Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a proibição de comercialização e porte de arma de fogo.

Autor
Clodoaldo Torres (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PE)
Nome completo: Clodoaldo da Silva Torres Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre a proibição de comercialização e porte de arma de fogo.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2000 - Página 17153
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, POLEMICA, PROPOSTA, TRAMITAÇÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, PROIBIÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, REGISTRO, PORTE DE ARMA, TERRITORIO NACIONAL.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, HOMICIDIO, FALTA, SEGURANÇA, POPULAÇÃO.
  • MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, SUBSTITUTIVO, PROIBIÇÃO, VENDA, REGISTRO, ARMA DE FOGO, AUSENCIA, REDUÇÃO, CRIME, IMPEDIMENTO, DEFESA, POPULAÇÃO, CONTINUAÇÃO, CRIMINOSO, OBTENÇÃO, ARMA, CONTRABANDO.
  • COMENTARIO, EXPERIENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, AUSTRALIA, PROIBIÇÃO, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO, AUMENTO, INDICE, OCORRENCIA, CRIME.
  • DEFESA, AUMENTO, FISCALIZAÇÃO, DESARMAMENTO, CIDADÃO, CRIMINOSO, ILEGALIDADE, PORTE DE ARMA.
  • CONCLAMAÇÃO, POLITICO, AUTORIDADE, POPULAÇÃO, ESFORÇO, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, REDUÇÃO, VIOLENCIA, TRAFICO, DROGA, CONTRABANDO, ARMA DE FOGO, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, SIMULTANEIDADE, REMOÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, DESEMPREGO, ANALFABETISMO, EXCLUSÃO, MAIORIA, PAIS.

O SR. CLODOALDO TORRES (PTB - PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Sras e Srs. Senadores, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional estará apreciando, brevemente, em caráter terminativo, o parecer do ilustre Relator, Senador Pedro Piva, sobre o substitutivo que dispõe sobre a comercialização, o registro e o porte de armas de fogo em todo o território nacional.

Trata-se de matéria controversa, que vem suscitando polêmicas, em instâncias as mais variadas, em face das conseqüências que poderá produzir na vida cotidiana de milhões de brasileiros.

Desde logo, percebe-se que o substitutivo, incorporando projetos com origem nesta Casa de Leis, tem o significado de uma resposta dos parlamentares e das autoridades governamentais ao espantoso crescimento da violência e ao sentimento de pânico que afetam a grande maioria da população.

Tal providência denota a disposição dos homens públicos em reverter uma situação de violência generalizada, disposição essa que se pôde observar também na recente edição de um pacote antiviolência pelo Governo Federal, como é do conhecimento de todos. No entanto, cabe observar que essa presteza pode nos conduzir mais facilmente a equívocos, dado o clima emocional no qual vêm sendo tomadas as necessárias providências.

Nessa condição se enquadra a proposta de restrição do registro e da posse de armas de fogo por parte de cidadãos sem antecedentes criminais. Torna-se patente, Sras e Srs. Senadores, que esses cidadãos procuram se armar unicamente para proverem sua própria defesa, diante da incapacidade do Estado de lhes propiciar condições mínimas de segurança.

Antes que possa provocar definitivo espanto naqueles que me ouvem, devo adiantar que sou um homem pacato, de formação religiosa e absolutamente contrário à pena de morte. Além disso, até admito o desarmamento geral da população, mas lembrando, por conveniente, que o desarmamento começa com a apreensão das armas ilegais. Isso posto, passo a esclarecer os motivos por que sou contrário à proibição da venda de armas de fogo aos cidadãos honestos, sem antecedentes criminais e mentalmente sãos.

