Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

PERPLEXIDADE COM OS RESULTADOS ALARMANTES DE EXPLORAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA INFANTIL REVELADOS PELO MAPA DE INDICATIVOS DO TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, DURANTE O PERIODO DE 1997 E 1999.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PERPLEXIDADE COM OS RESULTADOS ALARMANTES DE EXPLORAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA INFANTIL REVELADOS PELO MAPA DE INDICATIVOS DO TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, DURANTE O PERIODO DE 1997 E 1999.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2000 - Página 16367
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, PUBLICAÇÃO, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), ASSUNTO, TRABALHO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, AMBITO, ESTADOS, REGISTRO, DADOS, EXPLORAÇÃO, MÃO DE OBRA, INFANCIA, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, CONDIÇÕES SANITARIAS, SALARIO.
  • REGISTRO, MUNICIPIOS, REDUÇÃO, INDICE, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB – CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao receber em mãos exemplar mais recente do Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente , período 97-99, chego a uma melancólica conclusão: o Brasil não é somente injusto com seu povo, é sobretudo covarde com suas crianças! Perplexo com os resultados revelados pelo Mapa, aproveito a ocasião para discutir alguns pontos levantados, com o propósito de suscitar o interesse de todos sobre a questão do menor trabalhador.  

Pois bem, elaborada e distribuída pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a publicação funciona como uma minuciosa fotografia do quadro brasileiro sobre a complicada relação entre criança e trabalho. O Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente segue uma linha editorial bastante didática, pela qual expõe a participação/contribuição de cada Estado da Federação no processo de "proletarização" do jovem e da criança brasileira.  

Organizado em forma alfabética, o Mapa passa em revista as 27 Unidades da Federação, em cujas cidades se possam detectar as atividades econômicas, as tarefas executadas e as condições de trabalho nas quais crianças e jovens são submetidos a trabalhos julgados, a princípio, impróprios. Além disso, e para desestimular o emprego de mão-de-obra tão desprotegida, o levantamento se preocupa em destacar os municípios com indicativos de redução do trabalho infantil.  

A começar pela Região Norte, o Acre e o Amazonas parecem ocupar posição de extrema visibilidade na exploração de mão-de-obra infantil. Pelo menos, é assim que se lêem os dados arrolados no Mapa. Senão vejamos: a indústria moveleira e assemelhados emprega contingente significativo de crianças, cuja atribuição principal se resume ao carregamento excessivo de cargas em ambientes insalubres e infestado de produtos tóxicos. Da mesma forma, no Acre, crianças são exploradas na quebra de concreto, para cuja empreitada recebem salário inferior ao mínimo legal, não dispõem de carteira de trabalho assinada, além de condições sanitárias inadequadas.  

No Amazonas, o quadro não é menos alarmante, pois, lá, a mão-de-obra infantil é utilizada no denominado "Lixão", para seleção de lixo reciclável. Desprovidos de qualquer vínculo empregatício, as crianças exercem atividade informal ininterrupta como catadores e vendedores de lixo, sem direito ao mínimo descanso semanal. Por sua vez, o Pará não foge à regra, empregando crianças e adolescentes na construção civil como ajudantes de pedreiro, como encarregados da limpeza das instalações e como carregadores de entulho. Inadmissível também é reconhecer que no interior do Pará centenas de menores são empregados na agricultura, para limpeza, plantio e colheita dos produtos, destituídos de condições mínimas de transporte seguro, de instrumentação do serviço, além da submissão à jornada de trabalho excessiva e longa exposição ao manuseio de agrotóxicos.  

Em Rondônia, o Ministério do Trabalho flagrou, entre outras infrações graves, a utilização de mão-de-obra infantil no comércio de bebidas em casas noturnas, em cujo ambiente exerce a função de limpadores de banheiro, lavadores de louça e balconistas. Igualmente, crianças são constantemente expostas ao trabalho de extração de cassiterita, no qual escovam a terra, carregam, lavam e vendem o minério. Para isso, não custa dizer que trabalham em regime de quase escravidão, sob sol escaldante, sem nenhum tipo de proteção.  

No Tocantins, ao que tudo indica, o quadro é menos assustador. Mesmo assim, a falta de anotação na Carteira de Trabalho dos jovens trabalhadores constitui prática usual entre os empregadores tocantinenses. Para contrapor, cumpre registrar que os Municípios de Araguaína, Gurupi e Palmas (a Capital) reduziram o emprego de mão-de-obra infantil nas atividades relacionadas a serviços em cerâmica e olaria.  

Na Região Nordeste do País, conforme os estudos do Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente, o panorama não é nada animador. A economia alagoana, por exemplo, contribui para o emprego de dezenas de crianças na fabricação de fogos de artifício, para a preparação de pólvora e outros produtos químicos, sem que haja qualquer mecanismo de segurança à disposição.  

Na Bahia, as culturas do sisal, do café, do algodão, da cana, do caju, da mandioca e do fumo não cessam de lançar mão do trabalho infantil como prática de redução de custo. Isso, naturalmente, implica expor a meninada à jornada excessiva, à falta de anotação na Carteira, ao não-fornecimento de alimentação, ao não-fornecimento de instalações sanitárias adequadas e, o que pior, ao manuseio constante de agrotóxicos. Mais grave foi constatar o emprego de crianças na produção de carvão vegetal, para manutenção e controle de fornos, ensacamento, corte das madeiras e carregamento dos caminhões. Não seria descabido lembrar que, para cumprir tais tarefas, os trabalhadores mirins estão sujeitos a jornadas abusivas, a trabalhos noturnos e a variações bruscas de temperatura, do que se conclui a extrema precariedade das condições de trabalho.  

