Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apoio à iniciativa da CNBB para que seja feita consulta popular sobre o aumento crescente da canalização de recursos para o pagamento das dívidas internas e externas do País.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • Apoio à iniciativa da CNBB para que seja feita consulta popular sobre o aumento crescente da canalização de recursos para o pagamento das dívidas internas e externas do País.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2000 - Página 17284
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • APOIO, INICIATIVA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), PRETENSÃO, REALIZAÇÃO, CONSULTA, OPINIÃO PUBLICA, REFERENCIA, POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, PAGAMENTO, JUROS, DIVIDA EXTERNA, DIVIDA PUBLICA, PAIS.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, DESTINAÇÃO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), SOLICITAÇÃO, RELAÇÃO, NOME, POSSUIDOR, TITULO DA DIVIDA PUBLICA, TITULO DE DIVIDA EXTERNA, OBJETIVO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, o Ministro Pedro Malan reagiu de uma maneira um tanto imprópria, utilizando termos não os mais adequados, com respeito à iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, que resolveu realizar uma consulta junto ao povo, sem exatamente o caráter de um plebiscito - tal como seria, se, porventura, o Congresso Nacional o tivesse aprovado e realizado, com a cooperação da Justiça Eleitoral -, mas segundo a idéia de um plebiscito, sobre a natureza da dívida externa e interna brasileira e a opinião do povo sobre o fato de o Governo Federal estar canalizando mais e mais recursos para o pagamento dessas dívidas.

Na nota que a CNBB divulgou em 30 de junho de 2000, há um epíteto, nos seguintes termos:

O Espírito do Senhor está sobre mim porque Ele me ungiu para evangelizar os pobres: enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos, a recuperação da vista e para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” ... “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos esta passagem da Escritura. (Lc 4,18 -19.21)

Diz a CNBB:

Estamos vivendo o Grande Jubileu da Encarnação de Jesus. O Santo Padre João Paulo II nos preparou para este advento de Graça a partir de 1994 com a Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente. Afirma ele no número 51: ‘No espírito do livro do Levítico (25,8-12), os cristãos deverão fazer-se voz de todos os pobres do mundo propondo o jubileu como um tempo oportuno para pensar, além do mais, numa consistente redução se não mesmo no perdão total da dívida internacional, que pesa sobre o destino de muitas nações’.

Na Ecclesia in America, o Papa volta a insistir: ‘A existência de uma dívida externa que sufoca não poucos povos do Continente americano constitui um problema complexo. Mesmo sem abordar seus numerosos aspectos, a Igreja, na sua solicitude pastoral, não pode ignorar este problema, pois este se refere à vida de tantas pessoas.’

De fato, “só o pagamento dos juros já constitui para a economia das nações pobres um peso que priva as autoridades da disponibilidade de dinheiro necessário para o desenvolvimento social, a saúde e a instituição de um fundo gerador de emprego.

Impelida por esta exortação, a Igreja no Brasil, através da CNBB, vem buscando desenvolver um processo de conscientização sobre os efeitos negativos da dívida externa e interna sobre a população brasileira.

Este processo vem crescendo a partir do “Projeto Rumo ao Novo Milênio”, e as diversas “Semanas Sociais” e, neste ano jubilar, desemboca num esforço conjunto das Pastorais Sociais da CNBB, em parceria com mais de 50 entidades e movimentos, visando fazer com que toda a população tome conhecimento desta situação.

Esta movimentação terá seu momento forte na Semana da Pátria deste ano quando acontecerão atos de conscientização e esclarecimento, culminando com a participação em um plebiscito popular.

Vimos instar nossos irmãos no episcopado a fim de que, no espírito do Jubileu, da prática de Jesus e iluminados pela palavra do Santo Padre, busquem intensamente formas de levar à população e às autoridades a preocupação com este grave problema que afeta sobretudo os pobres do nosso país.

Pedimos a todos os pastores e ao Povo de Deus que apóiem este processo, segundo as formas mais adequadas à sua realidade local, a fim de tornar efetiva esta solicitude pastoral.

Nós, do Partido dos Trabalhadores, dos Partidos do Bloco de Oposição apoiamos essa iniciativa. Em razão disso, o Presidente do PT, José Dirceu, ingressou com uma proposta para que seja feita consulta popular a respeito desse assunto, o que é, aliás, previsto na Constituição.

O Ministro Pedro Malan, por ocasião da abertura de seminário sobre modernização da reforma tributária, anteontem, resolveu fazer uma crítica à consulta popular sobre a questão das dívidas interna e externa. A imprensa até mencionou que o PT a está fazendo, mas, na verdade, ela é de iniciativa da CNBB, e nós, como outros partidos de Oposição, estamos achando importante apoiá-la. Notem bem que o Partido dos Trabalhadores não falou em moratória, como o Ministro Pedro Malan mencionou ao criticar a proposta.

