Discurso durante a 91ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A CALAMIDADE PUBLICA PROVOCADA PELAS CHUVAS NO NORDESTE. QUESTIONAMENTO SOBRE A POSTURA ADOTADA PELO MINISTRO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL A RESPEITO DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.

Autor
Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • REFLEXÕES SOBRE A CALAMIDADE PUBLICA PROVOCADA PELAS CHUVAS NO NORDESTE. QUESTIONAMENTO SOBRE A POSTURA ADOTADA PELO MINISTRO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL A RESPEITO DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2000 - Página 15732
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA CIENTIFICA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, AMBITO INTERNACIONAL, CONCLUSÃO, GRAVIDADE, PROBLEMA, INSUFICIENCIA, AGUA, MUNDO.
  • APREENSÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO, INTEGRAÇÃO, RELAÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, RISCOS, DESASTRE, ECOLOGIA, FALTA, ATENÇÃO, ESTUDO, COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO (CODEVASF), GRUPO, CIENTISTA, BRASIL.
  • NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, PROPOSTA, REVIGORAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ANTERIORIDADE, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO.
  • DEFESA, OBRIGATORIEDADE, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, MOTIVO, IMPORTANCIA, RECURSOS HIDRICOS.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante o mês de julho, por ocasião do recesso parlamentar, uma das mais prestigiosas publicações científicas internacionais, a revista Science , divulgou um trabalho da mais alta relevância e de grande importância para o atual momento brasileiro. Foi um meticuloso estudo, realizado pela Universidade americana de New Hampshire, coordenado por um renomado geocientista, Charles Vorosmorty, que buscando uma extrema precisão no levantamento de dados, dividiu o mundo em 60 mil regiões diferentes. Em cada uma delas, realizou um levantamento detalhado da disponibilidade e demanda respectiva de água. Os resultados obtidos foram chocantes, já que ficou claro que a questão hídrica é muito mais grave do que indicam as mais pessimistas previsões. O estudo revelou o seguinte: 30% da humanidade, num total de 1 bilhão e 750 milhões de pessoas, sofrem severa escassez de água no planeta. Mais grave ainda é que, cruzando-se os dados da disponibilidade limitada dos recursos hídricos com o avassalador crescimento da população mundial, chega-se à estarrecedora conclusão de que, dentro de mais 25 anos, o número de seres humanos que sofrerão escassez de água alcançará a inimagináveis 3 bilhões e 300 milhões!  

Tais dados vêm confirmar, de forma mais sistematizada e exata, os temores reiteradamente reverberados pelos melhores cientistas do mundo de que o mais grave problema do século que se inicia nos próximos meses será a disputa pela água entre os mais diferentes povos.  

Diante de toda essa situação dramática, que deveria preocupar sobremaneira os brasileiros, e em especial os nordestinos que vivem nas regiões semi-áridas, qual tem sido a postura adotada pelo nosso Governo frente a essa questão da mais alta importância, que diz respeito à nossa sobrevivência?  

Surpreendentemente, age com a questão da Transposição das Águas do rio São Francisco de forma que, se não me arvoro de chamar de levianas - porquanto prefiro conceder-lhe o crédito de bem-intencionadas as razões das suas iniciativas - no mínimo, são iniciativas precipitadas, imprudentes e perigosamente apressadas, a ponto de poder levar-nos a desastres ecológicos. A favor do Presidente, diga-se que, naturalmente, Sua Excelência não é especialista em recursos hídricos e tem de confiar na sua assessoria, que lhe fornece os necessários subsídios técnicos e cujo papel, pelo organograma institucional, cabe ao Ministério da Integração Nacional. Cumpre ressaltar, contudo, que essa situação pode explicar uma posição imediata, mas não justificará o papel do Presidente na História, quando as próximas gerações de nordestinos, que serão as grandes vítimas dos eventuais erros assumidos no presente, vierem imputar a culpa aos verdadeiros responsáveis. Então ninguém se lembrará do nome do eventual Ministro da época, mas o responsável único será o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Até porque todo aquele que assume o grave ônus do comando pode ouvir dezenas de assessores mas a responsabilidade pela decisão final é solitária e exclusiva.  

