Discurso durante a 98ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamentos sobre a atuação das Organizações Não-Governamentais - ONGs no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).:
  • Questionamentos sobre a atuação das Organizações Não-Governamentais - ONGs no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2000 - Página 16888
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
Indexação
  • REGISTRO, EXISTENCIA, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, INSTALAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), SENADO, OBJETIVO, INVESTIGAÇÃO, ATIVIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PAIS.
  • CRITICA, INEXISTENCIA, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, ENTRADA, RECURSOS FINANCEIROS, COMENTARIO, INSUFICIENCIA, INFORMAÇÃO, QUANTIDADE, ENTIDADE, ATUAÇÃO, PAIS.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPEDIMENTO, ENTIDADE, EXCESSO, MANIPULAÇÃO, POLITICA NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encontra-se na Mesa do Senado Federal requerimento subscrito por 36 Srs. Senadores que solicita a instalação de uma CPI para investigar as atividades das ONGs.

            Desde que assumi meu mandato como Senador pelo Estado de Roraima, tenho me batido a respeito do tema, mais precisamente, querendo entender a figura tão mística das Organizações Não-Governamentais.

            Para tanto, solicitei, de vários Ministérios e da Consultoria Legislativa da Casa, informações a respeito dessas instituições e tive o cuidado de investigar e acompanhar as publicações na imprensa a respeito das atividades dessas instituições, procurando obter um diagnóstico que, efetivamente, calcar determinadas ações que eu pudesse tomar como Senador, seja na apresentação de projetos, seja na proposição de medidas outras que, de alguma forma, buscassem uma regulamentação da atividade dessas instituições, muitas delas com sede no exterior e trabalhando a favor de comprovações financeiras internacionais.

            Portanto, hoje lerei alguns tópicos dos documentos que consegui obter a respeito dessas instituições.

O primeiro deles é um estudo feito pela Consultoria Legislativa do Senado, em que o consultor legislativo José Roberto Campos, em 11 páginas, faz um apanhado tentando definir o que é ONG, os aspectos jurídicos do seu funcionamento, quantas são, quais são e onde atuam. Um longo estudo, inclusive abordando como são financiadas e fiscalizadas.

Esse estudo merece ser analisado, inclusive pela CPI que será instalada, creio eu, até o mês de outubro, para apurar exatamente as atividades dessas ONGs.

Preliminarmente, é preciso dizer que todos acreditamos, conhecemos organizações não-governamentais que atuam seriamente, que cuidam efetivamente de atividades, tanto no campo social como em outros, de maneira muito positiva para o País; mas também sabemos que existem instituições que representam interesses internacionais em setores estratégicos do desenvolvimento do País.

            Como relata o consultor:

“O conceito de ONG não é pacífico. Entre os autores, quase sempre acadêmicos e militantes desses movimentos sociais, alguns poucos entendem essas organizações como decorrência lógica da própria negação que sua denominação encerra: não-governamentais. Sob esse ponto de vista, todas as instituições privadas, não criadas pelo poder público e constituídas sem objetivo de lucro - vejam bem, sem objetivo de lucro -, mereceriam a qualificação de organizações não-governamentais; o que abarcaria, por exemplo, igrejas, sindicatos, partidos políticos, clubes, grupos de bairros. Excessivamente elástica, esse conceito pouco ajuda na caracterização das ONGs tal como as reconhecemos socialmente. Ajuda ainda menos quando se sabe que grande parte das ONGs africanas, por exemplo, foi criada pelo próprio governo e nem por isso elas deixam de ser consideradas ONGs no âmbito dos movimentos sociais”.

A denominação de “Organização Não-Governamental” surgiu na Organização das Nações Unidas, uma entidade governamental. Por meio da Resolução 288, de 1950, do Conselho Econômico e Social, ONG foi definida, no âmbito das Nações Unidas, como sendo uma “organização internacional não estabelecida por acordos governamentais”.

Essa definição buscava diferenciar as ONGs das instituições decorrentes de acordos entre governos nacionais, como a própria ONU. No entanto, Sr. Presidente, na Alemanha, o termo teria nascido “mais dentro do governo que fora dele”, quando, na década de 60, o Ministério da Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) daquele país começou a repassar subsídios da chamada “ajuda para o desenvolvimento” para organizações não estatais, em geral ligadas às igrejas católicas e evangélicas.

Após seu surgimento, a função dessas instituições, que datam da década de 50, 60, na ONU e na Alemanha, foi sendo elastecida. Passaram a exercer atividades de influência política, a funcionar como grupos de pressão ante os respectivos governos, atitude que passou a configurar outra característica dessas organizações. As ONGs se multiplicaram e adquiriram características que não correspondem ao objetivo inicial da sua concepção.