Ainda hoje, na Folha de S.Paulo, um leitor apontou muito bem que a consulta popular de iniciativa da CNBB tem por objetivo fazer a população pensar, consultar se a população considera justo e adequado que uma parcela tão significativa do orçamento dos poderes públicos, do povo, pode, efetivamente, numa proporção crescente, como está acontecendo nos anos do Governo Fernando Henrique Cardoso, ser comprometida para pagar aos credores.

O Ministro Pedro Malan mencionou que achar que a dívida interna está nas mãos de gananciosos e especuladores é não entender nada da natureza daqueles que são detentores da dívida interna; deveria ele acrescentar também da dívida externa. Ora, Sr. Presidente, se não há informação adequada para o povo brasileiro sobre quais são os detentores das dívidas interna e externa, isso resulta exatamente do fato de que o Ministro da Fazenda até hoje não esclareceu com precisão, nunca enviou ao Congresso Nacional as informações relativas a quais são os detentores das dívidas interna e externa. Por essa razão, quero dar oportunidade a S. Exª de trazê-las.

Dentro de alguns dias, darei entrada em um requerimento, cujo conteúdo já anuncio - não o farei hoje porque quero consultar melhor algumas pessoas, alguns especialistas -, solicitando que o Ministro da Fazenda encaminhe ao Senado Federal as seguintes informações:

1.     Listar os detentores de títulos da dívida interna pública federal, discriminando por categoria de credor (conforme detalhado abaixo), montante e valor em relação ao total:

a     a. Bancos (nacionais e estrangeiros);

b     b. Fundos de Investimentos;

  c. Fundos de Pensão ou Entidades de Previdência (Fechada e Aberta);

  d. Outras instituições financeiras;

  e. Fundos Institucionais;

  f. Pessoas jurídicas não financeiras (portanto, qualquer tipo de empresa);

  g. Pessoas físicas.

2.     Listar os detentores de títulos da dívida externa pública federal, discriminando por categoria de credor, por natureza da instituição, montante e valor em relação ao total e localização geográfica.

           Será muito importante que tenhamos uma melhor noção de quais são os nossos credores externos; se podem ser consideradas pessoas prioritárias para receber o pagamento em relação a outras tão necessitadas, cujos recursos destinados à reforma agrária, à educação, à saúde, à Previdência podem garantir-lhes melhores condições de vida.

  3. Considerando a existência dos mercados primário e secundário dos títulos públicos, detalhar, por mercado e por categoria de credor, montante e valor em relação ao total.

Ora, Sr. Presidente, é claro que a Oposição, o Partido do Trabalhadores e a CNBB compreendem muito bem que as instituições financeiras captam recursos dos depositantes de depósitos à vista, dos depositantes de poupança e daqueles que colocam seus recursos, a sua poupança, nos fundos de pensão ou nos fundos de investimentos, para que esses, então, realizem investimentos e administrem os fundos.

Mas o Ministro Pedro Malan deve esclarecer à população brasileira e distinguir com clareza que nem todas as pessoas no Brasil são direta ou indiretamente credores, como ele parece querer mostrar, como se fossem credores da dívida interna todos os brasileiros. Boa parte dos brasileiros, mesmo os trabalhadores, fazem depósitos nas instituições financeiras, nos bancos. E os bancos, por sua vez, ao administrarem esses recursos, podem adquirir títulos de diversas naturezas, inclusive os Títulos da Dívida Pública.

Ora, uma coisa é o trabalhador que tem um depósito relativamente modesto numa instituição financeira e que tem seu Fundo de Garantia depositado ali ou mesmo numa caderneta de poupança. Lembremo-nos que, em princípio, muitos desses recursos nem sempre podem ser alocados na compra de Títulos da Dívida Pública. Alguns, necessariamente - por exemplo, na Caixa Econômica Federal -, são destinados aos investimentos imobiliários, na expansão dos programas de habitação. Outros podem ser, eventualmente, aplicados na aquisição de Títulos da Dívida Interna. É preciso que se esclareça isso. Outra coisa é a condição daquelas pessoas que são acionistas das instituições financeiras e que podem ser consideradas, em primeira instância, como proprietárias dos títulos que são adquiridos por aquela instituição.

O Sr. Ministro, obviamente, há de convir que não há um extraordinário número de proprietários, de acionistas de instituições financeiras sejam nacionais, sejam aquelas que têm subsidiárias e filiais no Brasil. Normalmente, essas pessoas estão entre as mais ricas da população. São pessoas que estão em condição relativamente muito melhor que o restante da população.

Sr. Presidente, na sociedade brasileira, há um consenso acerca da necessidade de maiores investimentos na área social. Entretanto, um dos maiores óbices desse incremento reside exatamente na fragilidade financeira das contas públicas. E a condução da política econômica brasileira nesses últimos anos, de 1994 até janeiro de 1999, caracterizou-se pela sobrevalorização do real em relação a outras moedas estrangeiras. Com as dificuldades de exportação e com a atração muito grande para as importações, gerou-se um déficit crescente na balança comercial e também na de serviços. Então, para compensar isso, o Governo precisou atrair capitais. O Governo elevou significativamente as taxas de juros e captou recursos externos, que, por vezes, vieram para ser aplicados num prazo relativamente curto.

