Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

SOLIDARIEDADE A POPULAÇÃO DE RECIFE - PE, DIANTE DA CALAMIDADE PUBLICA PROVOCADA PELAS CHUVAS E ENCHENTES. HOMENAGEM AO JORNALISTA PERNAMBUCANO FALECIDO, BARBOSA LIMA SOBRINHO.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA. HOMENAGEM.:
  • SOLIDARIEDADE A POPULAÇÃO DE RECIFE - PE, DIANTE DA CALAMIDADE PUBLICA PROVOCADA PELAS CHUVAS E ENCHENTES. HOMENAGEM AO JORNALISTA PERNAMBUCANO FALECIDO, BARBOSA LIMA SOBRINHO.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2000 - Página 15517
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA. HOMENAGEM.
Indexação
  • APREENSÃO, CALAMIDADE PUBLICA, INUNDAÇÃO, MUNICIPIO, RECIFE (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ANUNCIO, AUXILIO, GOVERNO FEDERAL, SOLIDARIEDADE, ORADOR, POPULAÇÃO.
  • HOMENAGEM POSTUMA, ALEXANDRE JOSE BARBOSA LIMA SOBRINHO, JORNALISTA, EX-DEPUTADO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, IMPRENSA, DEFESA, DEMOCRACIA, BRASIL.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL – PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desejo, neste momento, fazer um pequeno pronunciamento em homenagem ao Dr. Barbosa Lima Sobrinho, eminente pernambucano recentemente falecido. Contudo, aproveito estes primeiros minutos, já que tive a oportunidade de me inscrever, para manifestar a minha solidariedade para com os amigos e com toda a população da cidade onde vivo.  

O Recife passa, desde o início da semana, por uma tragédia que nos deixa a todos muito preocupados. A cidade, que vivia, há três ou quatro anos, em regime de racionamento de água, que era fornecida por um dia e racionada durante outros seis, estando com todas as suas barragens praticamente vazias – entre as quais havia algumas com apenas cerca de 5% de sua capacidade –, com mananciais subterrâneos praticamente se esgotando em razão da grande retirada de água, depositava uma grande esperança neste inverno. O inverno veio, mas em proporções bem maiores que as necessidades, trazendo consigo uma grande calamidade. Apenas no dia de ontem doze pessoas morreram no Recife em virtude de quedas de barreiras, bem como por diversos outros acidentes motivados por essa enchente.  

Vale salientar, Srs. Senadores, que somente ontem constatamos um índice pluviométrico de 200 milímetros, quando a média de precipitação nessa estação no Recife seria de 350 milímetros durante todo o mês de julho. Então, de fato, este é um momento de grande dificuldade por que passa a população pernambucana da capital – e a chuva ainda não parou.  

Tivemos a notícia, boa por um lado, de que todas as barragens já estão cheias e os aqüíferos subterrâneos estão sendo recuperados, ainda que, infelizmente, tenham sido causadas todas essas calamidades.  

O Governo Federal está mandando as suas equipes de especialistas em calamidades públicas. Todos estão tentando trabalhar, mas, infelizmente, por ser Recife uma cidade pobre, uma cidade que está no nível do mar, há muitas dificuldades a serem enfrentadas todas as vezes que acontecem essas enchentes.  

Então, Sr. Presidente, inicio meu pronunciamento solidarizando-me com toda a população do Recife e solicitando ao Governo Federal, ao Governo Estadual e às prefeituras da região que efetivamente se unam em torno de ações que façam com que a cidade possa ser melhor atendida.  

Passo, agora, Sr. Presidente, ao pronunciamento que me trouxe à tribuna na tarde de hoje.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil perdeu, em 16 de julho passado, um dos seus mais ilustres cidadãos, o pernambucano ALEXANDRE JOSÉ BARBOSA LIMA SOBRINHO , homem a que a sociedade brasileira acostumou-se a identificar à frente dos principais movimentos em defesa da democracia, das liberdades individuais e do interesse maior da Nação. Deste pernambucano se pode dizer, por justiça, que viveu intensamente seus 103 anos de idade, atravessando todo o século XX de tantas e tão profundas mudanças como raro exemplo de vida moralmente íntegra e produtiva, corajosamente comprometida com as lutas democráticas e a construção de uma nação socialmente justa.  