Sr. Presidente, ao analisarmos os aspectos jurídicos das organizações não-governamentais, percebemos falhas mais graves. Não há uma norma legal que obrigue ou condicione o funcionamento das ONGs, salvo na hipótese de operação com recursos públicos. Neste ponto, temos que mencionar a Lei nº 9.637, de maio de 1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais (OS), e a Lei nº 9.790, de março de 1999, que trata de qualificação de pessoas jurídicas de direito privado como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Tais leis também não alteraram o quadro, porque as ONGs, querendo e satisfazendo certas condições, podem se transformar em OS ou OSCIP, mas não estão obrigadas a isso; e a grande maioria delas não está dependente dessa condição de ser, digamos assim, abrangida pela legislação e, portanto, fiscalizadas.

Algumas delas já se tornaram OSCIP, outras não, mas têm recebido recursos públicos, e, portanto, merecem uma investigação profunda. Sr. Presidente, entendo que não só aquelas que recebem recursos públicos mas também as que recebem recursos do exterior devem ser investigadas, e de forma profunda. Há inclusive, Sr. Presidente, uma proibição legal de que qualquer partido político receba recursos do exterior e que haja financiamento de campanhas com esses recursos. No entanto, essas instituições não-governamentais recebem recursos que não são declarados e são aplicados de forma desordenada e fora de qualquer fiscalização governamental.

Mais sério ainda, Sr. Presidente, é identificar quais são elas, quantas são e onde atuam. Não tive uma resposta conclusiva de nenhum dos órgãos federais a esse respeito. Todavia, o estudo feito pela Consultoria Legislativa estima, baseando-se numa informação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores, que cerca de 1.400 ONGs atuam no País. Já a revista Veja, na edição de 31 maio de 1995, afirma, sem revelar a fonte, a existência “no Brasil de 3.000 a 5.000 ONGs”. A Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG), uma espécie de federação dessas instituições, congrega apenas 213 ONGs de variados portes e áreas de atuação.

A ABONG mantém um cadastro das ONGs de acordo com a área de atuação, qual seja educação, profissionalização, saúde, DST/Aids, criança e adolescente, área agrária ou agrícola, ambiental e ecológica, desenvolvimento regional, povos indígenas, racismo etc.

Sr. Presidente, há um fato interessante. Por meio do registro da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais, conseguiu-se relacionar 13 instituições que atuam nas áreas indígenas. No entanto, em resposta a requerimento formulado por mim ao Ministério da Justiça, a Funai informou que atuam nas áreas indígenas no País, com conhecimento e autorização dessa fundação, 332 Organizações Não-Governamentais. Portanto, uma flagrante disparidade com o que está registrado na Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais.

Quarenta e seis por cento dessas organizações atuam no âmbito nacional, 50% no âmbito estadual, 38% no âmbito municipal, 3% no âmbito regional, 4% no metropolitano e 1,63% no âmbito internacional. Então, como se vê, são muitas e variadas as informações, o que não nos permite ter certeza quanto ao número de entidades não-governamentais atuantes no Brasil.

Como elas são financiadas? O financiamento das ONGs é objeto de permanente dificuldade. As fontes mais freqüentes são: agências internacionais de “cooperação”, agências multilaterais e bilaterais, órgãos do Governo brasileiro e comercialização de produtos e venda de serviços. Embora cada ONG tenha orçamento específico, e cerca da metade delas até independam de financiamento, pode-se assegurar que as maiores parcelas de receitas advêm das agências internacionais (entre 30% e 70% dos orçamentos de cada ONG) e dos órgãos do Governo brasileiro (entre 10% e 50%.)

As fichas cadastrais das ONGs filiadas à ABONG, portanto, só as filiadas, que constituem anexo deste trabalho, permitem aferir com maior acuidade o perfil das fontes de recursos diversos das ONGs.

Só para ilustrar, Sr. Presidente, é bom observar o total de recursos, a receita prevista e a origem desses recursos. Vou me ater, por exemplo, àquelas que atuam com valores superiores, de R$300.000,00 até R$1 milhão de reais. Nessa faixa de R$300.000,00 a R$600.000,00, são 25 instituições, segundo o registro da ABONG; de R$600.000,00 a R$ 1 milhão, 16 instituições; mais de R$ 1 milhão, 13 instituições.

Como são fiscalizadas? Como instituições de natureza privada, as ONGs estão sujeitas apenas à responsabilização que alcançam os particulares em geral, inclusive quanto às obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias.

Quando operam com recursos públicos, contudo, estão sujeitas ao controle externo da Administração Pública, exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas e da fiscalização de que se incumbe o Ministério Público.

Na verdade, vemos que, pela nossa legislação atual, essas ONGs estão completamente à vontade para atuar no Brasil, sem prestar contas da origem dos recursos que recebem e nem dos recursos que conseguem auferir no exercício de suas atividades.

Portanto, isso é um verdadeiro portão aberto para que o Brasil esteja sendo surripiado, tanto na questão da biopirataria, da nossa fauna, flora, como também em uma verdadeira articulação de um apartheid no Brasil, no que tange à questão indígena e à ambiental, de forma a promover no País uma estagnação e, o que é pior, uma forma de colonialismo moderno, levando não só essas riquezas da nossa biodiversidade, como também colhendo informações preciosas, inclusive junto aos índios, na obtenção de medicamentos e outros bens, como por exemplo no caso dos cosméticos.

