Discurso durante a 99ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relevância do Parlamento na garantia da ordem pública do País.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Relevância do Parlamento na garantia da ordem pública do País.
Publicação
Publicação no DSF de 16/08/2000 - Página 16976
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, RELEVANCIA, CONGRESSO NACIONAL, GARANTIA, ORDEM PUBLICA, ORDEM SOCIAL, PAIS.
  • REPUDIO, ATUAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, TENTATIVA, INVALIDAÇÃO, TRABALHO, LEGISLAÇÃO, MANIPULAÇÃO, VONTADE, SOCIEDADE, AUSENCIA, RESPONSABILIDADE, NATUREZA POLITICA, ALIENAÇÃO, DISTANCIA, POLITICA, PAIS.
  • DEFESA, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, PRIORIDADE, FUNÇÃO, EDUCAÇÃO, NATUREZA POLITICA, FORMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, JUVENTUDE, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, POLITICA, PAIS.
  • DEFESA, URGENCIA, CONGRESSO NACIONAL, CONTINUAÇÃO, RECUPERAÇÃO, PRESTIGIO, LEGISLATIVO, SOCIEDADE, ESPECIFICAÇÃO, JUVENTUDE, GARANTIA, MORAL, CUMPRIMENTO, COMPROMISSO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ATENDIMENTO, VONTADE, POPULAÇÃO, INCITAMENTO, PARTICIPAÇÃO, CIDADÃO, BUSCA, VIGILANCIA, BEM ESTAR SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

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           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, o Congresso Nacional demonstrou, durante o curto recesso de julho, que representa um dos pilares fundamentais para o equilíbrio institucional do Estado brasileiro. Como é sabido, os desdobramentos políticos intrincadamente encadeados desde o início do escândalo do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo têm encontrado reação ponderada por parte do Poder Legislativo. Isso, há pouco tempo, seria inimaginável caso o Brasil não houvesse, ultimamente, atravessado processo inegável de amadurecimento democrático, sem o qual o mesmo episódio teria, certamente, merecido tratamento de escândalo institucional, de verdadeiro “risco sistêmico”, em sua acepção menos econômica e mais politicamente apropriada.

           Apesar disso, ainda há muito o que fazer para que a ação parlamentar adquira um ritmo de funcionalidade e produtividade à altura das exigências que a democracia moderna impõe. Aproveitemos, pois, tão propícia ocasião para discorrer, ainda que sucintamente, sobre o tema da relevância do Parlamento na garantia da ordem pública e social do País. E, quando emprego o termo Parlamento, refiro-me não somente à confecção do cabedal jurídico e normativo que deve regular o Estado e seus membros, mas também à conscientização da cultura política republicana que da sociedade se exige. Por trás da vitrine parlamentar, há de funcionar sempre o escudo participativo e controlador da comunidade para a qual o trabalho político em busca do interesse comum deve ser destinado.

           Acontece que, no Brasil, apesar de todo avanço na produtividade do trabalho legislativo e toda agilização do aparato operacional do Congresso Nacional, nossa sociedade parece cada vez menos interessada na prática política, afigurando-se apática diante de freqüentes convocações para o debate público. Em pesquisa divulgada recentemente pela Fundação Perseu Abramo, aferindo o grau de interesse do jovem brasileiro na participação política, constatou-se uma preocupante realidade: a alienação política de nossa juventude cresce na proporção inversa de sua crença no regime democrático. Mais do que isso, observou-se que 81% do conjunto dos entrevistados não confia nem nos partidos nem nos políticos. A apatia se consuma de vez quando se percebe que 56% dos jovens contatados afirmam que, individualmente, não influenciam em “nada” para mudar o rumo da questão política. Por último, a pesquisa mostra que 76% dos entrevistados nunca tomaram parte de manifestações, nem assinaram manifestos de protesto ou reivindicação.

           Nessa mesma linha de preocupação, o articulista Stephen Kanitz, da revista Veja, publicou recente artigo salientando a baixa popularidade da prática política no meio estudantil. À certa altura, dispara Kanitz: “Pergunte a 100 universitários que profissão escolheram, e a maioria responderá Administração, Medicina, Engenharia ou Advocacia. Poucos dirão que pretendem seguir a carreira política. Tanto é que a nota de corte do vestibular de Sociologia e Política é uma das mais baixas de todas as profissões”. Daí ele emenda que, desde Platão, nenhum país sério que almeje uma administração pública respeitada pode prescindir de seus melhores cidadãos exercendo a carreira política.

           Para agravar o quadro, tanto a mídia eletrônica como a impressa não parecem demonstrar qualquer esforço em compreender o real papel da democratização política na garantia de um sistema de poder estável e socialmente coeso. Com raras exceções, o conjunto de jornais, televisões e rádios no Brasil se esquiva da função de mobilizador da consciência nacional para a questão da participação e da representação política. Em vez disso, os responsáveis pela comunicação de massa preferem aproveitar-se de alguns deslizes da prática política para não apenas achincalhar os atores envolvidos, mas também desmoralizar todo um sistema de exercício político baseado na representação parlamentar.

           Ora, é muito fácil desqualificar políticos e suas instituições como objetos descartáveis, na vã e cínica suposição de que o País pode seguir seu caminho sem o exercício formal da política. É ainda mesmo mais fácil invalidar o imenso trabalho institucional do Parlamento, como se tudo e todos girassem seus interesses apenas em torno do próprio umbigo. Isso está longe da verdade e merece - tal leviano raciocínio - nosso mais violento repúdio. Trata-se de manobra ideológica de baixa conotação moral, visando tão-somente ao ingresso virulento de forças tirânicas e despóticas dentro de nosso incipiente regime democrático.