O Brasil vive hoje, no tocante à segurança pública, uma situação calamitosa. Os números são aterradores e apenas confirmam uma realidade que já conhecemos em nossa vida cotidiana. Em artigo publicado na seção “Ponto de Vista”, da revista Veja, em novembro do ano passado, o administrador Stephen Kanitz revela que, em cidades como a capital paulista, são assassinadas, anualmente, 55 pessoas por grupo de 100 mil habitantes. Essa marca é amplamente ultrapassada em outros grandes centros urbanos: em Diadema, também no Estado de São Paulo, já chegou a 140 por grupo de 100 mil habitantes, levando o articulista a lembrar que em Roma, apesar da Máfia, esse índice é de apenas 1,7 para o mesmo contingente.

Não será exagero afirmar que a população brasileira, especialmente a população jovem, vem sendo “dizimada” com mortes violentas: homicídios e acidentes de trânsito. Os óbitos originados de ações violentas no Brasil têm suplantado as estatísticas de países em guerra. Anualmente, 22 mil pessoas são assassinadas a tiros no Brasil, o que mereceu a observação da revista Veja de que, em duas semanas, são assassinadas mais pessoas no Brasil do que em um ano inteiro na Inglaterra. Estamos falando, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, de assassinatos. As estatísticas são muito mais aterradoras se aí incluirmos os dados referentes a assaltos, estupros, seqüestros...

A par dessa constatação, a ninguém escapa a incapacidade de o Estado prover a segurança pública em níveis minimamente aceitáveis, bastando lembrar um fato a meu ver emblemático: quando o cantor Michael Jackson veio ao Brasil e quis gravar um clipe em um morro carioca não pediu proteção da polícia, mas pediu a autorização de um traficante.

Fatos como esse demonstram claramente que o Estado brasileiro, pelo menos nesse aspecto, está muito próximo da falência. Tal situação, que salta aos olhos, já foi denunciada, nesta mesma tribuna, pelo ilustre Senador Geraldo Melo, para quem o Brasil “caminha para uma situação de instabilidade capaz de desafiar a autoridade do Estado”.

Alguns assaltos ocorridos recentemente revelam a que ponto chegou a ousadia dos bandidos. Em São Paulo, um shopping - que é um centro de lazer e de compras considerado local dos mais seguros - foi invadido por uma quadrilha que, entre outras proezas, se travestiu de polícia para obter êxito em sua empreitada criminosa; e aqui, na Capital da República, uma quadrilha com cerca de 15 bandidos invadiu a pista do aeroporto e roubou uma carga com 61 quilos de ouro. O que se observa, em atos como esses, é que os bandidos não mais atuam clandestinamente, com receio de serem flagrados em sua ação criminosa; antes, desafiam a autoridade policial, certos de levarem vantagem em eventual confronto.

Feitas essas considerações, quero me deter no que pode ser o grande equívoco das propostas de combate à violência: a proibição do registro e posse de arma de fogo ao cidadão de bem.

É preciso ter em mente, antes de mais nada, a inocuidade de tal medida no que respeita ao pretendido desarmamento dos bandidos. Obviamente, bandidos não compram armas em lojas, visto que sua comercialização obedece a exigências rigorosas e implica complexa burocracia: apresentação de documentos pessoais diversos, justificação, vida pregressa ilibada, nada-consta e aprovação da autoridade policial, e ainda, para obtenção do porte, rigoroso exame psicotécnico e comprovada capacitação no manuseio da arma.

Pode-se dizer que há um consenso a esse respeito. O ex-Senador Roberto Campos, em recente artigo, foi categórico: “Já temos uma lei bastante restritiva sobre compra e porte de armas. Mas os bandidos não compram armas em lojas. Obtêm-nas pelo contrabando, como subproduto do tráfico de drogas.”

Talvez o projeto Sivam - argumentou o ex-Senador -, que permitirá a supervisão por satélite do contrabando de drogas e armas, contribua mais para a repressão da violência do que o projeto governamental de desarmamento dos cidadãos inocentes.

