Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

APOIO AO MOVIMENTO DAS MULHERES DO CAMPO INTITULADO "A MARCHA DAS MARGARIDAS". NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DA POLITICA NACIONAL DE SANGUE, HEMODERIVADOS E HEMOCOMPONENTES.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. FEMINISMO. SAUDE.:
  • APOIO AO MOVIMENTO DAS MULHERES DO CAMPO INTITULADO "A MARCHA DAS MARGARIDAS". NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DA POLITICA NACIONAL DE SANGUE, HEMODERIVADOS E HEMOCOMPONENTES.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2000 - Página 16527
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. FEMINISMO. SAUDE.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, CHEGADA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), MARCHA, MULHER, TRABALHADOR RURAL, PARTICIPAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, REIVINDICAÇÃO, IGUALDADE, DIREITOS, JUSTIÇA SOCIAL, COMBATE, IMPUNIDADE, VIOLENCIA, REGISTRO, DADOS, CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CONTAG), DISCRIMINAÇÃO, CAMPO, AMBITO, REFORMA AGRARIA, CREDITO RURAL, SALARIO, SAUDE.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT – AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje é uma data especial. Há um movimento nacional de mulheres do campo que, em marcha, chega a Brasília. Elas vêm participar de audiências públicas e de encontros com autoridades de Estado, inclusive com o Senhor Presidente da República.  

O movimento é intitulado "A Marcha das Margaridas". Traduz uma homenagem à Margarida Maria Alves, que, infelizmente, foi assassinada pelo latifúndio inescrupuloso em 12 de agosto de 1983, em Alagoa Grande, no Estado da Paraíba. Lamentavelmente, um crime que ainda não encontrou os culpados e que ainda não conseguiu elucidação, o que demonstra a força da impunidade dos os poderosos em tantos lugares do Brasil; de maneira muito mais violenta e perversa com os trabalhadores do campo e, tragicamente, com as mulheres, que são minoria, no sentido dos seus direitos e da busca pela justiça social.  

Essa marcha traz um significado muito grande do que tem sido a vida da mulher brasileira no campo. Aproveito para lembrar que essas mulheres representam 48% da população rural do Brasil, com 36% da população economicamente ativa do mercado rural; e essas mulheres são responsáveis por 30% de todo o alimento básico que chega à mesa do cidadão brasileiro.  

Também vale a pena lembrar que as mulheres ainda são alijadas de seus direitos, seja por mero preconceito por parte dos executores das políticas públicas, seja pelas normas e procedimentos diferenciados, que dificultam o seu acesso a esses direitos.  

Alguns dados, fornecidos pela Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, a Contag, sobre a situação da mulher brasileira no campo são muito importantes de ser lembrados.  

Em 32 anos, somente 12,6% dos assentados pela reforma agrária no Brasil são representados por mulheres. As terras são sistematicamente tituladas em nome dos homens; nunca no das mulheres ou no do casal.  

Em relação ao crédito rural, até hoje, apenas 7% dos beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, têm como representantes mulheres, mesmo sabendo-se que elas têm papel decisivo na fixação das famílias no campo. As instituições financeiras exigem das trabalhadoras garantias hipotecárias pouco exigidas em relação aos homens. O raciocínio do banco é o de que a mulher não tem potencial produtivo para pagar o empréstimo – veja que absurdo, Sr. Presidente! -, o que a torna cliente de alto risco para a instituição financeira.  

Em relação ao trabalho da mulher rural neste País, apenas 15% delas têm carteira de trabalho assinada, sendo que a força de trabalho feminina é responsável por 30% da produção de alimentos básicos no País; 56% das mulheres começam a trabalhar antes dos 10 anos de idade, com jornadas que variam de 10 a 18 horas de trabalho por dia.  

A grande maioria dos patrões considera o trabalho da mulher na propriedade já pago pelo salário do marido ou do próprio companheiro. Existe uma enorme resistência à concessão de benefícios da Previdência Social, tais como a aposentadoria e salário-maternidade.  

