, OPOSIÇÃO, MEDICAMENTOS, MARCA GENERICA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a falar, desta tribuna, sobre a minha convicção e minha fé no aperfeiçoamento da sociedade em todo o Planeta. Tenho a expectativa, a esperança de que, algum dia, seremos pessoas pacíficas, de que todos possuirão um trabalho e poderão ganhar a vida, de que a democracia prevalecerá, de que se fará a vontade da maioria e de que haverá justiça para todos. Trata-se de um longo caminhar, de um processo de aperfeiçoamento que vem se dando através dos séculos.

Gostaria de dar alguma contribuição, fazendo críticas a segmentos importantes nesse processo de aperfeiçoamento da nossa sociedade. Quero, hoje, fazer um comentário e uma crítica à mídia brasileira.

Entendo que a mídia brasileira se tornou, de certa forma, um monopólio das elites, dos dirigentes políticos deste País que usam o seu poder muito mais para ganhar dinheiro, para se impor diante dos próprios governos, chantageando-os, impondo-lhes posições do que para servir à sociedade brasileira.

Trago a esta sessão exemplares desta semana das três mais importantes revistas semanais do nosso País. E, coincidentemente ou talvez por entender que o povo brasileiro se alimenta de fatos como o ocorrido na semana passada, as três revistas colocam em suas capas o estudante de Medicina que metralhou cidadãos num cinema do shopping em São Paulo. A IstoÉ traz a fotografia do Matheus na sua capa, bem como a Veja e a Época, esta última denominando-o “o exterminador solitário”.

Sr. Presidente, o interessante é que a revista IstoÉ reproduz entre aspas uma frase do infeliz indivíduo que resolveu levar uma metralhadora para matar pessoas num cinema, exatamente quando ele diz: “Eu ia comprar uma granada, mas achei que a metralhadora ia dar mais impacto na mídia.”

O que queria esse infeliz? Ele queria notoriedade, queria ser conhecido. Talvez pelos seus desequilíbrios emocionais, por erros na sua criação, ele se sentisse um desamparado e precisasse, sob qualquer circunstância, tornar-se um homem conhecido, ainda que isso lhe custasse a reclusão em uma cadeia pelo resto da vida. Então, ele promoveu aquela ação. Está evidente que seu interesse era aparecer na mídia.

Lamentavelmente, as três principais revistas do nosso País colocam, em suas capas, a figura desse infeliz. O que essas revistas pensam do povo brasileiro? Que o povo se alimenta desse tipo de matéria? Que o povo é despreparado e inconseqüente? As três principais revistas fazem exatamente aquilo que o infeliz queria que elas fizessem. São revistas que têm até alguma coisa que se aproveite, pois noticiar fatos é importante. Contudo, usar a mídia, o poder de informar com o intuito exclusivo de ganhar dinheiro é crime, e a forma como isso foi feito não deixa de ser um incentivo a que mais e mais infelizes, psicopatas, desamparados, solitários iguais a este queiram repetir a dose.

Pergunto-me, Sr. Presidente: se Veja, IstoÉ, Época, revista da Globo, queriam tanto chamar a atenção para o fato, por que não ilustraram a capa com os mortos, ou os pais, os irmãos, os filhos ou os namorados das pessoas assassinadas? Por que não retrataram com mais ênfase o sofrimento dessas pessoas, diante da atitude psicopata desse indivíduo? Não, Veja, IstoÉ e Época fizeram questão de atender ao chamado, ao desejo desse infeliz, como quem diz: vamos promover e incentivar outros, fazer com que tomem atitudes iguais à dele, porque isso vende, produz revista, faz o povo se interessar para comprar, ler e conhecer a história desse infeliz.