Tenho me referido algumas vezes aqui neste plenário à imensa gravidade da decisão de o Presidente optar por uma solução tecnicamente correta para aquela que será a obra mais importante e decisiva no Nordeste, quiçá a obra maior dos nossos 500 anos de história. Esta poderá representar o cumprimento de uma miríade de anseios de milhões de nordestinos, que, ao longo dos séculos, vêm sonhando inutilmente com alternativas técnicas que lhes permita a plena convivência com as secas – como aliás ocorreu em vários países mais previdentes, com climas semelhantes ao nosso e até mais hostis – ou, por outro lado, nos conduzirá, por conta de erros crassos de concepção, a danos de dificílima reparação ou, no mínimo, a gastos vultosos em obras que nem de longe corresponderão às suas expectativas. Desafortunadamente estamos mais perto dessa segunda alternativa.  

Na verdade, o Ministro Fernando Bezerra, que, não obstante o fato de eu acreditar pessoalmente tratar-se de um nordestino movido por nobres intenções, não está conduzindo essa gravíssima questão de forma minimamente adequada. Em termos de escolha da alternativa técnica, tem se isolado com um grupo fechado de assessores a ponto de não aproveitar do largo acervo de conhecimento, propostas e rica experiência dos técnicos da própria Codevasf, órgão do seu ministério que estuda o Rio São Francisco há 50 anos. Isso para não falar de outros especialistas respeitáveis, estudiosos das questões do semi-árido e, em particular, do Comitê Executivo de Estudos Integrados do Vale do São Francisco, o Ceeivasf, cujas opiniões são olimpicamente rejeitadas. Nesse contexto, têm sido vãs as tentativas daqueles outros que ousam se aproximar de S. Exª, visando apenas levar-lhe sugestões que possam aperfeiçoar ou eventualmente divergir de suas convicções. Ele está como que movido por uma obsessão visionária de viabilizar a obra a qualquer preço e só a muito custo e com reconhecido enfado admite ouvir opiniões de membros esparsos da sociedade civil.  

Claro que nos recusamos a acreditar que tal obstinação se deva aos objetivos eleitoreiros que seus adversários lhe atribuem na consumação dos sonhos de vir a ser governador de seu Estado. Seria uma atitude indigna ante a notável missão histórica que o Presidente lhe confiou. Repito: suas intenções são as mais nobres, mas, a bem da verdade, a história está repleta de exemplos de conseqüências funestas para os povos, muitas irreparáveis, que nasceram das melhores intenções de seus líderes, que circunstancialmente não tiveram a humildade e a paciência para estudar alternativas diversas.  

Estamos vivenciando uma série de erros na condução desse processo, Sr. Presidente, um processo que diz respeito diretamente à sobrevivência de 45 milhões de nordestinos. Pior: diz respeito ao destino das futuras gerações dos nordestinos.  

Inicialmente, o Ministro estava ferreamente convencido de que não havia necessidade de nenhum acréscimo de outros rios para reforçar a vazão da calha central do São Francisco. O máximo que ele admitia era a posterior construção de uma pequena termelétrica visando compensar as perdas do sistema energético da CHESF.  

O que tem faltado a S. Exª é uma constatação óbvia: o Rio São Francisco não apenas está doente, ele está quase na UTI, como enfatizou o próprio Secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio-Ambiente em recente depoimento aqui no Senado.  

Retirar água do São Francisco como ele se encontra agora ou submetê-lo a uma revitalização superficial, como sugere a atual proposta ministerial, seria o mesmo que fazer uma transfusão de sangue num doente terminal. E falo em atual proposta de revitalização porque revitalização era igualmente uma palavra excluída do dicionário ministerial na fase inicial. Só a muito custo, por insistência de representantes obstinados dos estados doadores, ele viria a aceitar incluir a tal revitalização - embora, cabe registrar, de forma meramente superficial.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) – Senadora Maria do Carmo, V. Exª me concede um aparte?  