O Ministro Pedro Malan disse que a dívida interna - e acho que quis dizer a dívida externa -, segundo a Oposição, estaria nas mãos de gananciosos especuladores e que quem diz isso não entende nada. Ora, Ministro Pedro Malan, V. Exª sabe muito bem que o Brasil, ao elevar as taxas de juros tão significativamente na hora de oferecer títulos da dívida interna e da dívida externa, está chamando aqueles que compram títulos, os que, no mercado de capitais, buscam o lucro e o retorno máximos. Os que atuam no mercado de capitais são conhecidos como pessoas que realizam especulação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que isso fique muito claro. Qual foi o resultado dessa política de taxas de juros tão elevadas? Se desde janeiro de 1999 há um regime cambial um pouco mais flexível - o que corrigiu bastante aquela problemática -, até agora, embora tenha havido uma razoável diminuição das taxas de juros, estas ainda se encontram muito elevadas.

A dívida interna líquida do setor público, incluindo os três níveis de governo e as empresas estatais, cresceu de R$170,3 bilhões, em 1995, para R$407,8 bilhões, em 1999, passando de 24,5% do PIB para, respectivamente, 37% do PIB, enquanto a dívida externa total, medida em reais, passou de R$154,8 bilhões, em 1995, para R$423,8 bilhões, em 1999, ou seja, cresceu de 22,2% para 38,5% do PIB, segundo dados do Banco Central.

E os juros da dívida interna consumiram R$12,1 bilhões, em 1995, e R$37,06 bilhões, em 1999, passando de 1,7% para 3,4% do PIB, como pode ser verificado pelos dados do Sistema de Administração Financeira da União - Siafi. Já o Orçamento do ano 2000 fixou o valor de R$78,1 bilhões para o pagamento dos juros da dívida pública interna e externa. Esse extraordinário montante indica o peso tão significativo do crescente comprometimento dos recursos do povo para pagar aqueles que são credores da dívida.

Tendo em vista esses números, diversas entidades, entre elas a CNBB, outras igrejas e entidades ecumênicas e sociais decidiram ouvir a população brasileira sobre a oportunidade de se continuar direcionando tal volume de recursos para essa finalidade.

O Ministro Pedro Malan não quer que haja essa consulta, que, segundo S. Exª, poderá atingir o cidadão comum. Ora, é preciso que o Ministro, então, esclareça melhor a natureza dos detentores das dívidas interna e externa.

Nobre Senador Lúcio Alcântara, conforme prometido, vou proporcionar a V. Exª a oportunidade de falar.

Encerrarei o meu discurso com a seguinte observação: o que causa estranheza é a extraordinária preocupação do Ministro Pedro Malan com os credores das dívidas interna e externa. Em qualquer oportunidade, ele diz: “Não seria o caso de conversarmos com os senhores credores para realizarmos uma nova negociação?” Justamente o Ministro Pedro Malan, que tantas vezes fez negociações! Já não o fez com os prefeitos e governadores de Estado, por exemplo, em relação à renegociação ou ao alongamento do pagamento das dívidas dos títulos, que foram emitidos tantas vezes irregularmente para obter recursos e pagar precatórios? Muitos de nós sabemos das irregularidades havidas. Entretanto, o Ministro Pedro Malan não considerou importante para a saúde financeira dos Municípios e Estados renegociar essas dívidas.

Ora, por que tanto fervor do Ministro Pedro Malan em dizer que não se pode até mesmo discutir o assunto? O Supremo Tribunal Federal está examinando se deve ou não considerar a perda dos trabalhadores no que diz respeito ao crédito que teriam referente ao montante de recursos que devem estar depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Por que, nesse caso, o Ministro Pedro Malan se mobiliza tanto, realiza tantos esforços para dizer: “Cuidado! Não vá pagar o que a Justiça irá definir. Cuidado, Justiça! Cuidado, Ministros do Supremo Tribunal Federal! Cuidado para não decidirem a favor dos trabalhadores, senão as finanças públicas poderão se tornar problemáticas!”

No entanto, na hora de decidir, S. Exª nem mesmo admite discutir ou consultar o povo sobre a prioridade de se pagarem os credores das dívidas públicas interna e externa. Nesse caso, é válido o fervor em defesa deles.

Ora, Ministro Pedro Malan, vamos ter peso e medida iguais em relação a todos os assuntos e vamos considerar a qual pagamento devemos dar prioridade, e em que tempo.

O Partido dos Trabalhadores não está aqui propondo que não se honre qualquer compromisso assumido pelo Brasil. O Partido dos Trabalhadores está dizendo que é importante discutir a natureza da dívida. Quem é o beneficiário que deve receber, este ano, R$78 bilhões, conforme o Orçamento do ano 2000? Quem vai receber esses recursos? Devemos verificar se realmente é necessário pagar tanto e na velocidade que quer o Governo, tendo em vista tantos outros compromissos prioritários, que, de fato, beneficiariam muito mais a população, já tão prejudicada por taxas de desemprego elevadas e por uma taxa de crescimento aquém da potencialidade do Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2000 - Página 17284