Pernambucano, nascido no Recife em 22 de janeiro de 1897, Barbosa Lima escreveu seus primeiros artigos jornalísticos aos 13 anos e aos 15 já era colaborador do jornal A Província . Graduou-se em Direito em 1917, na Faculdade de Direito do Recife e foi nomeado promotor. Mas não abandonou o seu lado jornalístico, dedicando-se a esta atividade como colaborador do Diário de Pernambuco , do Jornal Pequeno e do Jornal do Recife . Em abril de 1921, transferiu-se para o Rio de Janeiro, tendo ingressado no Jornal do Brasil , inicialmente como noticiarista e depois como redator político. Chegou à presidência da Associação Brasileira de Imprensa, pela primeira vez, em 1926, sendo reconduzido em 1929. Voltou posteriormente à presidência da ABI em 1978 e foi reeleito sucessivas vezes até 1997, quando conseguiu, por fim, unificar todas as entidades classistas e dar posse ao novo presidente. Costumava dizer que havia sido o mais jovem e o mais velho presidente daquela academia.  

Figura emblemática da vida política brasileira, BARBOSA LIMA iniciou sua trajetória nos anos 30. Em 1934, foi eleito Deputado Federal por Pernambuco, pelo Partido Social Democrático – PSD, perdendo o mandato por apoiar o golpe de 1937. Nas eleições de 1946, por indicação de Agamenon Magalhães, voltou a ocupar uma cadeira de Constituinte na Câmara dos Deputados. Em 1947, chegou ao Governo de Pernambuco, após travar a mais acirrada disputa eleitoral da história do meu Estado. Em 1958, voltou à Câmara Federal pelo Partido Socialista Brasileiro, e, em 1960, integrou a campanha para eleição de Jânio Quadros para a Presidência da República.  

A firmeza de suas posições sempre o levaram a ter uma participação ativa e respeitada nas causas brasileiras. Figura polêmica, acompanhando passo a passo a história e posicionando-se sobre as questões do momento, esse ilustre pernambucano nunca deixou de lutar pelo que acreditava. Rebelou-se contra a Revolução de 1930, que considerava um mero confronto de oligarquias; aderiu ao Estado Novo alegando os avanços sociais para a classe trabalhadora; em 1947, mesmo confessando-se anticomunista, posicionou-se contrariamente ao ato que extinguiu o Partido Comunista Brasileiro; criticou o Governo Goulart por achar que não tinha uma orientação nítida para a política econômica e se opôs ao movimento militar de 64, episódio apontado por ele como o pior momento da história do Brasil, quando corajosamente defendeu os direitos civis e denunciou a censura à imprensa. Suas posições o levaram a um posto de destaque na oposição ao Governo Militar, quando foi pré-candidato a vice-presidente da República, em 1974 na chapa de Ulysses Guimarães do MDB, participando, anos mais tarde, ativamente da campanha Diretas Já. Em 1992, como presidente da ABI assinou o pedido de impeachment do ex-Presidente Fernando Collor, resultando no seu afastamento.  

Intensa foi também a sua participação na vida cultural de nosso País. Já em 1938, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira nº 6 do imortal Cassimiro de Abreu. Por muitos anos, dois pernambucanos tiveram assento na presidência das nossas principais academias: Austregésilo de Ataíde na ABL e Barbosa Lima na ABI.  

O intelectual BARBOSA LIMA nos deixou, como legado, uma das mais ricas contribuições intelectuais, composta por três mil e seiscentos artigos e oitenta títulos entre livros, conferências e coletâneas. Apesar dos cento e três anos de idade, Barbosa Lima se manteve em plena atividade intelectual até o fim da vida. Lia diariamente jornais, revistas e livros, especialmente romances de escritores brasileiros e escrevia um artigo semanal para o Jornal do Brasil, além de manter a rotina de ir à Associação Brasileira de Imprensa.  

Quando do seu falecimento, ocupava, interinamente, a Presidência da República – em uma coincidência arquitetada pelo destino – um dos seus maiores admiradores, o também pernambucano Marco Maciel, que assim se expressou:  

Conterrâneo a quem desde cedo aprendi a admirar, marcou a sua intensa vida por uma coerente conduta nas diferentes atividades que desempenhou na política, no jornalismo e como escritor.  

As palavras que agora venho de proferir confirmam, sem dúvida, o pronunciamento do nosso Vice-presidente da República, Marco Maciel.  