           Inescrupulosamente, toma-se o exemplo de alguns maus políticos como amostra significativa do mal que a política exerce sobre o País. Tal lógica é traiçoeira e enganosa, pois insidiosamente subtrai do cidadão sua prerrogativa de ente moralmente participativo nos rumos da Nação. Em vez de propor maior vigilância e participação, dissuade a sociedade de sua responsabilidade política e a arremessa para o escanteio da alienação civil, como se o distanciamento do mundo político lhe rendesse uma moral menos contaminada pelos desastres cometidos por políticos.

           De fato, temos convicção de que ninguém é tolo o suficiente para se convencer de algo tão argumentativamente frágil. No entanto, sabemos o quanto nossa juventude, sob o efeito da globalização, inclina-se para aquilo que está mais à disposição do consumo individualista, fácil e ligeiro. Isso, inevitavelmente, leva nossos jovens a descartar a política de sua agenda mais próxima, sem se importar com o fato de que o exercício do poder representativo pressupõe o tempo da reflexão e o tempo da ação comunitária. Segundo dados apurados na mesma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, do Partidos dos Trabalhadores, na faixa do eleitorado entre 16 e 18 anos, para quem o voto é facultativo, percebe-se uma acentuada queda no comparecimento desses jovens nos últimos processos eleitorais no Brasil.

           Para reverter tamanho desânimo, é preciso que se adotem algumas providências urgentes, entre as quais destacamos o papel da educação política na formação de nossos estudantes, entendendo-se educação política como o despertar de uma nova consciência para a responsabilidade da coisa pública. Nesse contexto, um programa de educação política deve encampar não somente a explanação de tópicos históricos, filosóficos e sociológicos, mas também a promoção de iniciativas práticas que animem a inserção do jovem no cotidiano político de sua cidade, de seu Estado e de seu País.

           Stephen Kanitz, da Veja, chega a sugerir que sigamos o modelo adotado pelos norte-americanos há 30 anos, o denominado programa Pager. Tratava-se de um programa que incentivava jovens do Segundo Grau a concorrer a estágios de um mês no Capitólio, desempenhando a função de, na tradução mais fiel, “garoto ou garota de recados” dos Congressistas. A idéia consistia em selecionar anualmente, entre a lideranças estudantis, os 50 melhores alunos, para que experimentassem, in loco, a agitada vida política de Washington. De certa forma, participavam dos bastidores do poder, ouviam as discussões e as fofocas do plenário. O resultado observado foi que, transcorridos os 30 anos, 10% dos Congressistas norte-americanos atuais e seus auxiliares são ex-pagers.

           De acordo com cálculos preliminarmente feitos, se o Brasil se interessasse por um programa análogo, não chegaria a gastar mais de R$10 mil por mês, a título de alojamento, alimentação e outros dispêndios como passagens aéreas. Se não o Erário público, pelo menos outras robustas organizações privadas do País poderiam patrocinar, de imediato, tal programa, na expectativa de que, assim o fazendo, estaríamos todos poupando dinheiro em impostos a longo prazo.

           Diante de tal sugestão, convictos estamos de que a sociedade brasileira, em geral, e a sua juventude, em particular, poderão resgatar a sua participação na construção de um Parlamento mais atuante e socialmente comprometido. Desse modo, poderemos afastar, de vez, a falsa imagem de um Congresso hesitante, freqüentemente paralisado e distante da comunidade, na percepção de que seus habitantes, Senadores e Deputados, somente trabalham em situação de emergência. Reiteramos que, apesar de todos os desentendimentos entre os Poderes - fruto salutar do sistema de pesos e contrapesos inerentes à democracia -, devemos, todos, retirar a consciência ética nacional da anestesia em que se afundou por conta da alienação detectada em diversos setores da nossa sociedade.

           Restaurar, portanto, a confiança da sociedade jovem no Parlamento exige, por outro lado, maior compromisso dos Congressistas na execução transparente de suas tarefas. Por exemplo, não nos devemos esquivar de nossas atribuições mais conhecidas, como é o caso da incumbência privativa de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo. Nesse sentido, a abertura de comissões parlamentares de inquérito não pode ser mais vista como quebra de fidelidade ao governo de plantão, nem tampouco pode ser confundida com palco oportunista para espetáculos demagógicos. Ao contrário, pode e deve servir de instrumento institucionalmente fundado para apurar suspeitas de irregularidade nas práticas administrativas e políticas.

           Portanto, todo rigor e transparência devem acompanhar os trabalhos de investigação de qualquer CPI, para que não fiquem reservadas ao Parlamento apenas as críticas mais severas sobre sua real determinação em busca de resultados conclusivos, consistentes e partidariamente isentos. Talvez assim possamos neutralizar o impacto de outra pesquisa recentemente divulgada no País, na qual se detecta que os brasileiros estão assustados com a impunidade e a corrupção. Tal pesquisa, encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes, revela mais precisamente que o índice de pessoas que acreditam que a impunidade aumentou nos últimos seis meses cresceu de 29% em abril para 43% em julho. Em relação à corrupção, 55% dos entrevistados em julho opinaram que ela se havia expandido nos últimos seis meses.

           Nesse sentido, não há muito tempo a perder. É urgente que o Parlamento continue sua marcha rumo à recuperação do seu prestígio junto à sociedade, sobretudo a parcela mais jovem, na convicção de que não basta expandir tecnologicamente o acesso do povo à imagem do que se passa no Congresso. Antes, cumpre aperfeiçoar moralmente o compromisso da ação parlamentar com os anseios da população, propondo, de modo mais incisivo, a participação do cidadão na persecução e vigilância do bem comum.

           Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

           Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/08/2000 - Página 16976