Quero, portanto, condenar a atitude dessas revistas. Acredito ser um ato de inconseqüência, de irresponsabilidade, de incoerência e de desrespeito ao povo brasileiro. Lembro-me de que, quando um indivíduo, com a mesma mentalidade do Mateus da Costa Meira, matou John Lennon, ex-integrante dos Beatles, um dos homens mais conhecidos e famosos de todo o planeta, seu único intuito era ser conhecido, tornar-se famoso. A forma que encontrou foi matando uma das figuras mais queridas da humanidade neste século que finda. Nos Estados Unidos, um país capitalista, onde a ganância prevalece sobre tudo, a mídia foi mais cuidadosa do que está sendo hoje a mídia brasileira. Esse cidadão que matou John Lennon, assim como aquele louco que atirou no ex-Presidente Ronald Reagan, tinham o único objetivo de se tornar conhecidos. A mídia não estampou a face desse cidadão, não a mostrou aos americanos, como está fazendo a mídia brasileira. Hoje, desafio quem lembre o nome do cidadão que matou John Lennon; desafio quem lembre o nome do cidadão que tentou assassinar o ex-Presidente Ronald Reagan nos Estados Unidos. Lá, a mídia é mais cuidadosa, apesar de recentemente terem tido muita violência. Basicamente, essa violência vem do próprio cinema, dos jogos de videogame e da má-formação da estrutura familiar, que existe em maior intensidade nos países chamados capitalistas, onde há um determinado cuidado e um receio da imprensa em promover esses psicopatas.

           As revistas brasileiras, lamentavelmente, cometem esse erro. Como se fez agora com Mateus, pouco tempo atrás se fez com aquele motoboy, que assassinou várias moças e também foi capa das nossas principais revistas.

Deixo, aqui, essa crítica e essa mensagem aos dirigentes dessas revistas e chamo a atenção para mais um fato. A revista IstoÉ, no seu interior, traz uma propaganda -- que entendo ser muito cara, Sr. Presidente -- em um encarte com uma faixa vermelha, dizendo: “Procure o anúncio com a caixinha de remédio antes que você seja enganado”. Logo adiante, vem uma página com uma caixa de remédio e uma carta dentro da revista. É uma propaganda enganosa da Abifarma - Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas -, que tem, Senador Lauro Campos, 96% de capital estrangeiro. Não se trata de empresas brasileiras, de donos brasileiros, de capital nacional; são, em quase sua totalidade, empresas de capital estrangeiro.

O Congresso Nacional, recentemente, colocou o Brasil no patamar dos países do Primeiro Mundo, onde os medicamentos são vendidos pelo nome da substância básica da sua ação, e não pelo seu nome-fantasia, como acontecia no Brasil.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA) - Ouço V. Exª com muito prazer, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Agradeço muito, Senador Ademir Andrade, esta oportunidade de somar a minha palavra modesta, vacilante, ao pronunciamento de V. Exª a respeito desse quadro degradante que foi sendo pintado no Brasil ao longo dos últimos anos. A nossa insensibilidade, o nosso egoísmo, o nosso individualismo, permitiu que esse quadro dantesco fosse sendo desenhado neste País. Fomos nos acostumando à violência, e a nossa covardia e o nosso egoísmo fizeram com que, desde que não seja comigo ou com os meus, o resto não me interessa. Durante tantos anos pensei e meditei sobre essa violência. Agora, por exemplo, vejo que, dos recursos das dotações orçamentarias para as penitenciárias, parece que até agora apenas 7 ou 8% foram utilizados. Esse sistema não gasta nem com saúde nem com as próprias pessoas que ele próprio deforma e transforma em marginais e assassinos. Não gasta porque isso não rende nada. É um sistema voltado e conduzido pela prioridade máxima: o lucro e a maximização do lucro. Como a recuperação dos nossos irmãos não dá lucro monetário, uma receita satisfatória, as prioridades são outras. As nossas prioridades, aquelas que as cabeças conscientes tentam colocar no papel e nas leis, essas não chegam a um mundo real, porque este mundo tem prioridades que ele próprio escolhe. A lógica do capital, a lógica do sistema, a sua perversidade escolhe as suas prioridades. Por exemplo, qual é a prioridade do governo norte-americano? Será a saúde, a educação, a pesquisa, a cultura? Nada disso! Só durante a Guerra Fria, foram gastos U$13 trilhões! A prioridade lá é essa, e acabou. Tanto foi essa durante a Guerra como durante a Guerra Fria. De modo que essa agressividade do sistema, que se manifestou, por exemplo, em 344 guerras entre 1740 e 1974, naquelas 76 guerras a que se refere Eric Hobsbawn no seu livro “O breve século XX”, essa agressividade está aí, está também no nosso sistema educacional, na nossa cultura. Jeremy Bentham ensina que “o meu eu é tudo, e, diante dele, o resto do mundo não vale nada.” Se o sistema afirma isso e afirma que o mercado paga a cada um o que é justo, e o sistema dá U$70,00 por mês e dá a 1.300.000.000 de pessoas U$1,00 por dia, o que esse sistema está dizendo? O seu eu vale U$1,00 por dia, o seu eu vale R$120,00, o salário mínimo. Se o meu eu só vale isso, o eu do próximo vale muito menos, porque eu sou tudo; é o que me ensina esse sistema, essa pedagogia infernal, desumana. Então, o que ocorre? Se a minha vida vale tão pouco, eu posso tirar a vida do próximo por um par de sapatos, por um par de tênis, por uma bicicleta, por qualquer motivo, por R$10,00. Não adianta educar, porque o nosso sistema deseduca! Temos de sofrer transformações muito mais profundas. Agradeço muito pela oportunidade que me deu e parabenizo V. Exª pelas observações feitas. Os órgãos da nossa imprensa não pagam mais os artistas: os bandidos viraram artistas nessa promiscuidade fantástica; vão as câmaras de televisão acompanhando os artistas gratuitos, os bandidos assaltando, assassinando e ocupando o espaço, o tempo da televisão, com essas cenas fantásticas e principalmente gratuitas, que dão muito dinheiro e muita audiência. Muito obrigado.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB - PA) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos. Concordo com V. Exª, mas continuo com a minha fé de que todos podemos contribuir para corrigir esses erros e aperfeiçoar as nossas relações sociais.

