Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

LEITURA DE NOTA DO PROGRAMA DST E AIDS, DO MINISTERIO DA SAUDE, DE REPUDIO AO PRECONCEITO CONTRA PORTADORES DE AIDS, QUANDO FAZ REFERENCIAS SOBRE A NECESSIDADE DE TESTE DE HIV PARA INTEGRAR AS FORÇAS ARMADAS E AS ESCOLAS.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • LEITURA DE NOTA DO PROGRAMA DST E AIDS, DO MINISTERIO DA SAUDE, DE REPUDIO AO PRECONCEITO CONTRA PORTADORES DE AIDS, QUANDO FAZ REFERENCIAS SOBRE A NECESSIDADE DE TESTE DE HIV PARA INTEGRAR AS FORÇAS ARMADAS E AS ESCOLAS.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2000 - Página 16362
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • LEITURA, NOTA OFICIAL, MINISTERIO DA SAUDE (MS), CRITICA, DISCRIMINAÇÃO, DOENTE, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), PORTADOR, VIRUS, AMBITO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, FORÇAS ARMADAS, ILEGALIDADE, EXIGENCIA, TESTE, PRE REQUISITO, ADMISSÃO.
  • REGISTRO, ENCONTRO, AMBITO NACIONAL, OCORRENCIA, ESTADO DA BAHIA (BA), DEFESA, REINTEGRAÇÃO, DOENTE, HANSENIASE, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, SOLIDARIEDADE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador Clodoaldo Alves, inicialmente, registro a minha satisfação em vê-lo na Presidência da Casa, oportunidade em que, com muita dignidade, substitui o nobre Senador Carlos Wilson.  

Faço um comentário, mesmo que breve, sobre um assunto que agride sempre a consciência nacional, o cidadão brasileiro, os trabalhadores da saúde e aqueles que lutam pelos direitos humanos. Trata-se do preconceito, um problema grave e crônico que está enraizado na consciência de milhões de pessoas deste País, infelizmente.  

Recentemente, foi tomada uma atitude digna e elevada pelo Ministério da Saúde, através do Coordenador Nacional do DST e Aids daquele Ministério, da Secretaria de Políticas de Saúde. Por meio da figura do Dr. Paulo Roberto Teixeira, Coordenador Nacional do Programa DST e Aids, emitiu-se uma nota oficial, com críticas severas e contundentes, ao preconceito estabelecido a portadores de Aids, por parte de membros das Forças Armadas, seguramente uma minoria, e por cidadãos gestores de escolas deste País.  

Inicio com a leitura da nota oficial do Ministério da Saúde. Posteriormente, farei um comentário, lembrando que nada mais agride, nada mais é indutor de agravo à saúde e à dignidade de um cidadão que o preconceito, que tão forte ainda vive nos cantos da indignidade ou da ignorância de algumas pessoas neste País.  

Eis o teor da nota, Sr. Presidente:  

"Saúde Condena Discriminação em Escolas e Forças Armadas"  

O Programa Nacional de DST e Aids e a Comissão Nacional de Aids (formada por especialistas e representantes de organismos governamentais e não-governamentais) vêm acompanhando com atenção dois casos de discriminação a portadores do vírus da Aids divulgados pela imprensa nos últimos dias: o de uma garota amparada pela Fundação Viva Cazuza, recusada por uma escola particular do Rio de Janeiro e a liminar do Juiz Washington Juarez de Brito Filho, da 24ª Vara Federal, mantendo a exigência do teste do HIV para candidatos aos quadros das Forças Armadas.  

Embora o juiz tenha se posicionado contra a reforma compulsória dos militares portadores do vírus, o que é um avanço significativo, não suspendeu a vigência de normas das Forças Armadas que determinam a triagem sorológica dos candidatos ao ingresso nas Forças Armadas. Nesta última decisão, não considerou os diversos pareceres técnicos e científicos sobre a inadequação do teste do HIV como indicador de aptidão para qualquer atividade profissional e que a sua exigência para admissões é tão inaceitável como mandar para a reserva militares infectados.  

A comunidade brasileira e a Coordenação Nacional de Aids vêm lutando contra a discriminação aos portadores de HIV, com campanhas esclarecedoras sobre as formas de transmissão do vírus da Aids, alertando empresas e organizações civis e militares sobre a ilegalidade da exigência de testes para contratação, admissão ou demissão de funcionários e servidores e sensibilizando a sociedade para a convivência com pessoas vivendo com HIV/Aids – doença que não se transmite no convívio social.  