Em relação às informações contidas no documento da Contag sobre a saúde da mulher no Brasil, à mulher rural especificamente, vê-se que cerca de 60% das trabalhadoras do campo engravidam entre 15 e 21 anos de idade, e 43,1% não utilizam qualquer método contraceptivo. Faltam, no campo, atendimento médico e orientação adequada às mulheres, mais campanhas de esclarecimento sobre gênero, geração e saúde reprodutiva.  

São altos os números da mortalidade materna, de gravidez precoce, de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis – DSTs. Nesse ponto, faço um parêntese para lembrar que 12 milhões de casos de doenças sexualmente transmissíveis, conforme projeção do próprio Ministério da Saúde - um assunto muito pouco debatido e discutido por razões de ordem moral, de preconceito - afligem a situação da mulher no nosso País. É alto também o número de óbitos por câncer de colo do útero, de câncer de mama, o que também as aflige de maneira especial, além da tendência ameaçadora da interiorização, feminização e pauperização da Aids.  

Vale lembrar que, no início dessa epidemia, o número de homens infectados pelo vírus da Aids era desproporcionalmente maior que o número de mulheres. Atualmente, chegamos à condição de um homem infectado por um caso novo de Aids para uma mulher infectada, numa proporção de 50%, sem contar a tragédia humana que se abate sobre mulheres rurais de povoados menores deste País, quando essa doença já atinge componentes de horizontalização e envolvimento maior das camadas pobres deste País.  

Em relação à segurança, vale registrar que não existem, nas áreas rurais, delegacias especializadas no atendimento à mulher, muito menos acompanhamento psicológico à mulher vítima de violência por razões de ordem sexual. Mesmo nos postos de saúde, onde as vítimas de violência são atendidas, não existem profissionais treinados para lidar com a situação e acompanhar a mulher, como ocorre nas cidades.  

Portanto, há uma verdadeira desproporção de direitos, ajustes e dignidade humana, em relação à mulher no Brasil, de modo muito especial à mulher rural.  

Essa "Marcha das Margaridas" traduz um sentimento de revolta, indignação e descontentamento absoluto com a demora nos ajustes sociais e trabalhistas que podem permitir igualdade à mulher rural.  

Quanto às práticas de exploração sexual contra meninas e adolescentes, na Região Norte, os garimpos são tidos e reconhecidos, inclusive pela Imprensa, conforme pesquisas levantadas, como cárceres privados, onde há tráfico de crianças e adolescentes, leilões de meninas virgens e mutilações, que, não raro, têm ocorrido nas regiões de garimpo deste País.  

O turismo sexual e portuário e de fronteira também é outro drama que aflige à mulher brasileira.  

No Nordeste, a marca que fica nas adolescentes e mulheres jovens é o tráfico de menores para países estrangeiros.  

No Centro-Oeste, ouve-se falar, segundo pesquisas em relação à condição da mulher no Brasil, em leilão de meninas virgens.  

No Sul e Sudeste, nada mais se prende à imagem, muitas vezes indesejável no País, do que o pornoturismo praticado nessas regiões com adolescentes e mulheres jovens.  

Sr. Presidente, essa homenagem à mulher rural brasileira, representada por essa marcha, tem a participação de instituições financeiras e jurídicas, terá, no Senado Federal, audiência com o Presidente da Casa, Senador Antonio Carlos Magalhães, e também com o Senhor Presidente da República, alertando-os sobre a condição indigna e absolutamente inaceitável em que vive a mulher brasileira. Espero que essa marcha possa redundar em gestos de sensibilidade a favor da ética na relação humana, a favor de direitos recuperados em relação à discriminação histórica com a mulher, e nós possamos, de fato, colocar, nos indicadores de desenvolvimento humano do Brasil, a condição necessária que merece a mulher brasileira, de modo especial, a mulher do campo.  

Deixo aqui registrada a minha homenagem e a do Senado Federal às mulheres rurais, que hoje fazem a sua manifestação intitulada "A Marcha das Margaridas".  

Sr. Presidente, eu gostaria também de trazer ao Plenário da Casa um debate que, acredito, seja pertinente, inclusive por já ter uma dívida com as instituições públicas do Brasil, tendo em vista as dificuldades com que o Ministério da Saúde tem com relação à estocagem, ao armazenamento e a correção das atividades de hemotransfusão. Ou seja, o que tem sido feito e o que deveremos fazer em relação ao sangue do povo brasileiro na hora de uma doença, de uma aflição dentro de um hospital, já que isso não está regulamentado em lei.  