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) – Ouço o aparte e V. Exª.  

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PFL - RR) – Senadora Maria do Carmo, quero cumprimentá-la pelo brilhante pronunciamento, mediante o qual demonstra conhecimento dos problemas da Região Nordeste. Gostaria muito de referir-me a um ponto do seu pronunciamento, aquele em que protesta contra a forma como agem os Ministros em Brasília. O Ministro a que V. Exª se refere é, inclusive, nordestino. Ainda assim, como V. Exª está dizendo, não se tem mostrado aberto a outras idéias. Com relação à Região Norte, à Região Amazônica, a situação é mais grave, pois aqueles que cuidam dessa região nem sequer estiveram por lá. É muito importante que o Presidente Fernando Henrique Cardoso seja alertado com relação a isso; é importante que ele observe qual tem sido o procedimento de seus Ministros, que não têm levado em conta as sugestões dos Parlamentares que representam aqueles Estados, nem têm levado em conta pareceres técnicos importantíssimos. Portanto, alio-me a V. Exª em relação ao protesto que faz, como Senador da Região Norte, indignado com a maneira como agem esses tecnocratas em relação aos problemas para os quais temos buscado soluções.  

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE) – Agradeço a V. Exª, nobre Senador Mozarildo, pela sua participação. É realmente importante que cerremos fileiras nessas questões, que são gravíssimas.  

Importa agora, Sr. Presidente, Srs. Senadores, verificar como está a nova proposta ministerial. Houve ou não houve evolução? Constata-se, lamentavelmente, que a evolução foi puramente cosmética. Dir-se-ia que na prática foram concessões apenas para dar satisfação às justas ponderações da sociedade organizada, mas que se limitaram tão-somente a confundir os incautos. Devo dizer que faço essas afirmações, Sr. Presidente, com tristeza, porque ficaria feliz de estar aqui e agora a elogiar o supostamente renovado projeto de transposição do Ministério da Integração Nacional. Reitero: estamos tratando do assunto mais importante da história dos nordestinos.  

E quais foram os avanços do novo projeto ministerial? Dois aspectos básicos. O Ministro alega ter acatado a tese da revitalização e reforço da vazão por intermédio das águas do Tocantins. Lamentavelmente, trata-se de propaganda enganosa. A chamada revitalização será inócua por ser puramente superficial.  

Usando uma imagem esclarecedora: o que se propõe é algo como tentar aplicar um analgésico a um doente acometido de febre elevada sem atacar as causas da enfermidade. O resultado é que a febre cederia, mas só por determinado tempo e depois voltaria a se elevar com toda a força. É preciso que o Sr. Ministro se convença de que a degradação do Rio São Francisco é gravíssima e, lamentavelmente, irreversível, a menos que haja um vigoroso aumento da vazão da calha central do rio.

 

E quanto ao reforço das águas a partir do Rio do Sono? É absolutamente insuficiente, porquanto simplesmente paliativa. Trata-se de uma adição de 40 a no máximo 70 metros cúbicos que terá efeito semelhante ao aduzido analgésico do doente acometido de febre alta cujas causas não foram debeladas. É preciso que alguém do privilegiado círculo de assessores de que S. Exª se cercou lhe transmita que a questão da degradação do São Francisco não será resolvida apenas com uma equação aritmética. Ou seja, sua revitalização não será alcançada com a simples reposição da água que será transposta. É indispensável um vigoroso aumento de vazão, complementado com profundas obras de revitalização.  

