Discurso durante a 98ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

COMENTARIOS A ATUAL CRISE DO SISTEMA CAPITALISTA E OS EPISODIOS RECENTES DE CORRUPÇÃO NO BRASIL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • COMENTARIOS A ATUAL CRISE DO SISTEMA CAPITALISTA E OS EPISODIOS RECENTES DE CORRUPÇÃO NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2000 - Página 16891
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, SISTEMA, CAPITALISMO, CRESCIMENTO, CRISE, MOTIVO, EXCESSO, ACUMULAÇÃO, CAPITAL DE GIRO, EFEITO, AUMENTO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, COMBATE, CORRUPÇÃO, GOVERNO FEDERAL, NECESSIDADE, ATENÇÃO, MELHORIA, INVESTIMENTO, SETOR, EDUCAÇÃO, SAUDE, CRIAÇÃO, EMPREGO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, o capitalismo sobredesenvolvido em escala mundial revela, já há muito tempo, as suas contradições acirradas, revela o necessário, contínuo e permanente processo de globalização, que se agita de vez em quando, ultrapassando com violência as fronteiras dos Estados nacionais.

Por vezes, uma crise profunda, declarada ou aparente se instaura numa economia cêntrica como, por exemplo, ocorreu com a Inglaterra quando a produção de máquinas por meio de máquinas assumiu uma característica marcante: separou-se essa produção de máquinas da produção de meios de consumo; adquiriu autonomia, assenhoreou-se de recursos das bolsas de valores e de outros recursos para os quais a coletividade não tinha ainda conseguido criar os canais para que elas fluíssem para a acumulação de capital. Isso se deu, e esse departamento que produz máquinas na Inglaterra, de acordo com Hoffman, cresceu a uma taxa quatro vezes maior do que aquela que produzia meios de consumo, tecidos, sapatos etc. A Inglaterra, naquele momento, por volta de 1840, estava realmente às vésperas de uma grande crise. A produção dinâmica e eficiente de máquinas e equipamentos diminuiu, com refreada circunscrita praticamente à ilha, porque havia, em relação a Portugal, ao Brasil e às colônias portuguesas, o Tratado de Methuen, que proibia a exportação de máquinas. De outra forma a ilha explodiria, porque não havia empresários suficientes para comprar as máquinas inglesas. Nesse momento, por volta de 1840, deu-se uma globalização violenta, talvez a segunda globalização violenta na história do capitalismo.

No Brasil, para ajudar os ingleses, foi instituída uma lei alfandegária, a Lei Alves Branco, de 1844, que abriu as portas. Tal como os Collors, os Fernandos Henriques Cardosos e os “neonadas” atuais, naquela ocasião, também foram abertas as portas do Brasil, criando-se as taxas de câmbio que beneficiavam as importações de máquinas não para favorecer o Brasil e criar um processo de substituição de importações para produzir aqui tecidos, sapatos, que importávamos da Inglaterra; mas para ajudar aquele país a sair da sua crise de sobreacumulação. Quando esses processos de globalização eclodem com tamanha violência, ocasionam realmente perturbações gigantescas em escala mundial.

Hoje estamos passando por um processo semelhante, que já dera sinais há muito tempo. Em 1990, por exemplo, o Japão foi envolvido por uma grande crise, que, de acordo com alguns economistas japoneses, também era resultante de um processo de sobreacumulação, isto é, de excesso de capital. A falta de capital jamais provocou crises, a não ser por fatores naturais como secas ou tempestades. As crises capitalistas verdadeiras são causadas pelo excesso de capital e de produção. Algo tão óbvio não precisaria ser explicado.

Apenas para simplificar, atualmente, enquanto o mundo automobilístico repete os seus feitos e efeitos, os países atrasados e subdesenvolvidos, que não conhecem, na realidade, o processo de acumulação de capital em escala mundial, ficam aí lutando pela instalação de uma montadora de carros para o seu Estado, para o seu município, repetindo aquilo que ocorreu a partir de 1950, quando, nos Estados Unidos, a produção de carros, que em 1944 se situava em torno de 700 mil unidades, ultrapassou 7 milhões de unidades, em 1973. Então, soou o alarme, para que se exportassem, se transplantassem indústrias automobilísticas. A Argentina, o Brasil, o México, a Coréia do Sul passaram a ser hospedeiros desse capital, que estava incomodando e ameaçando provocar outra crise semelhante e maior do que a de 1929, quando nos Estados Unidos foram produzidos 5 milhões e 300 mil carros. Em 1931, foram produzidos 700 mil carros; em 1944, 15 anos depois, apenas 700 mil unidades. É óbvio que havia excesso de produção, e a capacidade ociosa nos Estados Unidos, nos setores mais importantes, em 1929, chegou a 80%. Agora, no mundo, são produzidos cerca de 69 milhões de carros; mas o mundo só consegue vender 50 milhões; e ainda queremos produzir mais. Para quê? Para aumentar a nossa capacidade ociosa. No Brasil, o número de carros estocados, há quatro anos, caiu de pouco mais de dois milhões para um milhão. E queremos produzir mais.