Campos citou estudos realizados na Suíça e em Israel, comprovando que não há correlação entre população armada e violência homicida; e também pesquisa da Universidade de Chicago, a qual revelou ser a taxa de homicídio inferior nos 31 Estados americanos que permitem o porte de armas a adultos mentalmente sãos, em comparação com os Estados nos quais vigora a proibição. “Talvez” - acrescentou o ex-Senador - “a venda e a posse de armas, com identificação e registro, incomodem mais os bandidos do que uma lei severíssima que desarme as vítimas”.

As afirmações de Roberto Campos, Sr. Presidente, são endossadas por uma autoridade no assunto, o Deputado Luiz Antônio Fleury, ex-Governador e ex-Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Relator na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 2.787, que “dispõe sobre o porte de arma, venda e comercialização de material bélico”, Fleury é incisivo. Diz ele:

            “Ao contrário do que se diz, o aumento da criminalidade não está ligado nem à questão da venda de armas, nem à questão do porte de armas. É verdade que alguns alegam que a maior parte dos homicídios praticados no Brasil é realizada com o emprego de armas de fogo. Essa estatística, que é apresentada pelos defensores da proibição total da venda de armas, não leva em consideração se as armas utilizadas na prática desses delitos foram armas compradas em loja, devidamente registradas, ou se são armas contrabandeadas ou objeto de ilícitos, obtidas através de crimes”.

            De fato, calcula-se que existem no Brasil cerca de 20 milhões de armas de fogo, mas, dessas, apenas 1 milhão e 800 mil são registradas. Portanto, existem 18 milhões e 200 mil armas sem qualquer tipo de registro, contrabandeadas, sem qualquer tipo de controle por parte do Estado. Eu, pessoalmente, não conheço um cidadão sequer que tenha porte de arma e que tenha praticado um homicídio, com exceção, evidentemente, de policiais, cujo trabalho, por sua natureza, exige o emprego de armas.

O raciocínio é de uma clareza meridiana: sabedores de que a população civil está desarmada, os bandidos passarão a agir com mais audácia.

Da mesma forma - suponho -, pensa o Senador e ex-Ministro da Justiça Bernardo Cabral, que, recentemente, ao abordar a questão da violência, criticou a proposta de proibir a comercialização e o porte de armas. “O projeto - disse o ex-Ministro da Justiça e Senador da República - vai desarmar o cidadão, mas não o criminoso, que continuará a receber armamento pesado, através do contrabando” - explicou. Com posição semelhante, o nosso Colega, Senador Geraldo Melo, advertiu, na ocasião, que a proibição não resolve a questão da violência e que está sendo discutida “em meio ao pânico que tomou conta da sociedade pelo clima de insegurança”.

A inocuidade dessa medida se pode comprovar também pela simples observação dos armamentos utilizados pelos bandidos, especialmente pelas quadrilhas organizadas: na grande maioria, são armas de enorme poder destruidor, de extrema sofisticação, ou então de uso exclusivo das Forças Armadas - ou seja, armas que não estão à venda nas lojas.

Sr. Presidente, a campanha governamental pelo desarmamento espontâneo ensejou à revista Veja o seguinte comentário:

No Brasil real, em que as pessoas se armam porque têm medo de ser assassinadas na próxima esquina, onde a polícia, quando não está do lado dos bandidos, tenta combatê-los sem equipamento e treinamento adequado, a idéia do desarmamento é um tiro no escuro. Para quem possui uma arma, chega a ser inacreditável que o mesmo Governo que não garante a segurança da população tenha a audácia de exigir a entrega de armas.

            Países, Sr. Presidente, como a Inglaterra e a Austrália, que proibiram o uso de armas de fogo pela população, viram aumentar os índices de criminalidade e hoje questionam a eficácia da medida. No Brasil, as estatísticas desmentem claramente a correlação entre os portes de arma e a criminalidade. Em São Paulo, onde foram expedidos 2100 portes de arma em 1996, o índice de homicídios foi de 16 por grupo de 100 mil habitantes; no Rio, no mesmo ano, foram concedidos apenas 102 portes..., e a taxa de homicídios foi de 45. Enquanto isso, o Paraná concedeu 30 mil portes de arma naquele período e registrou a taxa de homicídios de 9 em cada 100 mil habitantes. No Rio Grande do Sul, foram 40 mil portes de arma e 10 homicídios em cada grupo de 100 mil habitantes.

