Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CRITICAS A PROPOSTA DE PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA HIDRELETRICA DO VALE DO SÃO FRANCISCO - CHESF.

Autor
Clodoaldo Torres (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PE)
Nome completo: Clodoaldo da Silva Torres Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CRITICAS A PROPOSTA DE PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA HIDRELETRICA DO VALE DO SÃO FRANCISCO - CHESF.
Aparteantes
Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2000 - Página 16458
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PROPOSTA, PRIVATIZAÇÃO, USINA HIDROELETRICA, ESPECIFICAÇÃO, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), MOTIVO, VIABILIDADE, LUCRO, EMPRESA, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO NORDESTE, CONTRIBUIÇÃO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, PAIS, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, RACIONALIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, GARANTIA, SOBERANIA.

O SR. CLODOALDO TORRES (PTB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero tratar aqui da privatização da Chesf, que consta dos planos imediatos do Governo. Pretendo analisar e comentar esse assunto sem nenhum passionalismo, sem nenhum preconceito. Não acredito na posição dos que querem manter tudo estatal nem na postura dos que querem tudo privatizar, a qualquer custo e a qualquer preço para a sociedade.  

No caso da Chesf, estou seguro de que existem fortíssimas e preponderantes razões para mantê-la sob controle estatal. Razões práticas, pragmáticas, relacionadas com a questão da água como bem público de usos múltiplos e conflitantes, principalmente em região árida como o Nordeste. E também razões econômicas, associadas ao inevitável aumento das tarifas de energia elétrica, que prejudicará toda a economia nordestina, caso se privatize a Chesf.  

Sr. Presidente, o Brasil chegou à década de 80 sobrecarregado de estatais. Tínhamos estatais em excesso, para todos os fins e para todos os gostos. Era mesmo necessário reduzir o tamanho do Estado brasileiro. O Poder Público tem, hoje, novas prioridades; não pode permanecer como responsável exclusivo pela infra-estrutura e pelos serviços públicos. Digo isso com espírito aberto, não obstante ter minhas origens no sistema estatal: sou economista da Chesf desde 1976; fui dirigente do Sindicato dos Eletricitários de Pernambuco; fui o último presidente da Telpe – Companhia Telefônica de Pernambuco, estatal, e coordenei a sua privatização. Sei dos méritos das empresas estatais e também de suas deficiências e dificuldades.  

Aceito, sem hesitação, a presença do capital privado no setor de energia elétrica, nas empresas de distribuição e também nas usinas geradoras termelétricas. Afinal, diante do sistema interligado que temos, com grandes linhas de transmissão cruzando as regiões e o País, uma usina termelétrica nada mais é que uma fábrica de quilowatts que injeta energia no sistema. Ela é uma agregação de energia a uma rede interligada, rede que deve ser supervisionada pelo Poder Público. O investimento privado em novas termelétricas acrescenta energia elétrica a uma economia que cresce, que dela tem sede. É um investimento benéfico.  

Outra modalidade de investimento vantajoso é a parceria entre empresas privadas e empresas estatais, como foi o caso exemplar da grande Usina de Serra da Mesa, no rio Tocantins, onde Furnas e um grupo privado se associaram, num efeito de sinergia que favoreceu o País.  

Já quando se trata de privatizar usinas hidrelétricas, inseridas em cadeia em um grande rio, sujeito às pressões do uso múltiplo do precioso bem público que é a água, o caso se complica radicalmente. É a situação da Chesf. A privatização das usinas hidrelétricas existentes e em operação no São Francisco é uma proposta que tem que ser analisada com extremo cuidado; tem que ser amplamente discutida e examinada em debate aberto por técnicos e pela sociedade em geral; nos plenários das representações políticas e nas reuniões da cidadania. E, Sr. Presidente, os argumentos contra a privatização da Chesf vão, a cada passo, acumulando-se insuperavelmente.  

O que é a Chesf? Algumas palavras sobre ela. A Chesf, hoje, é um imenso parque de instalações de energia elétrica servindo o Nordeste: 17 mil quilômetros de linhas de transmissão, nove usinas hidrelétricas. Fora a usina hidrelétrica de Boa Esperança, no rio Parnaíba, a Chesf é, essencialmente, o conjunto de grandes hidrelétricas do rio São Francisco: Sobradinho, Itaparica, Moxotó, o complexo das usinas de Paulo Afonso e Xingó. A Chesf são os 10.704 megawatts que movem a economia nordestina. E é uma empresa viável e rentável, com lucro líquido previsto para este ano de R$300 milhões, e R$1 bilhão para o próximo ano.  