Sr. Presidente, quero ater-me também à falta de ética da nossa imprensa. Entendo que a revista IstoÉ não poderia publicar uma propaganda mentirosa e enganosa como essa da Abifarma, que, cinicamente, tem como slogan da sua propaganda: “O nosso compromisso é com a sua saúde”. Imaginem V. Exªs a Abifarma escrever no seu slogan que o seu compromisso é com a nossa saúde! Na verdade, todos sabemos - e temos consciência disso - que o compromisso da Abifarma é com o bolso dos seus donos, com o bolso dos industriais dos medicamentos e com o bolso dos estrangeiros que são proprietários das indústrias de remédios produzidos em nosso País.

Os genéricos existem nos países mais desenvolvidos do mundo. O Congresso Nacional conseguiu, depois de várias décadas de luta, aprovar uma lei estabelecendo que o medicamento deve ser fornecido na farmácia com o nome da substância que lhe dá atividade. Existem, em alguns casos, mais de vinte produtos com nomes diferentes cujas substâncias são absolutamente as mesmas. Isso gera a concorrência, a queda do preço do medicamento e a diminuição do lucro exorbitante dos industriais farmacêuticos estrangeiros residentes em nosso País.

Por isso, a Abifarma agora leva para a rua uma campanha cínica e mentirosa contra os genéricos. Que ela o faça no interesse do bolso dos seus donos até se aceita. Mas uma revista como a IstoÉ, um órgão de imprensa, não poderia, em virtude de um compromisso ético com a sociedade, publicar com tanta importância e destaque uma propaganda mentirosa, cínica, enganosa e safada como essa da Abifarma.

Sr. Presidente, é esse fato que venho condenar. Se o Governo brasileiro, por meio do Ministério da Saúde, não tomar as providências que deve tomar contra essa entidade que quer enganar o povo, que não quer baixar o preço dos remédios em nenhuma circunstância, que quer o lucro fácil, nós, particularmente com os nossos advogados e com os nossos assessores, tomaremos as providências cabíveis, de acordo com a Constituição brasileira, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, porque não aceitamos uma propaganda cínica, mentirosa como essa.

Lamentamos profundamente que uma conceituada revista como a IstoÉ coloque de maneira destacada, em encarte, apenas pelo dinheiro que recebeu da Abifarma, que obtém lucro fácil com os medicamentos caros vendidos nas farmácias, uma propaganda mentirosa, aética como essa. Lamento profundamente pela direção da revista, tão importante como o são todas as outras.

Peço que os editores reflitam ao montar as capas da revista. Por que promover um infeliz psicopata como esse? Outros haverão de querer seguir-lhe o exemplo para também serem capas de revista.

Era essa, Sr. Presidente, a manifestação que eu gostaria de fazer no dia de hoje.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/1999 - Página 30136