A Bahia quer carro, assim como Minas Gerais e cada qual quer colocar em no seu Estado uma unidade de produção. Há pouco, o Presidente da República, alegre e alvissareiro, ao inaugurar a fábrica de carros da General Motors, referiu-se a ela como se fosse da Ford. É natural que ele confunda, porque, afinal, são tantas. Há incentivos, estímulos, doações, isenções e nada de oportunidades novas de emprego.

Mas não é esse o assunto que me traz a esta tribuna hoje. Quando essas convulsões acontecem, os colapsos advêm e surpreendem e desmoralizam os economistas que acreditam na estabilidade. Irving Fisher, em 1929, uma semana antes de a crise explodir, disse: “A economia dos Estados Unidos atingiu um patamar de prosperidade tal que durará muitos e muitos anos”. Em uma semana explodiu tudo: cinco mil bancos quebraram, houve suicídios e falências. A produção, como eu disse, nos setores principais caiu cerca de 80%.

Tal como os maridos traídos, os economistas são os últimos a saber que a crise já está presente. Eles geralmente confundem as nuvens com Juno, se equivocam, porque não sabem separar a realidade interna, oculta e latente, da aparência, dos indicadores superficiais e equivocados.

Quando uma crise dessas surge, eleva o desemprego, como aconteceu nos Estados Unidos, na ocasião a que me referi, a uma taxa de 25% e, na Alemanha, a 44%. Obviamente, tal crise não é apenas econômica, mas também social, política, cultural, psicológia, e esboroa as estruturas familiares.

Há poucos dias, na televisão, uma senhora sofrida, a cujo rosto a velhice chegou uns 20 anos antes, disse que estava indo ao hospital receber uma pílula para acalmá-la, porque estava desempregada há mais de seis meses. Estava famélica, estava morta de fome. A crise penetra tudo.

No Brasil, parece que estão faltando alguns sociólogos, se é que já os tivemos. Estão faltando sociólogos que nos ensinem. Afinal de contas, qual é a estrutura da sociedade brasileira? Quais são os núcleos em que a sociedade brasileira se organiza? Será a família? A família, esta despedaçada, desempregada. A família se transformou num palco em que os membros se digladiam. Numa casa em que falta pão, não pode haver paz nem solução.

Assim, que tipo de organização social fundamental ou básica temos? Há muito tempo estou preocupado com essa questão, e, há cerca de cinco dias, saiu um artigo, na Folha de S.Paulo, sobre esse tema, que também, obviamente, não resolveu o problema - nem pretendo resolvê-lo; afinal, quem sou eu para fazê-lo?

Entretanto, algumas pessoas já vêm dizendo, há muito tempo, que a sociedade brasileira se encontra numa fase de anomia, e essa falta de norma é uma denominação retirada de Emile Durkheim, em seu livro O Suicídio, que cataloga três categorias de suicídio: altruísta, egoísta e anômico.

Essa anomia, essa falta de normas, é um dos subprodutos da crise. De acordo com Emile Durkheim, o suicídio anômico, e a anomia, é um fenômeno do mercado, da liberdade. O mercado capitalista, a liberdade capitalista, quando se instaura, cria um espaço muito grande para as decisões egoístas e individualistas, para a liberdade daqueles que possuem capital.

            Assim, é este o tipo de suicídio a que Emile Durkheim se refere e que seria aplicável hoje devido à ausência das normas jurídicas, que não valem mais. Valem apenas para alguns, cada vez um número menor; não é mesmo, Nicolau? Não é mesmo, Salvatore Cacciola? O que me parece é que não conseguimos sequer entender ou catalogar que tipo de organização fundamental, atômica, possuímos hoje no Brasil. Creio que é algo muito parecido.