Existe um Projeto do Deputado Roberto Jefferson, na Câmara dos Deputados, datado de 1991, que, basicamente, ficou adormecido até o ano de 1995, quando encontrou, na relatoria do Deputado Sérgio Arouca - grande sanitarista deste País e que muita falta ao Congresso Nacional -, um parecer e um substitutivo do projeto original. O substitutivo do Deputado Sérgio Arouca estabelece regras saudáveis e ajustadas do ponto de vista sanitário para que o Brasil tenha as suas normas e suas ações permitidas pelo que rege a Constituição Federal e regulamentadas em seus detalhes para promover a política de sangue, hemoderivados e hemocomponentes no nosso País.  

Existe uma conquista sagrada da sociedade brasileira, no seu art. 199, § 2º, da Constituição Federal, que diz que é vedada qualquer comercialização com o sangue dentro do Território nacional. Infelizmente, ainda temos um limbo estabelecido: o que fazer com a necessidade de tratamento de pessoas que precisam de hemoderivados ou de hemocomponentes, como fatores de coagulação, nas pessoas portadoras de doenças com as chamadas discrasias sangüíneas? Precisaríamos de uma regulamentação, porque o Ministério da Saúde, à revelia da lei, é forçado - e corretamente age - a importar sangue, gastando cerca de R$120 milhões por ano, sem contar os gastos das empresas privadas na importação de hemoderivados, já que ainda não temos tecnologia e auto-suficiência para tal. O sangue propriamente dito não é comercializado, mas a triagem sorológica, os pré-requisitos de qualidade exigidos por normas de biossegurança internacional impõem um custo da ordem de R$600, ou mais, para uma transfusão em qualquer hospital privado do País. Nos hospitais públicos, há um gasto do próprio Estado para garantir a triagem sorológica, o controle de qualidade com o sangue do povo brasileiro, o que onera muito o Poder Público em função da incapacidade da nossa auto-suficiência em relação à tecnologia do entorno do sangue e dos seus hemoderivados.  

Então, é uma situação que precisa de uma decisão definitiva, precisa da regulamentação da lei, para que possamos tratar, com senso de prioridade, a qualificação das instituições públicas e a auto-suficiência do Brasil em relação a esse impasse.  

O Correio Braziliense , na semana passada, retratou a gravidade desse problema, em que se pondera que um dos produtos mais caros do mercado dos medicamentos no seu sentido pleno é o sangue ou o plasma, cujo litro tem um custo, no mercado internacional, da ordem de U$70. O Brasil, segundo a própria matéria, tem quatrocentos mil litros de plasma em uma situação de dificuldade de armazenamento, estocagem e processamento, que são extremamente rigorosos. Temos um desperdício estimado, só nessa situação, de R$28 milhões.

 

O Presidente do Hemocentro de Pernambuco, Dr. Sílvio Romero, estabelece que, se fizéssemos um investimento de R$25 milhões, teríamos auto-suficiência para toda a Região Nordeste, apenas pensando no investimento no Hemocentro de Pernambuco.  

Tudo isso demonstra que o Brasil pretendia, no substitutivo do Deputado Sérgio Arouca, de 1995, a auto-suficiência já no ano 2000, o que evitaria gastos desnecessários da ordem de R$120 milhões. Até hoje o Ministério da Saúde vive a aflição de ter que importar sangue, porque não é auto-suficiente neste setor; insiste na importação e vive a aflição de não ter um investimento definido na área de tecnologia, o que nos permitiria independência em relação a isso.  

Então, o projeto de lei está na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, já tendo enfrentado um acordo de Lideranças na Câmara dos Deputados. Na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, tem como relator o nobre Senador Geraldo Althoff, que acata o entendimento dos Líderes, os quais estabeleceram um acordo na Câmara dos Deputados, e traz o assunto à Comissão para discussão.  