Após 20 anos de epidemia no mundo, e do enorme esforço para conter o avanço da Aids, é de se estranhar que alguns setores ainda discriminem portadores do HIV. Impedir o acesso destes à escola ou ao trabalho fere direitos inalienáveis do cidadão brasileiro, garantidos pela Constituição: o direito à educação, o direito ao sustento, o direito à liberdade e à proteção. No caso de crianças com HIV/Aids, fere ainda a Portaria Interministerial nº 796, de 1992, dos Ministérios da Educação e Cultura e da Saúde, que determina o acesso de soropositivos à escola e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante, além do direito ao estudo, o direito ao amparo e à proteção.  

A discriminação aos portadores do HIV dificulta a prevenção, aumenta a vulnerabilidade da população e compromete a qualidade de vida dos portadores do HIV, afastando-os do convívio social e da produtividade. Por isso, o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Nacional de DST e Aids, reitera sua posição de defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV e Aids, em qualquer situação de discriminação ou preconceito, e espera que a Justiça brasileira avance ainda mais para que fatos como estes não voltem a ocorrer."  

Assinam o Dr. Paulo Roberto Teixeira, Coordenador Nacional de DST e Aids, a Secretaria de Políticas de Saúde e o próprio Ministério da Saúde.  

Creio ser uma nota extremamente corajosa, clara e que faz a defesa da integridade moral do cidadão brasileiro, do componente humanista que deve nortear a relação entre pessoas, povos, instituições, Estados. É uma nota que demonstra uma atitude de vanguarda de uma instituição pública, porque, no dia-a-dia dessas instituições, o que se vê são manifestações acanhadas ou numa linguagem extremamente elegante, que às vezes impede a clareza de um repúdio contundente, claro e objetivo em relação ao pior dos males das relações humanas, que é o preconceito.  

Na semana passada, acompanhei uma solenidade em Salvador. Naquele ocasião, várias pessoas foram homenageadas por lutar a favor da aceitação social de pessoas portadoras de uma doença que carrega o mesmo estigma da Aids, a hanseníase, uma doença que há milhares de anos aflige as populações pobres e minorias do nosso Planeta, em função do estigma e do preconceito. Por ocasião da premiação, foi lido texto do homenageado simbólico – que traduziu seu prêmio a todos as pessoas – intitulado Bacurau, criador do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase. O pensamento expresso no texto, a meu ver, pode muito bem ser aplicado à Aids:  

"O amor ainda continua sendo o melhor remédio para todos os males do mundo, desde que seja traduzido em trabalho, em ética, em humildade, em compromisso, em justiça... Hanseníase também se cura com amor."  

É uma homenagem aos agraciados na luta pelos direitos humanos no 10º Encontro Nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase.  

Creio que esse pensamento, paralelamente, aplica-se à questão da Aids. Não há qualquer razão para, 20 anos após a evolução de uma epidemia, de uma pandemia tão perversa, tão violenta como essa, que aflige hoje de forma marcante os povos da África, as minorias dos países pobres – houve um controle efetivo nos países em desenvolvimento –, ainda carregue, como principal componente de gravidade, de piora da qualidade de vida dos portadores ou dos doentes, o preconceito. Quem conhece essa doença no seu dia-a-dia, quem tratou de pacientes vítimas de Aids, quem participa dos grupos de solidariedade testemunha que nada tem sido pior, em termos de piora da condição de saúde dessas pessoas, do que o preconceito, sustentado apenas pela ignorância humana, pelo desconhecimento da ciência e de que nada é mais importante na vida do que a solidariedade, do que o convívio social de maneira respeitosa.  

A Central Única dos Trabalhadores, recentemente, teve um grande avanço ao promover cursos entre seus operários, entre seus funcionários, não só para esclarecer a questão da prevenção, mas para incentivar o respeito aos que convivem com o vírus ou com a doença.  

Creio que o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Nacional de AIDS e Doenças Sexualmente Transmissíveis, trouxe um alerta para a sociedade com essa nota. Lembrou à sociedade que temos uma projeção de doze milhões de pessoas portadoras de doenças sexualmente transmissíveis. Se tivermos em mente que são doenças assintomáticas, restritas à relação médico/paciente, e que a grande maioria obtém a cura, então está tudo bem. A AIDS, no entanto, é uma doença limitada ao tratamento, mas ainda não há o grito de liberdade, a cura. Nesse momento, o nosso grito, como cidadãos brasileiros, como membros do Congresso Nacional, com a participação honrosa e profundamente qualificada do Ministério da Saúde, é que não aceitamos o preconceito, em pleno do ano 2000, às vésperas do século XXI.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2000 - Página 16362