            A sociedade brasileira foi se deteriorando e hoje possui uma estrutura anômica, uma intimidade que se parece muito com a máfia. Estamos mais perto da máfia do que da anomia. Máfia sim; aquela palavra que o Presidente do BNDES utilizou quando se referiu ao grupo concorrente que queria adquirir uma das teles - a Telecentro Norte. “São mafiosos”, disse ele ao Sr. André Lara Resende. E este, por sua vez, era ligado ao outro grupo concorrente, já havia conversado com o Presidente da República e pedido o seu apoio para o seu grupo, o Opportunity. E o Senhor Presidente da República aquiesceu, manifestando-lhe a sua concordância no sentido de que o Sr. Lara Rezende e os seus mafiosos procurassem o Banco do Brasil e outras instituições para servirem de avalistas às suas pretensões de comprar ou ganhar uma das teles. Então, quem usou esse termo uma das primeiras vezes foi o próprio Mendonça de Barros, referindo-se a concorrentes do seu grupo.

Não tenho dúvida alguma de que a máfia é muito mais organizada e muito mais estruturada do que isso que acontece, esta formação que foi se constituindo no Brasil hoje. A máfia tem a omertà, o seu código de honra. Se brincarem na máfia, se o mafioso quiser enganar a máfia, se a mulher do mafioso abrir a boca, todos eles morrem; é uma ética altamente rigorosa. E desconfio que algumas pessoas morreram no Brasil porque estavam ligadas a uma máfia específica, a N’Drangheta, capitaneada pelo capo Zanatta, sócio do Sr. PC Farias. Para mim, não foi surpresa alguma quando disseram que a esposa do Sr. PC Farias não morreu de diabetes, mas porque puseram um saco plástico em sua cabeça. Quem disse isso foi aquele Deputado acusado de ter matado, assassinado uma sua colega eleita em Alagoas.

Desse modo, considero que nossa máfia é mais bagunçada, tem uma estrutura mais diluída, não tem as formas de censura, de organização e de estruturação do grupo mafioso. É a máfia da política que vemos aí a todo momento, organizando-se em torno de partidos que realmente já perderam há muito tempo suas características fundamentais.

            O que disse há poucos dias o Governador Mário Covas? O PSDB hoje é o “antiPSDB”. De forma que já abandonaram suas bandeiras, sua ética, sua vontade de transformar o Brasil em um País do futuro. Os partidos políticos, como os times de futebol, se parecem cada vez mais. São organizações que trocam, que vendem proteção aos membros da família. Estamos diante de uma máfia política que, por vezes, torna-se muito clara. É o caso, por exemplo, do Estado do Acre quando um político usa a moto-serra para aplainar seus negócios. Trata-se de uma máfia anômica que está perto, enquanto modelo, das organizações sociais, econômicas e políticas brasileiras. Temos a máfia dos tribunais, a máfia da Justiça. Há juízes e desembargadores vendendo sentenças e alvarás de soltura. Temos a máfia do Banco Central. Quem pode duvidar da existência de uma máfia no Banco Central? Uma organização que foi feita para fiscalizar a rede bancária e nunca teve um departamento de fiscalização digno desse nome; sempre ficou sem diretoria, com a exceção momentânea deste preenchimento da Diretoria de Fiscalização do Banco Central pela Dª Grossi, que deu no que deu.

O Sr. Francisco Lopes depositou 1,5 milhão num banco norte-americano, por intermédio de um seu amigo e sócio. Na sua casa foi encontrado um bilhete escrito pelo Sr. Salvatore Cacciola. O Sr. Salvatore Cacciola, que tem cheiro de mafioso, que tem impressão digital de mafioso, tem a ousadia de um mafioso, tem o atrevimento de um mafioso e tem a agilidade dos mafiosos, hoje se encontra em Villeggiatura na Itália, que é o centro das famiglias mafiosas.

            O bilhete diz, entre outras coisas, o seguinte: “Se você conseguir para mim que eu compre dólar abaixo do câmbio (pelo câmbio mais baixo que vigorava até anteontem) eu prometo esquecer tudo isso”.

Só isso, para mim, já dava para condenar a boas décadas de prisão o Sr. Presidente do Banco Central Francisco Lopes, que foi um dia meu colega na Universidade de Brasília.

“Eu prometo esquecer tudo”!

