Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS DEZ ANOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • COMEMORAÇÃO DOS DEZ ANOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2000 - Página 14545
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, OPORTUNIDADE, MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, PROPOSTA, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, RESPONSABILIDADE PENAL, ALEGAÇÕES, AUMENTO, PUNIÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, DELINQUENCIA JUVENIL.
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, ORADOR, PROJETO DE LEI, PROPOSIÇÃO, ALTERAÇÃO, ARTIGO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, POSSIBILIDADE, AUTORIDADE, APLICAÇÃO, PENA, IMPEDIMENTO, IMPUNIDADE.
  • COMENTARIO, DADOS, ESTUDO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), COMPROVAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS, EXISTENCIA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, REGIÃO SUL, REGIÃO SUDESTE, DIFERENÇA, TRATAMENTO, DISCRIMINAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, AUMENTO, INDICE, MORTALIDADE INFANTIL, PRECARIEDADE, SAUDE, POPULAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRIANÇA, ESPECIFICAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO.
  • ELOGIO, EFICACIA, TRABALHO, PREFEITURA, MUNICIPIO, BELEM (PA), ESTADO DO PARA (PA), GESTÃO, EDMILSON RODRIGUES, PREFEITO, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, EDUCAÇÃO, SAUDE, CRIAÇÃO, EMPREGO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, JUVENTUDE, PAIS.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo essa Tribuna para falar de um assunto que diz respeito diretamente a mais de um terço da população brasileira. É que no próximo mês de julho se comemora os dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.  

Trata-se de uma lei gerida e amadurecida no seio da sociedade, que trouxe uma mudança radical na concepção de políticas direcionadas para a infância e para a adolescência.  

O ECA, como é conhecido o Estatuto da Criança e do Adolescente, já serviu de modelo de legislação para mais de quinze países, em todo o mundo. Ela substituiu o antigo Código de Menores, que possuía uma concepção repressiva, policialesca e assistencialista, por uma compreensão da infância e da adolescência na ótica da garantia de direitos pessoais e sociais, através da criação de oportunidade e facilidades, a fim de permitir o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social da criança, em condições de liberdade e dignidade. O ECA fornece diretrizes para a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, de forma descentralizada, envolvendo o poder público, nas suas três esferas e com a participação da sociedade civil, especialmente através dos conselhos tutelares.  

A Constituição Federal de 1988, no Art. 227, diz que "é dever da família, sociedade e do Estado assegurar com prioridade o bem-estar da criança e do adolescente. Essa concepção positiva expressa na lei é um elemento extremamente importante na efetivação dos direitos inerentes às crianças e adolescentes, mesmo quando estes estão recebendo orientação especial por terem cometido infrações penais. Ela supera a visão impregnada na Lei antiga, que na própria expressão " menor" caracterizava uma conotação de cidadania negativa que tinha um sentido de marginalizar, vigiar, punir e reprimir.  

Ainda assim, detecta-se grandes dificuldades na implantação de programas e ações direcionadas por essa nova concepção, sejam resistências conceituais e políticas, sejam deficiências de estrutura institucional considerando a falta de preparo adequado de pessoal e mesmo na estrutura física das instituições. As constantes rebeliões nas FEBEMs no Estado de São Paulo, que expõem os adolescentes infratores a maus tratos e a inadequados tratamentos, é um bom exemplo disso.  

Existem denúncias graves no meu Estado, feitas por entidades de defesa da criança e do adolescente, sobre a ação de grupos de extermínio de adolescentes, envolvendo policiais militares na região de Paragominas. São práticas absurdas que ainda ocorrem devido ao despreparo da polícia e da impunidade.  

Do ponto de vista das resistências políticas existem vários Projetos de Lei tramitando aqui no Senado e também na Câmara dos Deputados, que propugnam a redução da responsabilidade penal de dezoito para dezesseis anos, o que denuncia uma compreensão de que aumentando a punição se estaria resolvendo o problema de "delinqüência juvenil".  

