Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 11/08/2000
Discurso durante a 97ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Importância da CPI das ONGs para apurar a prática da biopirataria.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
- Importância da CPI das ONGs para apurar a prática da biopirataria.
- Publicação
- Publicação no DSF de 12/08/2000 - Página 16850
- Assunto
- Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG). POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
- Indexação
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- DEFESA, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PREJUIZO, INTERESSE NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
- COMENTARIO, REUNIÃO, OCORRENCIA, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB), LIDER, TRIBO, INDIO, DISCUSSÃO, POLITICA, PRESERVAÇÃO, TRADIÇÃO, CONHECIMENTO, BIODIVERSIDADE, COMBATE, EXPLORAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, LABORATORIO FARMACEUTICO, DEFESA, PAGAMENTO, ROYALTIES, COMUNIDADE INDIGENA, REIVINDICAÇÃO, PARCERIA, UNIVERSIDADE.
- NECESSIDADE, COMBATE, CONTRABANDO, BRASIL, FALTA, CONTROLE, CONVENIO, PAIS ESTRANGEIRO, COOPERAÇÃO CIENTIFICA, EXPECTATIVA, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, REFORMULAÇÃO, ESTATUTO, INDIO.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de entrar no assunto principal do meu pronunciamento, gostaria de registrar, mais uma vez, que esta semana foi dada entrada em um requerimento pedindo a instauração de uma comissão de inquérito destina a investigar as atividades das organizações não-governamentais, as chamadas ONGs, no Brasil, principalmente na Amazônia e mais especialmente naquelas áreas ditas reservas indígenas ou reservas ecológicas, em face das inúmeras denúncias e das comprovações já denunciadas, inclusive pela imprensa, das atividades antinacionais dessas instituições. O meu pronunciamento de hoje vai na mesma esteira da ação dessas entidades não-governamentais.
Li, em meados do mês de maio, mais precisamente no dia 16, no Jornal de Brasília, uma notícia que mereceu, de minha parte, particular atenção. O jornal informava a respeito de uma reunião de mais de 20 pajés, de 25 nações indígenas, para discutir uma política capaz de preservar o saber dos índios sobre a biodiversidade. O encontro dos pajés ocorreu na Universidade de Brasília, local propositalmente escolhido para simbolizar o desejo dos indígenas em ter a comunidade universitária como parceira na defesa da flora e fauna nacionais.
A matéria dava conta ainda de que os pajés têm consciência de que as sociedades indígenas detêm o conhecimento valioso sobe a biodiversidade brasileira que não está sendo devidamente aproveitado por nós brasileiros, mas por usurpadores estrangeiros. Um dos pajés presentes ao encontro disse claramente: "Até agora, quem chega nas comunidades indígenas são os estrangeiros."
Além do mais, as comunidades indígenas que repassaram a sua sabedoria empírica - como obter remédios a partir de plantas, por exemplo - estão cada vez mais pobres enquanto os que desse saber se apossaram devem estar ganhando milhões aqui ou em outra parte do mundo. Para os pajés, essa é uma situação injusta que não deve mais continuar. Para mudar tal estado de coisas, eles prometeram elaborar uma Carta da Sabedoria Indígena a ser encaminhada ao Congresso Nacional para fazer parte do Estatuto das Sociedades Indígenas, projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados.
A idéia que representa os seus anseios gira em torno do seguinte: o conhecimento empírico dos indígenas sobre plantas e ervas curativas que seria submetido a testagem e aprovação por especialistas e pesquisadores das nossas universidades. Estando o produto aprovado, seria registrada a patente e as sociedades indígenas receberiam royalties, como forma de garantir aos nativos os direitos autorais da descoberta. Em troca, o homem branco teria à sua disposição, para tratamento fitoterápico, produtos naturais de reconhecida comprovação científica.
Os pajés não têm idéia ainda de que forma poderiam cobrar os direitos sobre o conhecimento secular que dominam. Pensam que poderiam tomar como referência a modalidade de exploração das riquezas minerais situadas em reservas indígenas. As aldeias envolvidas nessa exploração mineral recebem, de acordo com a lei, 25% do que é pago pela empresa exploradora à União. De uma coisa os pajés têm certeza: não querem que organismos externos às tribos, principalmente organismos estrangeiros internacionais, que representam os interesses das grandes corporações farmacêuticas internacionais, gerindo o dinheiro devido pelas patentes. Nem mesmo a Funai - Fundação Nacional do Índio, que está, segundo as palavras de um pajé, “caindo aos pedaços”.
Essa notícia enseja reflexões que gostaria de compartilhar com os meus colegas desta Casa. Por isso trago à apreciação dos Srs. Senadores esse tema, na certeza de que juntos poderemos alargar o nosso universo de reflexão para os pontos de maior pertinência e relevância.