Em Roraima, Sr. Presidente, foi constatado um caso muito interessante. Uma ONG, denominada Associação Amazônia, conseguiu adquirir terras de ribeirinhos, uma área de maneira não muito lícita. Conforme está dito no relatório do Assembléia Legislativa, os ribeirinhos desconhecem a área total por eles ocupadas e tampouco possuíam qualquer documento referente às terras transferidas com cláusula de constituto-possessório.

Logo após a transferência da área, os ribeirinhos foram contratados para zelar pelo local e evitar a presença de estranhos.

Os últimos endereços da Associação coincidem com os endereços do sócio argentino Hector Daniel Garibotti, que reside juntamente com os sócios Christopher Julian Clarck e Roberto Paolo Imperialli. Portanto, os três sócios dessa ONG são estrangeiros e têm o endereço dessa instituição de maneira ilegal, sem comprovação inclusive.

A Associação se constituiu com endereço na cidade de Manaus e adquiriu cento e setenta e dois mil hectares de terras desses ribeirinhos no sul do Estado de Roraima.

Então, o que se conclui da análise da CPI da Assembléia Legislativa é que a instituição criada por esses três estrangeiros adquiriu de forma ilegal esses 172 mil hectares, sob a alegação de desenvolver um projeto de preservação ambiental e uso da biodiversidade. Na verdade, estavam fazendo uma reserva privada, o que foi constatado não só pela CPI, mas também pela própria Universidade do Amazonas. A propósito, essa instituição vai ser objeto de investigação de CPI do Senado.

Sr. Presidente, esses fatos são decorrentes de investigações e informações do Ministério da Justiça e mostram que realmente precisamos aprofundar esse estudo sobre as ONGs. Embora já existam projetos de leis no sentido de o Governo regulamentar a atuação dessas instituições no Brasil, devemos fazer uma convocação - vamos dizer assim - à nossa nacionalidade, à nossa dignidade como brasileiros e dar um basta a esse verdadeiro colonialismo moderno exercido por essas instituições que estão a serviço de corporações internacionais, como as da área de medicamentos e cosméticos e as grandes mineradoras.

Sr. Presidente, antes de encerrar o meu pronunciamento leio trecho do artigo publicado na revista Época última edição, assinado pelo filósofo Olavo de Carvalho:

            A política de dominação global age em quatro frentes: a abertura econômica, a implantação de padrões culturais, a conquista da hegemonia territorial e o enfraquecimento divisionista dos Estados nacionais. Dos quatro pontos, o menos perigoso é o primeiro: a experiência mundial já provou que qualquer país pode beneficiar-se da globalização econômica sem perder nada de identidade cultural e da soberania territorial e política. Mas nosso nacionalismo oferece obstinada resistência à penetração estrangeira no campo econômico e se abre gostosamente, deleitosamente, canalhamente a ela em tudo o mais. Por exemplo, quem não viu, ainda há pouco, as mesmas pessoas que fervem de indignação ante a venda de empresas estatais irem engrossar o cordão do indigenismo importado, que além de lutar pela transferência de fatias do nosso território para a administração de ONGs estrangeiras ainda têm a impérvia cara-de-pau de negar, em nome de direitos ancestrais recém-inventados em Nova Iorque e Genebra, a unidade da cultura brasileira e a legitimidade mesma da existência do Brasil como Nação? Nada neste mundo pode explicar que uma ou duas ou cem empresas públicas sejam bens tão mais vitais e mais dignos de ser preservados que a unidade cultural, o território e a soberania juntos.

            Na mesma linha de conservar os anéis sacrificando os dedos, os apóstolos de estatais não vêem nada de mais em que parcelas da Administração Pública sejam transferidas para as ONGs financiadas do Exterior, como se vem fazendo com o “serviço civil”, que anualmente porá a mão-de-obra gratuita de milhões de jovens brasileiros à disposição de entidades notoriamente ligadas a interesses estrangeiros.

            Sr. Presidente, ao encerrar meu pronunciamento, quero agradecer aos Senadores que assinaram o requerimento de criação da CPI das ONGs, não com o objetivo de fazermos caça às bruxas. O que queremos, na verdade, é separar o joio do trigo, identificar quais são aquelas instituições que trabalham seriamente a favor do Brasil, a favor das diversas causas sociais ou ambientalistas no País, e aquelas que estão a serviço de interesses internacionais, buscando fazer um verdadeiro assalto à nossa biodiversidade e às nossas riquezas minerais, num plano adredemente preparado e comandado pelos Estados Unidos e pelos países da Europa, principalmente os grandes grupos econômicos que compõem e que comandam o famoso G-7. Nós, como brasileiros, temos de ter a coragem e a dignidade de defender o que é nosso, principalmente a nossa Amazônia e os bens materiais do Brasil.

Muito obrigado.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2000 - Página 16888