Estou certo de que aí reside um grande equivoco. Está mais do que provado que a punição pura e simples, bem como a quantidade de pena prevista ou imposta, mesmo para o adulto, não é um fator de diminuição da violência. Ainda mais se tratando de jovens na adolescência, que por comprovação técnico/científica, é uma estágio onde há a transição entre a infância e idade adulta, e a pessoa atravessa uma fase de profundas transformações psicossomáticas, tornando-a mais propensa à prática de atos anti-sociais, não apenas crimes, mas toda e qualquer forma de manifestar rebeldia e inconformismo com regras e valores socialmente impostos, facilmente identificáveis pelo uso de fumo, consumo de bebidas alcoólicas e mesmo drogas, em especial quando o jovem se envolve com algum grupo, perante o qual sente necessidade de se afirmar. A condição sui generis do adolescente demanda um tratamento diferenciado, com especial enfoque para sua orientação e efetiva recuperação, que somente pode ser obtida em instituição própria, onde exista uma proposta pedagógica e bem definida.  

Os que defendem a redução da maior idade, argumentam também que quando o adolescente, às vésperas de complementar a maior idade, comete uma infração, se beneficia de uma lacuna na legislação, isso considerando que o mesmo não pode receber o tratamento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois já estará na maior idade e também não pode ser punido, considerando a legislação vigente, destinada aos que possuem a maior idade.  

Para corrigir essa lacuna é que apresentei um Projeto de Lei, que tramita sobre o nº 593-99, que estabelece como a referência para receber as medidas sócio-educativas prevista no Estatuto, o momento em que foi cometido o delito.  

Assim, a mudança que estou propondo ao art. 104 e 105 do ECA, objetiva, exatamente, possibilitar que a autoridade competente para aplicação das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto possa, efetivamente, imputá-las ao adolescente infrator, de tal forma a que a demora na instrução e julgamento dos processos contra os adolescente infrator, não possa ser óbice para a não aplicação das medidas-sanção, possibilitando assim com que o ECA possua maior legitimidade perante a sociedade e não seja sinônimo de impunidade, como apregoam alguns.  

Logicamente Srªs. e Srs. Senadores, não é simplesmente com a adoção de uma legislação moderna e eficiente que se enfrenta o problema da criança e do adolescente no Brasil. E a realidade tem mostrado isso. Trata-se de um País de dimensões continentais, que possui cerca de 54 milhões de crianças e adolescentes na faixa etária de 0 a 17 anos. Isso representa mais de um terço da nossa população, sendo que um significativo percentual destes, vivem em condições de extrema pobreza.  

A Lei, sem dúvida, tem sido um elemento importante nesse processo de adequação das ações governamentais em relação à criança e ao adolescente e tem propiciado avanços significativos. Mas, um melhor enfrentamento da questão depende de vários outros fatores, depende de outras políticas governamentais, especialmente nas áreas de saúde, primeiro emprego, educação formal e educação profissionalizante, o que não vêm ocorrendo de forma satisfatória.  

Apesar da Lei e dos avanços registrados nesses 10 anos, nossas crianças e adolescentes padecem em muito numa sociedade injusta e desigual como a nossa.  

Há poucos dias os jornais noticiaram que o Brasil conquistou uma significativa queda nas taxas de mortalidade infantil, registrando uma redução em 27% nos últimos dez anos. Tendo caído de 48.3 mortes no primeiro ano de vida para cada mil nascido vivos em 1990, para 35.3 o índice, estimados para este ano.  

É de fato uma redução significativa. Porém, numa análise mais detalhada da questão, podemos verificar o quanto estamos atrasados em relação ao resto do mundo. Se fizermos uma comparação entre outros países, aqui mesmo na América Latina, podemos verificar que, com dados de 1997, na Argentina a mortalidade infantil era de 18.4 por mil nascidos vivos; no Chile, esse número ainda era mais favorável, 10 mortes a cada mil nascido vivo; no Uruguai, 17.7; na Venezuela, 21.4; no México, 23.9. Em Cuba os números são de primeiro mundo, 7.1 mortes por mil nascidos vivos. Se avançarmos para América do Norte, os números se distanciam ainda mais, quando comparados com os do Brasil. Nos Estados Unidos a relação de 7.3 e no Canada 5.5 mortes por mil nascidos vivos.  

