Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

NECESSIDADE DE MAIORES INVESTIMENTOS EM CIENCIA E TECNOLOGIA.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • NECESSIDADE DE MAIORES INVESTIMENTOS EM CIENCIA E TECNOLOGIA.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2000 - Página 14544
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, ANUNCIO, OBTENÇÃO, TRADUÇÃO, CODIGO, GENETICA, VIDA HUMANA, DEMONSTRAÇÃO, PROGRESSO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO.
  • MANIFESTAÇÃO, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO POPULAR SOCIALISTA (PPS), DEFESA, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, SETOR, CIENCIA E TECNOLOGIA, RECUPERAÇÃO, CENTRO DE PESQUISA, RESGATE, DIGNIDADE, PESQUISADOR, CIENTISTA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. ROBERTO FREIRE (PPS - PE) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o anúncio não deixou de carregar, em sua correia de transmissão, uma luta surda de duas grandes potências, Estados Unidos e Inglaterra, pela primazia na corrida desenfreada que nos últimos anos vem sendo empreendida em relação ao domínio da chamada biotecnologia. Mas, independentemente desses aspectos políticos e ideológicos, e como progressistas que somos, não poderíamos deixar de saudar, com entusiasmo, o anúncio da decifração do código genético humano, o genoma, uma conquista revolucionária que, certamente, marcará os novos caminhos da evolução do ser humano sobre a terra.  

Não somos especialistas em medicina e muito menos em biotecnologia. Entretanto, temos sensibilidade para o que representa para a humanidade o avançar do conhecimento científico. Foi com ele, basicamente, que descobrimos novas potencialidades produtivas, encurtamos o mundo e abrimos uma nova página de relação entre os povos, alargamos a expectativa de vida e, paradoxalmente para muitos, deu-nos a esperança de corrigir os desastres ecológicos e ambientais proporcionados pela própria atividade humana na busca de sua felicidade. A tecnologia e a ciência, sabemos, não são neutras nem se colocam como algo autonomizado acima das diferenças sociais e dos interesses específicos de cada nação. Mas elas nos dão instrumentos, desde que haja vontade política e a afirmação do humanismo, para pensarmos na construção de sociedades mais justas e democráticas.  

O ser humano, ao longo de sua aventura pela terra, não teve medo do arado, dos cálculos matemáticos, das conquistas da medicina antes e depois de Hipócrates, do aventurar-se pelo mar oceano, da máquina a vapor, do avião, da penicilina, dos transplantes, do radio e televisão, da cibernética, da conquista do espaço, mesmo que poucos, pessoas e grupos, em certos momentos, recuados para o fundamentalismo insano, quebrassem máquinas, queimassem livros e até, como fez o velho de Restelo, jogassem pragas nas praias para aqueles que partiam em busca do novo. Preferimos a coragem dos portugueses, imortalizada, por exemplo, no verso de Fernando Pessoa: "Eu Diogo Cão, navegador, deixei este padrão ao pé do areal moreno e para diante naveguei...".  

Navegar é preciso até para a humanidade poder viver melhor.  

Nesse sentido, não nos assusta quando cientistas vêm a público dizer que desceram fundo na decifração do código genético humano, levando a biologia, conforme a afirmação de alguns estudiosos, aos limites das ciências exatas. Não seríamos tolos em não perceber que a novidade esperada traz implicações de conteúdo ético grave e que devem ser discutidas e submetidas a parâmetros legais em um contexto mundial. Já há no mundo, depois das tragédias bestiais que ceifaram a vida de milhões de pessoas, como no nazismo hitleriano com sua idéias de eugenia e raça pura, convicções filosóficas estabelecidas que devem ser afirmadas cada vez mais rigorosa e amplamente. O conhecimento do genoma, com todos os seus desdobramentos, jamais pode ser utilizado para acabar com a diversidade genética humana, para buscar raças e seres perfeitos, para substituir Deus, aqui por nós entendido como a aleatoriedade dada por milhões de anos pela natureza. Seu objetivo deve ser um só: transformar-se em instrumento de felicidade, ampliando as possibilidades de vida, melhorando a sua qualidade.  

Ciência nenhuma pode se entender buscando a eternidade. Só o humanismo, na sua relação com a natureza, pode pretender buscar essa condição.  

Não vamos falar apenas das prodigiosas vitórias obtidas nos países do chamado primeiro mundo. Vamos lembrar, e elogiar com emoção e entusiasmo, as conquistas também já obtidas por cientistas brasileiros, seja nas universidades ou em outros centros de ciência, os quais, em alguns aspectos, já estão na linha de fronteira do que existe no mundo quanto à decifração de certos genes. E aí um aspecto deve ser elogiado: conquistas advindas da dedicação, do amor pela ciência, pelo seu povo e pelo seu país, tendo em vista o relativo estado de abandono em que se encontra a pesquisa no Brasil. E mais: superando preconceitos de um setor da academia que sente ojeriza aos empreendimentos econômicos que podem surgir das pesquisas e se fecham numa estrutura de leis e regulamentos obsoletos no serviço público que impedem a emulação entre os cientistas, inclusive no plano da remuneração. Quando voltamos nossas atenções para os cientistas da Embrapa, das universidades públicas, dos centros de pesquisa, trabalhando com escassez de material e percebendo baixíssimos salários para a sua formação e competência, só podemos nos emocionar e dizer para eles: sigam em frente, nós vamos mudar o Brasil, queira a atual elite dirigente do País ou não.  

Quando Clinton e Blair, acompanhados de seus cientistas, anunciam as novas fronteiras científicas conquistadas, soa como esquisitice, no Brasil, por exemplo, pessoas brandirem a espada do atraso contra outras experiências igualmente importantes, como a pesquisa dos transgênicos. Uma coisa é ser rigoroso na análise do impacto dos mesmos para a saúde humana e para o meio ambiente; outra, muito diferente, equivocada e típico de restauradores e reacionários, é recorrer à espécie de ira santa para impedir que benefícios da ciência possam ser estendidos a milhares de pessoas. Se não mais estamos ao lado dos ultrapassados paradigmas do antigo desenvolvimentismo, não conseguimos vislumbrar qualquer cenário razoável ou radioso de futuro sem a participação radical da ciência.  

O PPS, que apresenta à sociedade brasileira o companheiro Ciro Gomes como alternativa à presidente da República, proclama alto e em bom som que, a par de iniciativas como a solução do drama da dívida interna, que consome milhões de recursos públicos para remunerar banqueiros e investidores de papel, o caminho do desenvolvimento exige, obriga, torna compulsório, investimentos maciços na ciência e na tecnologia. Há muitas prioridades no Brasil, mas a recuperação e ampliação dos centros de pesquisa, bem como o resgate da dignidade de pesquisadores e cientistas, é a primeira delas. Na era da revolução técnico-científica, pensar diferente seria uma espécie de autocondenação à subalternidade e ao atraso.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2000 - Página 14544