Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REGISTRO DE DENUNCIAS FEITAS PELO MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA. CONGRATULAÇÕES AO POVO CUBANO PELO RETORNO DO MENINO ELIAN GONZALEZ AQUELE PAIS.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • REGISTRO DE DENUNCIAS FEITAS PELO MOVIMENTO NACIONAL DE MENINOS E MENINAS DE RUA. CONGRATULAÇÕES AO POVO CUBANO PELO RETORNO DO MENINO ELIAN GONZALEZ AQUELE PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/2000 - Página 14209
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • CONTRADIÇÃO, PROGRESSO, CIENCIAS, GENETICA, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, CRIANÇA, MISERIA, REGISTRO, DADOS, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), REFERENCIA, ESCOLARIDADE, MORTALIDADE INFANTIL, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.
  • SOLIDARIEDADE, ENTIDADE, MENOR ABANDONADO, ESTADO DE ALAGOAS (AL), REIVINDICAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, APURAÇÃO, VIOLENCIA, INJUSTIÇA.
  • CRITICA, GOVERNO, INEFICACIA, POLITICA SOCIAL, AUSENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA.
  • SAUDAÇÃO, SOLUÇÃO, CONFLITO, RETORNO, MENOR, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA.

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT – AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço uma comunicação sobre denúncias feitas pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua não apenas do meu Estado, mas do Brasil, muito especialmente em relação a Alagoas.  

Falar sobre a situação da criança e do adolescente no Brasil é algo extremamente complexo. Embora sempre esteja nos discursos oficiais e eleitorais, certamente a criança é uma simbologia nos discursos eleitorais. Ora a criança é o futuro da Nação, ora é o significado de uma alternativa de desenvolvimento econômico e social do futuro.  

Em alguns povos indígenas, especialmente no norte do País, o velho é considerado o dono da história, o índio o dono da aldeia, e a criança a dona do mundo, o que significa que a criança, sem dúvida, mexe com mentes e corações espalhados pelo mundo.  

E existem fatos que se tornam alarmantes quando continuam ocorrendo no ano 2000, na entrada do novo século.  

Nos últimos meses, acompanhamos notícias de equipes de cientistas que buscavam decifrar o código genético. Nas últimas semanas, como que com hora marcada, pois a notícia já havia sido anunciada há alguns meses, um grupo de cientistas, inclusive brasileiros, trabalhavam a fim de decifrar o código genético.  

É inadmissível. Não podemos aceitar que uma sociedade capaz de decifrar o código genético e causar uma revolução no mundo da ciência continue matando suas crianças com a barbárie da miséria. Todos sabemos o significado de decifrar o código genético e as gigantescas possibilidades para a Ciência. Trata-se de um conhecimento que pode revolucionar a Medicina, que permite entender o estudo das causas e o tratamento das doenças, o funcionamento da estrutura biológica e a suscetibilidade para algumas doenças. Sem dúvida, é um marco no mundo da ciência. E como é que podemos justificar que, ao mesmo tempo em que erigimos um marco do ponto de vista conceitual, algo que representa uma belíssima revolução no campo da ciência, no campo da medicina, as nossas crianças - estruturas anatomofisiológicas muito mais sensíveis - continuem sendo assassinadas pela barbárie da miséria?  

Reconhecemos o mérito de muitas legislações que já foram feitas. Todos lembram da reunião da Cúpula Mundial pela Infância, que aconteceu em 1990, em Nova Iorque, que levou vários países, inclusive o Brasil, a assumir compromissos de garantir a sobrevivência, o desenvolvimento e a proteção de todas as crianças e adolescentes do país por meio de um plano nacional para operacionalizar de maneira eficaz e eficiente a Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente. Assumiu-se o compromisso de transformar uma normativa internacional em realidade no cotidiano das crianças e dos adolescentes de todo o mundo, com resultados concretos e mensuráveis em cada país. Essa é uma obrigação de todos nós.  

O Congresso Nacional – e por seu intermédio, o país -, ainda em 1990, conquistou uma legislação que, sem dúvida, é uma verdadeira declaração de amor à criança e ao adolescente brasileiro. Refiro-me ao Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei que se propõe a garantir a proteção integral da criança e do adolescente. Essa lei introduziu aspectos doutrinários e conceituais totalmente novo, diferentes dos preceitos legais até então em vigor.  

Diante desse avanço, no entanto, é inevitável a pergunta: o que é que efetivamente tem sido feito pelas crianças e pelos adolescentes do nosso Brasil depois de tantas conquistas do ponto de vista legal? Ainda existe um gigantesco abismo entre o que existe e o que foi conquistado via lei; entre a teoria e a realidade de vida de milhares de crianças.  

Quem teve a oportunidade de analisar o relatório da situação mundial da infância que foi apresentado pela Unicef, pôde constatar facilmente a gravidade das condições de vida das crianças e dos adolescentes do mundo todo, mas muito especialmente dos países subdesenvolvidos.  

Na América Latina, os dados em relação à escolaridade demonstram que mais de 25% das nossas crianças abandonam os estudos antes de chegarem à 5ª série; as taxas de repetência altíssimas - as maiores do mundo estão no Brasil e na Guatemala, onde praticamente 20% das crianças apresentam taxa de repetência altíssima. Os índices de mortalidade infantil do nosso país são realmente altos e esse fato é ainda mais grave se levarmos em consideração que esses índices são estabelecidos a partir de médias nacionais. Se avaliarmos esses coeficientes à luz das desigualdades regionais, constataremos percentuais deploráveis, assombrosos em alguns estados e municípios do Brasil.  