Para a urgente aprovação dessas medidas puramente paliativas, qual o procedimento adotado pelo Ministro, com o lamentável beneplácito presidencial? Simplesmente convoca os governadores nordestinos e, de forma apressada, cobra dos dignitários estatais a prévia aprovação de um projeto que ainda não foi concluído. Para ser exata: nem existe o relatório de impacto ambiental... Além de ser controverso o conceito de que para a aprovação de um projeto de tal magnitude seria necessária tão-somente a anuência dos Governadores. Em que pese ser ela também essencial, por que essa pressa em conseguir essa aprovação exatamente na fase do recesso parlamentar? Sabe-se que para projetos desse gênero, em todo o mundo civilizado, exige-se a aprovação de todo o Congresso e a meticulosa audiência da sociedade organizada envolvida. Aliás, é esse o ritual seguido para aprovação de financiamentos de obras similares por organismos internacionais de crédito.  

Indo direto ao ponto: é exatamente por saber isso que o Ministro não aceita submeter os projetos à análise do BID ou do Banco Mundial, porquanto está convencido de que seria liminarmente recusado. Por quê? Pelo fato de que entidades internacionais de crédito têm consciência de que projetos envolvendo recursos hídricos devem ser tratados com extrema cautela, já que dizem respeito aos bens mais escassos e decisivos para a sobrevivência da própria humanidade.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão que se coloca, portanto, é por que um tema de tamanha gravidade para a Nação brasileira - não só para os nordestinos - está sendo conduzido de forma tão inconseqüente? Será que um círculo fechado de assessores, agindo de forma arrogante, vai levar o Presidente Fernando Henrique Cardoso a decisões que implicarão danos de tamanho vulto para dezenas de milhões de brasileiros? Os últimos acontecimentos, infelizmente, nos conduzem a crer que sim!  

Que fique claro: não se trata aqui de colocar dúvidas sobre a capacidade de decisão do Presidente e de suas melhores intenções. Sabe-se que Sua Excelência é tido, com justiça, como um dos presidentes mais cultos da nossa história, tendo amplas condições intelectuais para distinguir a opção certa da errada. Por outro lado, por reiteradas experiências pessoais, tenho consciência da maneira como o Palácio às vezes isola os governantes, mesmo os mais bem intencionados, dos fatos mais evidentes do mundo real. É difícil ser aceito pelos que nunca experimentaram a intimidade do poder, como lamentavelmente é comum um governador ou mesmo um presidente tomar decisões estribadas em relatórios técnicos errados, formulados por assessores da sua maior confiança, que, por sua vez, não o fizeram por má fé, mas partindo de premissas equivocadas. Entendo ser o risco do contexto atual.  

O Projeto da Transposição das Águas do São Francisco conforme concebido pelo Ministério da Integração Nacional é gravemente equivocado em termos técnicos e políticos. Em termos técnicos, pelas razões aqui analisadas. Em termos políticos, pelo modo insensato como está sendo colocado, quase a manu militari, em vez de nascido de um indispensável processo de discussão e convencimento. Está promovendo um irracional confronto entre irmãos nordestinos, divididos radicalmente entre os contra e os a favor de uma causa, como nunca ocorreu em nossa longa história. Mas o grave é que ambas as partes têm razão: uns porque temem o agravamento da situação lastimável em que se encontra o Velho Chico e os outros porque precisam desesperadamente das suas águas. Ora, mas se há uma alternativa técnica capaz de conciliar todos os interesses, podendo aproveitar inclusive parte considerável dos próprios estudos autorizados pelo Sr. Ministro, inclusive o RIMA que está sendo preparado, por que não analisá-la com espírito desarmado, onde prevaleçam sobretudo os interesses nacionais?  

Por tudo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entendo que se impõe a esta Casa, depositária que é de um papel imprescindível e indelegável no encaminhamento das grandes questões da Nação brasileira, não ficar omissa nesse grave processo. Cabe-nos o dever inalienável de assumir uma posição proeminente nessa discussão, que envolve não apenas a sorte de 45 milhões de nordestinos, mas de seus filhos e dos filhos de seus filhos.  

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.  

Muito obrigada.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2000 - Página 15732