Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A TERCEIRA CONFERENCIA MUNDIAL CONTRA O RACISMO, A DISCRIMINAÇÃO, A XENOFOBIA E AS FORMAS CONEXAS DE INTOLERANCIA, PROMOVIDA PELA ORGANZIAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, A SER REALIZADA EM AGOSTO DO PROXIMO ANO, NA REPUBLICA SUL-AFRICANA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A TERCEIRA CONFERENCIA MUNDIAL CONTRA O RACISMO, A DISCRIMINAÇÃO, A XENOFOBIA E AS FORMAS CONEXAS DE INTOLERANCIA, PROMOVIDA PELA ORGANZIAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, A SER REALIZADA EM AGOSTO DO PROXIMO ANO, NA REPUBLICA SUL-AFRICANA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2000 - Página 16511
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • ANUNCIO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ASSUNTO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL.
  • GRAVIDADE, VIOLENCIA, DISCRIMINAÇÃO, GRUPO ETNICO, MUNDO, ANALISE, OCULTAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, INFERIORIDADE, SITUAÇÃO, NEGRO, AMBITO, ESCOLARIDADE, SALARIO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no próximo ano, em agosto, a Organização das Nações Unidas fará realizar, na República Sul-Africana, a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância. Ela segue o exemplo de conferências anteriores; sobre meio ambiente e desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992; sobre direitos humanos, em Viena, em 1993; sobre população e desenvolvimento, no Cairo, em 1994; sobre a mulher, em Pequim, 1995; e sobre habitação, em Istambul, em 1996. A ONU objetiva, com a realização desse encontro internacional, a ampliação da consciência sobre a questão em foco e a apresentação aos Estados de sugestões de medidas para o equacionamento das possíveis soluções para ela.  

Trata-se de iniciativa muito oportuna. De fato, apesar de toda a conversa corrente sobre globalização e integração mundial, os incidentes em que o racismo se manifesta com violência vêm se tornando comuns. Um dia, recebemos a notícia de que os andaluzes lincharam um migrante marroquino; em seguida, foi um estudante africano fuzilado por policiais nova-iorquinos que tomaram seu gesto de pegar no paletó a carteira de documentos como a ameaça de sacar uma arma; quotidianamente ouvimos falar de conflitos em países multiétnicos e multiculturais, como a Indonésia ou a Argélia, onde ocorrem horrendos morticínios, para não falar das guerras ocorridas quando da fragmentação da Iugoslávia.  

Não podemos, nesse quadro, deixar de mencionar a vitória em eleições parlamentares de um país tão desenvolvido como a Áustria, e com um povo tão cultivado, de uma coalizão composta por um partido que se arroga a condição de herdeiro do nazismo e não se avexa de fazer elogios a Adolf Hitler.  

Apesar de nos escandalizarmos com essas ocorrências de racismo mundo afora, que nos parecem tão distantes de nossa realidade, nós, brasileiros, não podemos dizer que somos inocentes. Não podemos afirmar que temos em nosso País um paraíso da igualdade racial. Esse, o da "democracia racial", é talvez o mais falso e mais insidioso dos mitos sobre nossa cultura e nacionalidade. Todas as pesquisas sérias o desmentem radicalmente.  

Há alguns anos, por exemplo, o Instituto Datafolha, da Folha de S. Paulo , realizou extensa pesquisa que resultou em um caderno especial intitulado, sintomaticamente, "Racismo Cordial", que mostrava bem como, por detrás das máscaras de tolerância e abertura, o brasileiro médio é muito preconceituoso. Cerca de oitenta por cento dos entrevistados, ao mesmo tempo em que negavam a condição de racistas, afirmavam que os brasileiros — quer dizer, "os outros, não eu" — são racistas.  

Francamente, Srs. Senadores, dessa dupla consciência só podemos dizer que se trata de matéria para psicanálise. Um caminho para a superação da discriminação por motivo de raça começaria necessariamente pelo reconhecimento do racismo por parte de cada um de nós.  

A verdade é que, quando se alinham os dados de escolaridade e de renda dos brasileiros, os fatos se mostram com a sua crueza: não apenas os negros brasileiros apresentam em geral menos escolaridade que os brancos: mesmo ao se comparar indivíduos com o mesmo número de anos de estudo, os salários médios dos negros são muito inferiores. A discriminação contra o negro no mundo do trabalho é maior que aquela sofrida pela mulher em geral, de acordo com dados da pesquisa Datafolha.  

Ainda agora mesmo, em maio de 2000, o Instituto Data-UFF da Universidade Federal Fluminense, de Niterói, em conjunto com o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas — Ceap, publicou os resultados de uma pesquisa, financiada pela Fundação Ford e realizada em todo o Estado do Rio de Janeiro, na qual os resultados do levantamento do Datafolha são, mais uma vez, confirmados. Nessa, como na outra pesquisa, o preconceito se revela por detrás das máscaras de tolerância: perguntados, por exemplo, sobre a razão dos conflitos entre negros e brancos, 46% dos respondentes queixaram-se de quererem os negros "as mesmas condições dos brancos", como se esse não fosse seu direito.  

Outra pesquisa recente, vinda a público em Porto Alegre, durante depoimento de Shimon Samuels, diretor de assuntos internacionais do Centro Simon Wiesenthal, à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, revela que o número de sites na internet que pregam o racismo dobrou nos últimos cinco anos. Muitos deles são de responsabilidade de brasileiros que, como o conhecido editor Siegfried Ellwanger Castan, divulgam idéias revisionistas, negando o Holocausto judeu da Segunda Guerra Mundial.  

Pode ser que nunca consigamos nos livrar dos sentimentos racistas, das emoções atávicas que os desencadeiam. Mas é necessário e urgente que combatamos, agora e sempre, a discriminação racial e social, que é a manifestação aberta e injusta dessas emoções. Isso podemos fazer, isso é possível regular em lei e educar a população para uma consciência real dessa classe de problemas. É tarefa que cabe aos legisladores, aos administradores da justiça e aos gestores da coisa pública em geral, mas, sobretudo, cabe a todo o mundo, individualmente e a cada situação.  

A conferência das Nações Unidas, prevista para o ano que vem, será portanto uma oportunidade para que o Brasil, com sua participação, reflita sobre sua sociedade e sobre a distância entre o mito de nossa democracia racial e a dura realidade. Ou, nas palavras de Sueli Carneiro, Diretora do Geledés, Instituto da Mulher Negra, fazer com que "o país que foi capaz de criar o mais belo mito de democracia racial que se conhece no mundo seja capaz de torná-lo realidade".  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2000 - Página 16511