Veja Sr. Presidente que o Brasil está em situação bastante inferior, não somente em relação ao primeiro mundo, o que de certa forma seria até explicável, mas em relação a países iguais ou ainda mais pobres do que o nosso. Isso é uma clara demonstração de que a questão é de prioridade política, e não simplesmente de caráter econômico. Cuba é um exemplo claro disso. Lá a saúde pública é assumida como prioridade maior do governo.  

Se refletirmos sobre o aspecto regional, a gravidade da questão fica ainda mais patente. Nas regiões Sul e Sudeste os índices são mais aceitáveis. O Rio Grande do Sul possui índice de 18.9 mortes por mil nascidos vivos. Já nas regiões Nordeste e Norte a situação é de extrema gravidade. Em Alagoas são registrados os piores índices, 68.4 mortes por mil nascidos vivos. No Pará, o meu Estado, o índice é de 35.3.  

No Estudo que foi divulgado pelo IBGE, os demógrafos registraram que a enorme concentração de renda no Sudeste e no Sul é responsável pela diferença nos índices de mortalidade infantil entre as regiões. Isso não é novidade e nós estamos cansados de cobrar do governo atitudes na gestão das políticas econômicas, em cumprimento à Constituição Federal no sentido de distribuir os investimentos federais de forma a corrigir gradualmente as distorções regionais. O que é significativo na demonstração dos dados técnicos é que nas últimas décadas, ao invés de serem minoradas essas distorções regionais elas vêm crescendo em ritmo acelerado. Em 1930 as diferenças entre os índices de mortalidade infantil do Nordeste e do Sul era de 60%. Em 1965 essa diferença saltou para 83%. Nas estimativas para o ano 2000 a diferença nos índices chegam a 150%.  

Vejam, Srªs. e Srs. Senadores, a gravidade desse dado. Há muito tempo temos denunciado aqui dessa Tribuna o tratamento diferenciado, especialmente para as regiões Norte e Nordeste em relação às regiões Sul e Sudeste. Os dados mostrados pelo IBGE são inquestionáveis.  

Segundo os analistas, o que mais concorre para os altos índices de mortalidade infantil é a não oferta de água tratada e de saneamento básico. Estudos demonstram que, a cada R$1.00 investido em saneamento se economiza R$5,00 em medicina curativa. Prova disso é a pesquisa do Ministério da Saúde feita em 1998 que demonstrou que as doenças transmitidas por água não tratada são responsáveis por 65% das internações infantis. Em Belém, capital do meu Estado, 400 mil pessoas, ou seja, um terço da população, não recebem água da rede pública de abastecimento. E menos de 3% de todo esgoto produzido são coletados, o que traz conseqüências desastrosas para a saúde da população.

 

Seriam necessários investimentos maciços em tratamento de água e saneamento para reverter essa situação. Segundo a Associação Municipal de Serviços Municipais de Saneamento, que reuniu representantes de 1.200 municípios em Belém, no início desse mês, seria necessário investir R$ 4.7 bilhões por ano para reverter essa situação. A União tem destinado em seu orçamento algo em torno de apenas 10% desse valor, para compor o bolo dos investimentos. É algo pouco significativo. Não é à toa que no relatório da Organização Mundial da Saúde, divulgado nesta semana, o Brasil, foi classificado em 125º lugar entre 191 Países, no ranking mundial sobre a qualidade de saúde da população.  

Mas não são só a mortalidade infantil e as condições de saúde que afligem nossa população em relação à dignidade de nossas crianças. Entre outras coisas que poderíamos trazer para esse debate está a exploração do trabalho infantil, ainda muito difundida em nosso País, como marca da miséria e do desgoverno.  