Quando a Chesf foi fundada, há 55 anos, o Nordeste consumia apenas 1% da energia elétrica do Brasil. Hoje, são 15%. No seu início, houve os que acharam ambiciosa demais a meta da primeira usina de Paulo Afonso: 165 megawatts! Hoje, com 65 vezes mais, a Chesf alavanca o desenvolvimento do Nordeste e contribui para diminuir as fortíssimas disparidades regionais ainda existentes no Brasil.  

A Chesf é também, Sr. Presidente, a água do rio São Francisco. Isso é de decisiva relevância para a nossa discussão. Sim, a Chesf, além de seus megawatts, é o São Francisco, é a liderança decisiva para a gestão de suas águas. Águas demandadas para múltiplos usos. Demanda inevitavelmente conflituosa, que deve ser mediada por uma operadora de barragens de visão integrada, que tenha como prioridade o interesse público e não o interesse estritamente comercial.  

O São Francisco é, e será cada vez mais, o palco de uma complexa negociação pelo uso de suas águas. Todos eles, usos do interesse da sociedade: abastecimento das populações urbanas e das atividades rurais; energia elétrica; irrigação; navegação; transposição de águas para outras bacias; amortecimento de cheias; manutenção de vazões mínimas.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT - AP) – Permite-me V. Exª um aparte?  

O SR. CLODOALDO TORRES (PTB - PE) – Com muito prazer, nobre Senador.  

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT – AP) – Quero cumprimentar e saudar V. Exª pelo pronunciamento que faz nesta tarde, em que mostra o equilíbrio necessário para abordar e analisar este assunto de grande relevância para o nosso País: a geração de energia elétrica. V. Exª, de forma ponderada, concorda com aspectos da privatização e discorda especificamente da privatização das nossas hidrelétricas, citando, como exemplo, a Chesf. Da mesma forma que V. Exª, analiso esse assunto na tentativa de ser o mais ponderado possível. Sou, de certa forma, radicalmente contra a privatização das nossas hidrelétricas. E não preciso ir muito longe, basta observar o modelo dos Estados Unidos, onde nunca se permitiu a privatização das hidrelétricas, em função dos argumentos que V. Exª expõe sobre a importância da água. Digo que abordo o assunto de forma ponderada porque não discordo, por exemplo, de iniciativas novas do Governo de que grupos privados possam vir a construir hidrelétricas em nosso País. O meu Estado, o Amapá, inclusive poderá ser palco da construção de uma hidrelétrica nesse modelo, onde uma empresa privada terá a concessão para construir a hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Jari, nos limites entre o Pará e o Amapá. Sou favorável a essa construção. Mas sou contra, Senador Clodoaldo Torres, à privatização, por exemplo, da Eletronorte, porque ela é uma das coisas boas que existem na nossa Amazônia. Se tivéssemos que, por exemplo, avaliar a Eletronorte e o DNER, eu daria nota zero para o DNER, por suas ações na Amazônia, e dez para a Eletronorte. Então, de forma alguma, irei concordar com a privatização da Eletronorte, da mesma forma que V. Exª discorda da privatização da Chesf, porque aquela empresa, além do patrimônio que construiu na Amazônia, tem garantido eficácia na produção da energia elétrica e na reversão do quadro caótico em que se encontravam, até algum tempo atrás, a geração e a distribuição de energia elétrica no Norte do País. Assim, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento e digo que V. Exª pode contar com o meu apoio nesta luta para não permitir que sejam privatizadas as nossas hidrelétricas. Se é que entendi bem a ênfase do pronunciamento de V. Exª, parece-me que se concentra nesse aspecto da não privatização das hidrelétricas em geral. Muito obrigado.  

O SR. CLODOALDO TORRES (PTB – PE) – Entendeu perfeitamente bem, nobre Senador Sebastião Rocha. Fico extremamente satisfeito que V. Exª comungue com o seu companheiro dessa opinião. Entendo que é um dever de todo cidadão brasileiro lutar contra a privatização das hidrelétricas especificamente. V. Exª poderá observar, no decorrer do meu pronunciamento, que apresento, inclusive, algumas sugestões. Não tenho nenhum preconceito, conforme já disse aqui. Fui, inclusive, coordenador da privatização da Telco, Telecomunicações de Pernambuco e trabalhei por mais de três anos com o Ministro Sérgio Motta. Mas, no caso específico das hidrelétricas, creio que é uma questão que fere inclusive a soberania nacional. Tenho muito temor do uso inadequado das águas do rio São Francisco por alguma empresa privada que se apodere desse nosso patrimônio.  

Continuando, Sr. Presidente, como bem público disponível para a sociedade, o recurso hídrico, por sua natureza, exige a mediação de entidades estatais. A iniciativa privada simplesmente não suportaria ingressar nessa incerteza, nesse grau de risco. Para fazê-lo, ela teria que exigir exorbitantes garantias e compensações, como está exigindo. No caso de o Governo ceder a essas exigências de conceder essas garantias e compensações, o preço para o Nordeste será insuportável, e toda vantagem econômica de se privatizar vira fumaça, passa a perder qualquer sentido.  