É de se notar que todos esses fatos estão diretamente relacionados a pais analfabetos: dessas crianças que morrem, mais de 21% dos pais são analfabetos, mais de 30% possuem renda familiar inferior a meio salário mínimo per capita por mês.  

Ainda quanto aos dados referentes à escolaridade: apesar de 90% das crianças de alguma forma terem acesso às escolas - especialmente depois das modificações legais que fez com que muitos dos chefes do Executivo municipal passassem a olhar para as crianças com um cifrão nos olhos, pois sabem que representam algo mais sob o ponto de vista financeiro -, menos de 60% completam a 8ª série.  

Citarei alguns dados sobre o trabalho infantil. Vinte por cento das crianças, a partir dos dez anos, trabalham para ajudar suas famílias. Entre 15 e 17 anos o percentual sobe para mais de 46%. A classificação do Brasil é extremamente perversa, aliás, se já são perversas e abomináveis as frias estatísticas oficiais, imaginem o que elas escondem das histórias de vidas que estão sendo destruídas!  

Tenho absoluta certeza de que todos que aqui estão entendem a importância das experiências vividas na infância e na adolescência para que nos tornemos adultos conscientes. Por isso, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua de Alagoas solicita o empenho do Governo Estadual e Federal em relação à averiguação dos casos de violências e injustiças cometidos no Estado de Alagoas, especialmente nos último dois meses. A incompetência e a insensibilidade fazem com que o poder público seja incapaz de resgatar laços familiares, laços de parentesco de crianças que estão nas ruas. Além das crianças que estão nas ruas, há também as que perderam referências familiares sem estar nas ruas, já não sabem mais quem são suas mães, já não têm mais absolutamente nenhuma referência familiar.  

Em Alagoas temos observado várias casos de crianças que vêm sendo seqüestradas. Na última semana, o adolescente José Heleno da Silva, conhecido por todos que trabalham com as crianças de rua como "Labirinto", foi seqüestrado por ocupantes de determinado veículo. Várias testemunhas já se dispuseram a depor sobre o fato. Alguns meninos de rua que jogavam bola nas imediações do Mercado da Produção de Maceió, local onde moram porque não têm abrigo, não têm casa, foram assassinados, entre eles, Antônio Eduardo de Melo e André, que foi gravemente ferido.  

Todos que aqui estão têm netos, filhos, já foram crianças e adolescentes e sabem exatamente da gravidade da situação da criança e do adolescente. Sempre digo que se vivêssemos em um país que cumprisse a sua legislação relativa à assistência social, educação e saúde, se cumpríssemos a Constituição – segundo ela, é requisito irrenunciável para o estabelecimento de uma política econômica a soberania nacional -, com certeza, não estaríamos vivendo em um país que se ajoelha covardemente diante do Fundo Monetário Internacional, que financia a agiotagem e a orgia financeira internacional ao mesmo tempo em que deixa suas crianças, seus adolescentes e os 78 milhões de pobres e miseráveis simplesmente à mercê do que não existe, pois não existe mais aparelho de Estado no Brasil.  

Sr. Presidente, Srs. Senadores, faço esse apelo porque é inadmissível que possamos aceitar, especialmente nesta semana em que o mundo inteiro teve uma prova do que somos capazes – decifrou-se o código genético, uma revolução no mundo da ciência -, que o país continue matando suas crianças com a barbárie da miséria.  

Todos sabemos da importância da nossa infância, da nossa adolescência em relação ao adulto que nos tornamos. Essa consciência se choca diante das atitudes demagógicas do Governo Federal; qualquer pessoa de bom-senso que acompanhar a execução orçamentária sabe exatamente o tamanho da irresponsabilidade do Governo em relação às nossas crianças. Pelas estatísticas oficiais, mais de 1,5 milhão de crianças estão sendo vítimas diretas do trabalho infantil. As metas estabelecidas pelo Governo Federal não dão conta nem de 10% dessas crianças. Quando se observa a execução orçamentária, constata-se que a situação é muito pior. Isso para não falar da população-alvo, da estimativa que se tem em relação às famílias que deveriam estar sendo atendidas com os programas de renda mínima e com os programas de bolsa-escola. Isso também não é atendido porque o Brasil, infelizmente, é um gigante que se acovarda diante do Fundo Monetário Internacional. Quando fazemos uma comparação com Cuba, realmente é algo absolutamente vergonhoso.  

Nesse sentido, aproveitamos para, no final, também saudar o povo cubano, que ontem recebeu uma de suas crianças que não vive na miséria, uma de suas crianças que vive em moradia simples - é verdade - se a compararmos com o luxo, o consumismo imposto por uma cultura americana. Mas é uma criança que tem acesso à escola e à saúde pública gratuita de qualidade e que voltou ao seu lar depois de uma briga gigantesca. O povo cubano já é acostumado a isso, mas, mesmo sendo uma ilha pequena, Cuba vira um gigante. É o David enfrentando o Golias covarde: os Estados Unidos.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ga. 6 @ 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/2000 - Página 14209