A despeito de toda campanha que vem sendo feito contra o trabalho infantil, existem hoje 4 milhões de crianças e adolescentes com menos de 16 anos de idade que trabalham no País, à margem da lei. São crianças e adolescentes que desenvolvem atividades de trabalho, nas ruas vendendo ou prestando pequenos serviços, nos canaviais, nas carvoarias, nas olarias entre outros trabalhos insalubres onde as crianças são submetidas a pesadas jornadas de trabalho e são expostas à atividades que deveriam ser feitas por adultos. Quase 10% dessas crianças que trabalham, estão submetidas à empregos domésticos, muitas vezes expostas a maus tratos.  

Além dos baixos salários, que no caso dos empregos domésticos são em média 60% do salário mínimo, a maioria dessas crianças, que são lançadas no mercado do trabalho para aumentar a renda familiar, se afastam da escola, ampliando os índices de abandono e de repetência.  

Também a marginalidade, na maioria dos casos, tem suas origens com a interrupção do processo normal da infância. A prostituição e os pequenos delitos que depois se evoluem para grandes e graves delitos, em geral se iniciam com o contato de forma perversa com a rua e com o conseqüente afastamento do convívio familiar.  

Nos últimos anos têm se intensificado as companhas contra o trabalho infantil. Não só a fiscalização por parte do Ministério do Trabalho, que ainda ocorre de forma débil, especialmente nas regiões cuja miséria é mais acentuada, mas também, com a adoção de programas específicos. O mais importante deles, talvez seja o de bolsa-escola, que prevê o pagamento de um determinado valor às famílias pobres em troca da garantia da freqüência dos filhos na escola.  

Apesar de se tratar de um programa discutível e que na minha opinião necessitaria de melhoramentos e mesmo de modificações na sua concepção, tem-se com ele obtido resultados positivos, especialmente em algumas regiões onde a exploração do trabalho infantil se dá de forma mais gritante. Vale ressaltar, porém, que além da sua abrangência ser ainda muito pontual e de longe não atinge a um percentual significativo da demanda, o governo, no último mês anunciou cortes significativos nos recursos desse programa. Determinou reduzir pela metade o pagamento das famílias que possuem somente uma criança, passando de R$ 50,00 para R$ 25,00 mensais. Vejam que os cortes orçamentários, que temos sistematicamente criticado aqui, não preservam nem mesmo programas como o de bolsa escola, que atende os mais miseráveis.  

Quero aproveitar a oportunidade e registrar aqui, o excelente trabalho que vem realizando a Prefeitura Municipal de Belém, na gestão do Prefeito Edmilson Rodrigues, na implementação de programas de melhoria da qualidade da vida da criança e do adolescente, que mereceu estar entre os 20 municípios que receberam o "Prêmio Prefeito Criança 2000", oferecido pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança. É o segundo ano consecutivo que a Prefeitura de Belém é premiada.  

Gostaria de finalizar, Sr. Presidente, salientando que apesar de comemorarmos os dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e os avanços que a Lei possibilitou nesse período, especialmente no que concerne à mudança de concepção no trato da questão e no envolvimento das três esferas de governo e da própria sociedade civil, existe ainda muito o que avançar para proporcionarmos um tratamento digno a esse enorme contingente populacional de crianças e adolescentes.  

São necessárias mudanças estruturais e para isso, mudanças nas prioridades. Enquanto o governo federal não priorizar as políticas sociais e os investimentos em infra-estrutura de educação e saúde, bem como políticas que priorizem o desenvolvimento interno e a geração de empregos, continuaremos a conviver com índices sociais próprios de terceiro mundo, e continuaremos a oferecer péssimas condições de vida à nossa população jovem, com o agravante de estar comprometendo o futuro da Nação. Ao invés de o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, lá da França discursar que é preciso olhar mais para o social, seria melhor que fizesse isso, efetivamente, aqui.  

Era o que tinha a dizer.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2000 - Página 14545