E, para isso, levou muito mais que o juiz Nicolau e ninguém mais fala no Sr. Salvatore Cacciola, nesse mafioso que deu uma tacada de R$1,6 bilhões no Banco Central. Em dois dias ele roubou isso. Quanto tempo levou o Sr. Nicolau para conseguir os R$290 milhões que surrupiou da construção do Tribunal de São Paulo?

Vemos que existe também, obviamente, a máfia da engenharia, a máfia que circula as concorrências públicas predatórias. Vemos que existe uma organização mafiosa que obviamente se encontra no Banco Central. E, se está no Banco Central, está no Governo, cercando o Governo, auxiliando o Governo e sendo beneficiada por essas relações espúrias.

Vemos que também existe a máfia da medicina, a máfia dos remédios. Chegaram a adulterar remédio neste País! Isso é muito revelador. Adulterar remédio para matar doentes! Não basta a máfia que roubou a merenda escolar aqui e ali; não basta a máfia das quentinhas das penitenciárias, daquele que foi preso agora no Rio de Janeiro e que explora esse setor mafioso há muitos anos.

            Sabemos muito bem que muitas dessas organizações, dessas famílias de mafiosos se entrelaçam, interpenetram-se, trocam informações e apoio. Enquanto isso, existem alguns no Brasil, pessoas na minha faixa etária geralmente, que não atualizaram sua cabeça, pessoas que estão achando que o Brasil ainda anda de libré. Alguns vêem um Brasil organizado, criando no inconsciente de suas crianças um superego censor; pessoas que não viram que há uma máfia nas polícias brasileiras e que, de vez em quando, a cada dia, todos os dias, mostram as suas práticas deletérias e criminosas.

De modo que, então, as máfias das religiões invadiram e ocuparam todos os setores. Isso aconteceu também na União Soviética. Quando a economia de mercado substituiu a distribuição planejada, centralizada e autoritária das mercadorias na União Soviética, o mercado foi invadido por máfias: a máfia da prostituição, a máfia do jogo, a máfia da importação e exportação.

Na União Soviética, uma máfia matou em apenas três meses, no ano passado, em Moscou, 45 diretores de bancos. Assim como a nossa máfia da medicina matou cinco médicos, no ano passado, só no Rio de Janeiro, diretores de hospitais.

Alguém já disse antes de mim - e o fez em inglês e, portanto, foi muito mais ouvido - que o mercado livre é o melhor estimulador, o melhor estimulante para o surgimento de máfias.

Essa seria uma introdução para eu tentar chegar à máfia das influências explícitas ou implícitas, à máfia da venda de vantagens, da venda de favores. A tal ponto cresceu essa máfia, que eu vou terminar lembrando apenas um fato. O Sr. Lara Resende pediu audiência ao Presidente da República, na ocasião da venda das “teles”, e falou ao Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que precisava usar o seu nome - precisava usar o nome do Presidente! - para conseguir obter o aval e os favores de grandes instituições nacionais; estas em que o Sr. Eduardo Jorge é especialista: os fundos de pensão, onde o dinheiro se concentra e onde os favores valem mais.

O Sr. André Lara Rezende pediu ao Senhor Presidente da República autorização para usar o nome de Sua Excelência, a fim de que o Grupo Opportunity conseguisse o aval necessário para entrar na concorrência e adquirir também essa empresa. Conseguiu a aquiescência presidencial.

De acordo com a gravação oficial, o Sr. André Lara Rezende, conversando com o Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, combinou o seguinte: “Quando tivermos de nos referir, em nossas conversas, ao Presidente da República, ao invés de falarmos o seu nome, usaremos o codinome “a bomba atômica”. Os amigos do Presidente criaram, então, um codinome para Sua Excelência: a bomba atômica. Mamma mia, mi sembra che la mafia parla. “Quando tivermos que usar o nome do Senhor Presidente da República, para conseguir avançar nas nossas propostas, usaremos o codinome “a bomba atômica””. No mundo da concorrência perfeita, alguns possuem “a bomba atômica” no bolso.

Sr. Presidente, eu teria de começar agora uma longa história, mas seria necessário que antes eu colocasse a minha visão dessa desestruturação, dessa decomposição da família, das organizações da sociedade civil. Infelizmente para mim, não terei tempo para tentar isso.

Agradeço a paciência e espero poder continuar em outra oportunidade a tratar de um assunto que deve merecer a atenção pelo menos de alguns espíritos mais exigentes.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2000 - Página 16891