Sr. Presidente, em Pernambuco, o Estado que tenho a honra de representar nesta Casa, desde 1995 não é expedido um só porte de armas. No entanto, era de se esperar que a violência diminuísse radicalmente no Estado. Não, muito pelo contrário, a violência aumentou, drástica e estupidamente, no Estado de Pernambuco.

Antes de vir aqui para este plenário, eu li um artigo, publicado hoje num dos jornais locais, que aponta pesquisa da Unesco, em que Pernambuco consta como o Estado da Federação mais violento do País. E desde 1995, portanto há cinco anos, o Governo do Estado não admite, não permite, não emite um só porte de armas, sem qualquer tipo de exceção.

Esses números são endossados pelo Deputado Luiz Antônio Fleury, no parecer a que nos referimos anteriormente. O Relator confirma, igualmente, que a proibição da venda de armas de fogo não resultou na queda de criminalidade em países que adotaram essa estratégia. Disse Fleury:

Desde a proibição da venda e do porte de arma na Inglaterra, por exemplo, tivemos um aumento de 117% de crimes violentos nos últimos cincos anos. Na Austrália, apesar do programa de desarmamento, houve um aumento de 39% no números de roubos à mão armada entre 1996 e 1997. No mesmo período, tivemos agressões com armas subindo 28%. No Canadá, um dos primeiros países a adotar esse sistema, desde 1978, o índice de crimes violentos já subira 89% em 91.

            Nossa posição em relação a esse assunto, obviamente não nos permite ingenuidade. Sabemos todos que a existência de um grande número de armas em mãos da população, sejam elas obtidas ou não de forma legal, favorece os crimes ocasionais, praticados por cidadãos despreparados num momento de cólera mal contida. São os crimes que ocorrem em discussões regadas a bebida alcoólica, em desentendimentos no trânsito ou no campo de futebol.

A solução para esses casos, porém, não está em coibir a comercialização de armas, mas o seu porte ilegal, visto que a autorização legal obedece a exigências rigorosíssimas. Essa, sim, pode revelar-se uma medida eficaz: a intensificação de batidas policiais para desarmar bandidos e cidadãos que andam armados ilegalmente. O cidadão que vai armado a um bar, ao estádio onde se realiza um jogo de futebol, a um comício ou a um espetáculo popular, evidentemente, não está com vontade de se divertir, mas de provocar confusão, de agredir. Nesses casos, as batidas policiais, além de prevenirem agressões e mortes, contribuiriam sistematicamente para reduzir o espantoso estoque de armas ilegais existente no País.

Além disso, os portes de armas só seriam concedidos dentro das rigorosas normas atualmente adotadas pelo Departamento de Polícia Federal - DPF.

Espero que essa seja também a posição do Senador Pedro Piva, designado Relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Diante dos argumentos aqui sucintamente apresentados, quero pedir o empenho de todos os Senadores, especialmente os que fazem parte da Comissão, para que a proibição do registro de arma de fogo não venha a desarmar cidadãos inocentes que hoje estão à mercê dos criminosos.

Ao mesmo tempo, quero conclamar os políticos, as autoridades e a população em geral para fazer um esforço redobrado no sentido de reduzir a violência, com adoção de medidas que possam reprimir o tráfico de drogas, o contrabando de armas, a impunidade, a corrupção e a inoperância policial; também um esforço redobrado para remover as causas sociais, que são o desemprego, o analfabetismo, a exclusão social e a desintegração da família.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2000 - Página 17153