No Ceará, meu Estado, para minha tristeza, a situação não difere muito das demais unidades federativas. Há flagrantes indiscutíveis de transgressão dos princípios firmados na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. A cultura da cana e do caju ainda emprega mão-de-obra infantil com abundância, sem atender aos preceitos básicos das condições necessárias de trabalho em que opera. Insalubridade, periculosidade, jornada excessiva, instalações sanitárias e transporte inadequados, condições precárias de iluminação e ventilação, baixíssima remuneração e falta de anotação na Carteira de Trabalho são algumas das ocorrências irregulares que mais incidem sobre o emprego de mão-de-obra infantil nas atividades econômicas ligadas aos serviços em pedreiras e em salinas.  

Apesar disso, não me furto a ressaltar que o Ceará está em processo de reduzir indicativos tão vergonhosos, na medida em que o próprio Mapa do Ministério do Trabalho aponta um elenco significativo de municípios cearenses com crescentes taxas de redução do trabalho infantil. Por isso, gostaria de prestar homenagem, nesse instante, aos Municípios de Acarape, Barbalha, Missão Velha, Redenção, Crato, Paracaru, Barroquinha, Chaval, Trairi, Beberibe, Icapui, Cascavel, Pacajus, Aracati, Alto Santo, Jaguaribe, Limoeiro do Norte, Morada Nova, Palhano, Quixerê, Russas, São João do Jaguaribe e Tabuleiro do Norte pelo enorme esforço e seriedade com que têm levado a cabo sua determinação na queda do emprego infantil. Mais que isso, gostaria de parabenizar Fortaleza pelos excelentes resultados no âmbito do trabalho infanto-juvenil, graças à política de retirada dos meninos da prática de venda de jornais e distribuição de panfletos na capital.  

Seguindo nosso périplo pelo Nordeste, a população infantil pernambucana permanece como mão-de-obra consideravelmente utilizada e explorada nas mais diversas atividades econômicas do estado. De acordo com os dados fornecidos pelo mesmo Mapa, a situação observada nos Estados do Maranhão, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte merece rigorosa atenção das autoridades, pois o respeito aos direitos mínimos dos trabalhadores infantis de lá passa longe do controle e da vigilância pública. Nestas unidades da Federação, as transgressões se estendem desde a exploração de meninos no plantio e colheita das culturas, até a sujeição de crianças às condições mais desumanas de trabalho industrial e comercial. Em contraste, no Sergipe, o emprego de mão-de-obra infantil se restringe a praticamente quatro cidades do estado, envolvidas nas atividades de pecuária, pesca, cultura do coco e produção de farinha de mandioca.  

Na Região Centro-Oeste, a expectativa de dados mais animadores é logo substituída por um quadro tão ou mais grave que o verificado nas regiões mais ao norte. Com exceção do Distrito Federal, onde as transgressões se resumem, praticamente, à falta de anotação na Carteira de Trabalho, o panorama desenhado pelo Mapa sobre os demais estados não desperta qualquer sinal de entusiasmo. Da agricultura goiana às madeireiras mato-grossenses e ao "lixão" do Mato Grosso do Sul, tudo condensa flagrante de extrema desumanidade com a integridade de nossas crianças.  

No Sudeste brasileiro, Minas Gerais vem-se consagrando como campeã da imoralidade no emprego de mão-de-obra infantil, ao lado dos paulistas, cujas incessantes práticas de desobediência ao Estatuto da Criança, em termos comparativos, não deixam nada a desejar. Rio de Janeiro e Espírito Santo não constituem exceções, mas apresentam quadro bem mais ameno. De qualquer modo, não poderíamos furtar-nos aqui a detectar uma ironia nada feliz. Trata-se de, melancolicamente, atestar o quanto que o alto desenvolvimento econômico de determinada região não representa simetricamente alto desenvolvimento moral e ético no que se refere ao respeito aos direitos das crianças e dos jovens trabalhadores.  

Por último, na Região Sul, o Mapa registra uma uniformidade entre os três estados, que, bem aquém do imaginado, não corresponde a uma realidade essencialmente diferente do resto do País. Para perplexidade de todos, enquanto os gaúchos ainda apostam na exploração de mão-de-obra infantil para o cultivo do fumo, da maçã e da batata, os paranaenses aproveitam a fragilidade de suas crianças para extração e beneficiamento de calcário, carvão vegetal e no serviço em pedreiras. Santa Catarina não se posiciona muito atrás, mas, em verdade, se restringe ao emprego de jovens e crianças na sua agricultura.  

Em suma, diante do exposto pelo Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente , não restam dúvidas de que muito há de ser feito ainda no Brasil para que a injustiça, a desigualdade de direitos e o desrespeito à vida humana sejam banidos, de vez, do seio de nossa sociedade. Apesar de reconhecer que, invariavelmente, cidades brasileiras tentam reduzir o emprego de crianças, é notória a naturalidade com que a cultura de nosso País transige com práticas tão deletérias. Para corrigir, é preciso que o Estado brasileiro haja com mais rigor no exercício de seu poder de vigilância, e ofereça condições sociais e econômicas mais dignas às famílias dessas crianças e desses jovens tão desamparados.

 

Era o que eu tinha a dizer.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2000 - Página 16367