Os que preparam a privatização da Chesf relutam em assumir um compromisso claro e formal com o povo brasileiro: o de que os proprietários privados das hidrelétricas da Chesf não terão qualquer garantia de vazões asseguradas, nem que o Estado brasileiro os compensará de qualquer forma pela energia não gerada em decorrência de outros usos da água.  

O povo brasileiro tem o direito e o Governo Federal tem a obrigação de tornar oficial esse compromisso de evitar garantias exorbitantes aos compradores de hidrelétricas da Chesf.  

Se for tornado público e oficial que não haverá garantia de energia assegurada em favor dos compradores de hidrelétrica e que não haverá qualquer tipo de pagamento ou compensação pela energia não gerada em decorrência de outros usos da água, o debate e a oposição deixará de ser uma questão de exercício de cidadania e poderá passar a ser enfocada na mesma ótica das demais privatizações: a ótica da conveniência de política econômica, de diretriz de governo, de ideologia, etc.  

Falei em exercício de cidadania. De fato, diante da privatização das hidrelétricas da Chesf, da maneira como ela vem sendo posta pelos gestores desse processo de privatização, resistir a ela passa a ser uma postura de cidadania, repito, uma obrigação mesmo, por parte dos que não perdem de vista os interesses do País.

 

No ambiente institucional do São Francisco, à luz da nova legislação brasileira sobre gestão de recursos hídricos e em face das necessidades do Nordeste, esta é a realidade: mesmo com a vantagem de encontrar obras prontas, o capital privado não virá, devido ao enorme risco; ou então exigirá vantagens tais que transformarão a privatização em uma caricatura de suas boas intenções iniciais.  

É por esse motivo, Sr. Presidente, pelo caráter de bem público das águas, pela imensa complexidade do seu uso múltiplo, pela exigência natural da presença do Estado nessa questão é que os grandes complexos de hidrelétricas em todo o mundo não são e nem serão privatizados. Os Estados Unidos não privatizam a cadeia de hidrelétricas da Tennessee Valley Authority, a TVA, no Sul daquele país. Tampouco privatizam a cadeia de hidrelétricas no seu Noroeste, pertencentes à BPA, Boneville Power Administration. Tanto a TVA como a BPA são grandes estatais americanas no setor elétrico que operam em rios de uso múltiplo. Podemos estar certos e tranqüilos de que jamais serão privatizadas.  

O mesmo se repete no Canadá, onde há quatro grandes estatais, em quatro diferentes províncias, detentoras de grandes parques de hidrelétricas. Nem a Noruega privatizou seu sistema elétrico, pesadamente estatal, apesar de ter adotado uma reestruturação do seu setor elétrico para nele introduzir a competição e a eficiência, reestruturação de modelo semelhante àquele praticado na Inglaterra e ao que vem sendo adotado no Brasil. Modelo, de resto, que deve ser acolhido com inteligência, adaptando-o às características do nosso parque gerador, que é bem diferente do da Inglaterra.  

O modelo, na sua essência positivo, é predominantemente destinado a colocar as empresas em competição entre si para benefício do consumidor. Entre outras características, ele tem a vantagem de abrir espaço para a expansão da produção de energia elétrica por via do capital privado. Mas a privatização das hidrelétricas existentes não é, nem pode ser, o objetivo primeiro do modelo. Na Inglaterra, onde só há praticamente termelétricas, privatizou-se tudo. Na Noruega, onde só há praticamente hidrelétricas, não se privatizou nada. Há toda a lógica nisso. Obviamente, o correto é dirigir o modelo para a introdução da concorrência entre os agentes, e não, primordialmente, para a mudança da natureza da propriedade das instalações.  

Um outro motivo para que, nos Estados Unidos, não se privatizem as hidrelétricas estatais é que isso é política e economicamente inviável. Os Estados daquela Federação, beneficiados pelos baixos preços da energia elétrica estatal, jamais concordariam com a privatização, que levaria necessariamente ao aumento de tarifas, pois os investimentos privados teriam que ser remunerados. Um aumento de tarifas que contrariaria os interesses das empresas, dos trabalhadores e das famílias. Como seria o nosso caso, na eventualidade de privatização da Chesf.  

Portanto, Sr. Presidente, por todas essas razões, defendo a seguinte posição: privatizar a Chesf é indesejável; privatizar a Chesf é impróprio; privatizar a Chesf é descabido. Mas, sobretudo, privatizar a Chesf é pouco inteligente, é pouco esclarecido, é correr um risco excessivamente alto a ser dolorosamente pago pelos nordestinos e pelo Brasil.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2000 - Página 16458