Uma coisa, Sr. Presidente, é sabida e ressabida. A biopirataria encontra terreno fértil em nosso País, principalmente nas zonas mais longínquas e fronteiriças da nossa Amazônia, onde estão as áreas mais visadas do bioma Amazônia. E o conhecimento das comunidades indígenas está na mira dos biopiratas. Esse conhecimento tradicional, legítima propriedade daqueles povos da floresta, está na mira principalmente dos grandes conglomerados farmacêuticos, pois tais comunidades podem estar guardando o segredo para o tratamento de inúmeras moléstias ainda não controláveis, ou o tratamento com menor efeito colateral para doenças já controláveis. Não está descartado, Sr. Presidente, chegarmos a um tempo em que teremos de pagar pesados royalties a patentes estrangeiras, sobre um saber que nos foi literalmente roubado.
Disso tudo temos clara consciência, aqui no Congresso Nacional, principalmente depois da investigação feita por uma comissão externa da Câmara dos Deputados, que colheu denúncias de graves casos de que material genético e conhecimento indígena foram levados criminosamente para fora do País.
Ainda no ano passado, no painel realizado sobre Biodiversidade, Justiça e Ética, do qual participaram ilustres representantes desta Casa, esteve presente o líder indígena Clóvis Wapixana, do Conselho Indigenista de Roraima. Além de revelar a difícil realidade da comunidade wapixana, o líder indígena também denunciou a biopirataria em suas terras : “Patentes ilegais dos conhecimentos indígenas foram feitas por um químico inglês, que saiu da comunidade levando um analgésico extraído de plantas que a gente utiliza”.
No mesmo encontro, o jornalista Mário César Carvalho, da Folha de S. Paulo¸ um dos primeiros a abordar, na imprensa brasileira, a crescente onda de biopirataria na Amazônia, chamou a atenção para um fato levantado também na reunião dos pajés na Universidade de Brasília. Disse o jornalista: “A moeda de troca de bioconhecimento é a miséria em que vivem os índios e as populações ribeirinhas da região.”
Devemos lembrar que existem duas grandes modalidades de contrabando de material biogenético no País. Uma delas busca identificar, junto às populações tradicionais e indígenas, produtos e materiais usados no controle de enfermidades. Essas informações são posteriormente repassadas para os laboratórios estrangeiros, que visam, ao final do processo de testagem e sintetização, colocar os produtos à venda no mercado.
A outra forma de biopirataria ocorre sob as barbas de nossas principais instituições oficiais, constituindo-se numa perniciosa forma de permissividade institucionalizada. Os órgãos oficiais permitem, sob a capa de convênios de cooperação científica, a entrada de grupos de cientistas estrangeiros para realizarem pesquisas no território brasileiro. A despeito da legislação exigir, em tais convênios, a co-participação e a co-responsabilidade de uma instituição governamental brasileira, nem sempre isso ocorre, o que deixa nossos flancos abertos para um desbragado êxodo “oficial” de material genético. Na maior parte das vezes, os projetos de cooperação científica tornam-se misteriosas “caixas-pretas”, e ninguém sabe dizer o que efetivamente estão fazendo, ou fizeram, os pesquisadores e as instituições envolvidas. Por falta de fiscalização adequada, amostras de material biológico saem livremente do País e não se fica sabendo sequer para onde vão, o que vai ser feito delas, a que instituição se destinam, e por aí vai.
Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, os pajés que se reuniram em Brasília, no mês passado, estão certos. Repudiam a biopirataria. Defendem a titularidade sobre a sabedoria que detêm. Reivindicam parte dos dividendos que seu conhecimento vier a render. Requerem a parceria de universidades e pesquisadores para avalizar cientificamente o saber empírico de seu povo.
O encaminhamento desses tópicos, e de outros pontos correlatos, é questão que deve ser examinada, avaliada, largamente debatida em todas as instâncias e fóruns de discussão do Congresso Nacional. O momento é oportuno, Sr. Presidente. Chegará a esta Casa - e creio que em breve, pois foi requerida, pelas lideranças da Câmara dos Deputados, urgência em sua tramitação - o projeto de lei que dispõe sobre o estatuto das sociedades indígenas ou o estatuto do índio. Esse projeto traz uma reformulação da Lei nº 6001, de 1973, o velho e ultrapassado Estatuto do Índio, ao qual já me referi. Com a promulgação da Constituição de 1988, uma série de mudanças foi introduzida nas relações entre a sociedade dos brancos e as sociedades indígenas. Direitos especiais e coletivos passaram a requerer regulamentação, esse é um fato inegável.
O referido projeto de lei trata da proteção ao direito autoral e à propriedade intelectual dos indígenas. Estabelece que tais instrumentos visam garantir que os conhecimentos e modelos indígenas só serão utilizados, comercial ou industrialmente, com o consentimento das próprias comunidades e em seu benefício.
Resumindo: o que quero dizer é que o assunto motivador deste meu pronunciamento terá oportunidade excepcional de ser debatido nesta Casa. Apenas introduzi alguns poucos pontos, em minha fala de hoje, sem a pretensão de ser exaustivo ou conclusivo. A título de breve introdução, digamos assim.
Mas o importante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que, por ocasião dos trabalhos da CPI que vão investigar a atuação das ONGs, teremos uma valiosíssima oportunidade de identificar esses agentes internacionais, essas ONGs biopiratas que vêm atuando impunemente no Brasil, especialmente na Amazônia entre as comunidades indígenas.
Muito obrigado.
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