BARBOSA LIMA foi sempre corajoso em seus gestos e ardoroso defensor das idéias que, a seu ver, eram as mais conseqüentes. E, sobretudo, jamais tergiversou e se tornou intransigente quando se tratava dos princípio éticos básicos para a organização da convivência humana, materializada na constituição do Estado de direito e na justiça social. Pela sua coerência, pela sua bravura cívica, pela sua integridade ética e pela sua construtiva participação na redemocratização do País, BARBOSA LIMA conquistou a admiração e o reconhecimento do povo brasileiro.  

Permitam-me, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, realçar dois aspectos em que convergem o pensamento de nosso partido, o PFL, com o pensamento deste ilustre pernambucano e brasileiro que ora homenageio com profundo respeito e admiração. Há valores éticos e filosóficos que são inalienáveis em qualquer sociedade e em qualquer fase da história. São princípios decorrentes da própria estrutura racional do ser humano e que, por esta razão, não podem ser eliminados ou relegados a segundo plano. De um lado, a liberdade humana como valor inalienável. De outro lado, a sociedade deve expressar, em sua constituição, a prevalência do social sobre o individual, pela comunhão de natureza que une todos os homens sob o mesmo paradigma da igualdade e da solidariedade. Não é possível pensar uma sociedade livre sem eqüidade social. Não há cidadania real sem a ampliação, para todos, do respeito às liberdades e da igualdade de oportunidades no acesso aos bens disponíveis em cada sociedade. Esses ideais de ordem superior unem, sem dúvida, todos os homens de boa vontade. Barbosa Lima elegeu esses princípios como faróis de sua vida, ideais que devem gerar uma confluência de todas as ideologias e de todos os partidos, para que, em meio às discussões sobre os conflitos de interesses – discussões legítimas e naturais na vivência da democracia e da pluralidade da sociedade moderna – possam encontrar-se os caminhos da sociedade justa por que lutamos, composta por cidadãos conscientes, sujeitos da história e beneficiários do seu progresso.  

Poucos brasileiros tiveram o privilégio de atravessar todo o século XX e contribuir de forma tão decisiva para os rumos da nossa história. Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, raro exemplo de longevidade, conseguiu essa proeza. Realmente teve sua vida marcada por intensa participação nos fatos políticos e sociais de maior relevância na história do nosso País neste século. Algumas vezes foi protagonista; outras, testemunha de momentos ímpares da sociedade brasileira.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a trajetória desse ilustre pernambucano se confunde com a própria história do nosso País. É possível afirmar que poucos homens tiveram tanto amor pelo País como ele teve. Firme nos seus pontos de vista, Barbosa Lima deixou exemplos de civismo, de ética e de verdadeiro patriotismo. Dizia que "devemos confiar no nosso futuro e continuar trabalhando para que no próximo século o Brasil seja um País mais justo com seus filhos e mais forte economicamente." De espírito crítico, quando completou 100 anos, Barbosa Lima fez um desafio: "Quero que alguém encontre nos artigos que escrevi uma só palavra que não tenha sido em defesa do Brasil." Tarefa impossível, pois ele sempre foi um nacionalista extremado. Não podemos duvidar de sua luta em defesa da soberania nacional e de sua presença em momentos cruciais da vida brasileira.

 

Esse pernambucano, a quem presto hoje esta justa homenagem, marcou sua passagem pela vida pública com equilíbrio, firmeza e probidade pessoal. Barbosa Lima sempre foi uma liderança coerente e independente e, por que não dizer, um ícone da liberdade de expressão.  

Quero, finalmente, invocar aqui o testemunho de milhões de brasileiros em respeito e admiração ao que representou Barbosa Lima para o País, curvando-me à excepcional firmeza de seu pensamento e à coerente conduta que cultivou, sempre em defesa da democracia, das liberdades individuais e da eqüidade social. Um brasileiro que não podemos esquecer.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste momento, acorre-me à lembrança, para concluir, as sábias palavras do poeta Ferreira Gullar:  

"Amigos morrem,  

as ruas morrem,  

as casas morrem.  

Os homens se amparam em retratos,  

Ou no coração dos outros homens."  

Amparemos em nossos corações a lembrança deste notável brasileiro Barbosa Lima Sobrinho.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2000 - Página 15517