Apresentei quatro emendas, que julgo de grande importância. Faço um alerta ao Plenário da Casa para que tenhamos muito zelo e muito senso de prioridade ao colocar na Ordem do Dia, ainda no mês de outubro, no máximo, esse projeto de lei, para que possamos pôr um ponto final e tranqüilizar as instituições públicas e o Ministério da Saúde, a fim de que possam agir com ampla liberdade em relação ao assunto.  

Nas emendas que apresentei, tive o cuidado de reconhecer a gravidade que o assunto exige, como prática de terapêutica no nosso País, já que ainda temos assuntos muito delicados no interior do Brasil, nas regiões mais distantes. Em grandes regiões isoladas do País, transfusões de sangue são desnecessariamente indicadas, não havendo qualquer controle de qualidade, quase em uma espécie de braço a braço, em que pese um grande esforço do Ministério da Saúde para corrigir, em tempo hábil e de maneira emergencial, esse problema.  

As minhas emendas abordam o problema dos alertas em relação aos agravos e às conseqüências do sangue e dos seus hemoderivados. No Brasil, tem-se o cuidado de colocar uma bula em produtos simples e básicos, como uma Novalgina ou uma Aspirina, informando os riscos e as conseqüências que esses medicamentos podem causar; agora, em relação ao sangue, que se constitui um verdadeiro transplante de tecido, não há um alerta explícito e formal ao cidadão brasileiro, receptor desse benefício, sobre os agravos e as conseqüências decorrentes de uma hemotransfusão.  

Se formos analisar do ponto de vista técnico, verificaremos que as normas internacionais de biossegurança não impõem que algumas doenças façam parte de um alerta formal ao cidadão receptor de hemotransfusão. Por exemplo, hoje, realiza-se o teste de triagem em relação à Aids, à hepatite B, à hepatite C e à doença de Chagas, bem como uma abordagem do doente no sentido de prevenir outras doenças. Mas não se detecta, de maneira precoce e preventiva, o risco de transmissão de toxoplasmose, síndrome de mononucleose infecciosa, citomegalovirose e as chamadas hepatites criptogênicas, que não constam na rotina dos exames de triagem sorológica, o que poderia evitar uma doença transfusional. Nem estamos exigindo que isso seja feito. Mas o cidadão brasileiro, nas condições atuais, deveria ter acesso a esse tipo de informação, como acontece em outros países onde isso também não ocorre. Não acredito que possa estar havendo falha do Ministério da Saúde, do Sistema Nacional de Sangue e Hemoderivados, mas torna-se necessário haver mais informações ao cidadão para que funcione como um instrumento de crítica na hora de receber o benefício de uma hemotransfusão. Isso contribuirá para que o médico não seja levado por outras razões, às vezes impensadas, a proceder a uma transfusão de sangue que poderia ser evitada, por uma razão científica e de rigor, na hora de um plano terapêutico em relação a um doente com anemia aguda, em decorrência de hemorragia, ou por alguma doença crônica que imponha tal procedimento.  

Essas emendas que trago ao conhecimento do Plenário do Senado e que apresentei na Comissão de Assuntos Sociais são parte de uma busca para elevar a qualidade da política nacional de sangue e hemoderivados e contribuir para que o Conselho Nacional de Saúde cumpra o seu papel constitucional e institucional dentro do Sistema Único de Saúde, qual seja, o de controlar, acompanhar, fiscalizar e estimular de fato políticas corretas na área de saúde. Ao mesmo tempo, trago uma recuperação do substitutivo do Deputado Sergio Arouca, que estabelecia que, num prazo de cinco anos após a promulgação da lei, o Brasil precisaria ter auto-suficiência na área de hemoderivados e hemocomponentes. Com isso, evitaríamos um gasto anual da ordem de R$120 milhões, somente no Ministério da Saúde, e impediríamos o desperdício, como o que está acontecendo com 400 mil litros de plasma que estão ameaçados de representarem uma perda de R$28 milhões aos cofres públicos.  

Finalizando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, espero que, hoje, o Plenário do Senado dê a sua retribuição aos 125 milhões de brasileiros beneficiados pelo Sistema Único de Saúde, aprovando, de maneira unânime, a PEC da Saúde.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2000 - Página 16527