Discurso durante a 108ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a campanha Jubileu 2000, de iniciativa do Vaticano, que prega o cancelamento da dívida externa dos países pobres. Críticas às declarações do Ministro da Fazenda, Pedro Malan, sobre a realização de plebiscito nacional sobre a questão do endividamento externo.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA.:
  • Reflexões sobre a campanha Jubileu 2000, de iniciativa do Vaticano, que prega o cancelamento da dívida externa dos países pobres. Críticas às declarações do Ministro da Fazenda, Pedro Malan, sobre a realização de plebiscito nacional sobre a questão do endividamento externo.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2000 - Página 17397
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, EVOLUÇÃO, CAMPANHA, IGREJA CATOLICA, CANCELAMENTO, DIVIDA, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, TERCEIRO MUNDO.
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, INICIATIVA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, REFERENCIA, PRETENSÃO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, DIVIDA PUBLICA.
  • CRITICA, PRONUNCIAMENTO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), OPOSIÇÃO, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, DIVIDA EXTERNA, DIVIDA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

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A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, estamos vivendo o desdobramento da campanha Jubileu 2000 - campanha internacional iniciada pelo Vaticano e que prega o cancelamento das dívidas dos países empobrecidos. Como parte desse desdobramento, nós teremos dos dias 2 a 7 de setembro a instituição de um plebiscito sobre a dívida externa em que várias entidades da sociedade civil, como o Conselho das Igrejas Cristãs - CONIC, a Central Única dos Trabalhadores - CUT, a União Nacional dos Estudantes - UNE, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e a Central de Movimentos Populares - CMP, estão encabeçando no Brasil a campanha nos dias em que se estará fazendo o plebiscito nacional da dívida externa.

Lamentavelmente, houve uma declaração do Ministro da Fazenda, Sr. Pedro Malan, que, de certa forma, agrediu o movimento de forma geral porque não se trata, como disse S. Exª, de uma iniciativa do Partido dos Trabalhadores para atrapalhar e prejudicar o Brasil. Essa iniciativa é ampla e está sendo realizada em todo o País como parte do movimento Jubileu 2000.

O plebiscito nasceu do esforço conjunto das Pastorais Sociais da CNBB, em parceria com várias entidades populares, entre as quais a CUT, o MST, a CMP e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag, visando fazer com que toda população tome conhecimento da situação injusta causada pelo pagamento da dívida externa. O plebiscito faz parte de um conjunto de iniciativas realizadas em vários países, pedindo o cancelamento da dívida dos Países do Terceiro Mundo.

Essa iniciativa também reúne cristãos de todo mundo. Ao contrário do que disse o Ministro Pedro Malan, na semana passada, referindo-se ao plebiscito, essa campanha não é um “desserviço ao País” e não é uma proposta do Partido dos Trabalhadores. A campanha é internacional, como já falei anteriormente, incluindo todas as igrejas da Comunhão Anglicana e o Conselho Mundial de Igrejas, que congrega 340 confissões cristãs, que inclusive já se pronunciaram pela necessidade urgente de se fazer uma reavaliação das dívidas e considerar a possibilidade de cancelar totalmente as dívidas dos países pobres.

Já em 1997, na reunião de ministros de 40 igrejas, foi lançada uma campanha de assinaturas pelo cancelamento da dívida. Qualquer pessoa pode acrescentar o seu nome às folhas que se encontram em paróquias e organismos de solidariedade ou igrejas diversas em todo o Brasil. Em torno de 22 milhões de cristãos, em todo o mundo, pedirão aos organismos internacionais o cancelamento da dívida. Também várias personalidades do mundo apóiam a campanha. São personalidades que embora não façam parte necessariamente de uma igreja, de uma instituição, mas pela relevância que têm, como intelectuais que são, como membros do mundo artístico, ou seja o que for, estão emprestando os seus nomes, os seus prestígios, as suas lutas, em favor de uma proposta como essa.

Aqui no Brasil tivemos, inclusive, a realização do Tribunal da Dívida Externa, em 1998, fazendo parte dessa campanha. A CNBB e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs realizaram um simpósio sobre a dívida, cujo título era Implicações e Perspectivas. Participaram 100 representantes de igrejas, movimentos sociais e entidades da sociedade civil e 17 enviados de outros países da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa. O simpósio pediu a criação de um tribunal para julgar a questão da dívida e a interrupção da atual política econômico-financeira do Governo.

Em 1999, o Tribunal da Dívida Externa, que se realizou no Rio de Janeiro, pediu o cancelamento da dívida externa.

Qualquer pessoa de bom senso sabe que se formos submeter as dívidas dos países pobres ou dos países em desenvolvimento a um julgamento social, não se levando em conta a lógica de mercado, a lógica que está instituída por esse modelo neoliberal, onde o que vale é o lucro, o capital e as perspectivas de que um pequeno grupo de incluídos pode movimentar a economia em detrimento da grande maioria que está excluída de todos os potenciais de sobrevivência com dignidade, e se esse plebiscito levar em consideração uma outra lógica a partir de valores que respeitem as pessoas, que coloquem no centro desse debate a dignidade do ser humano e a necessidade de fazermos algo para diminuir a exclusão social, com certeza esse tribunal dará o veredicto de que o pagamento da dívida externa, com juros exorbitantes, deve ser cancelado.

Essa é uma proposta que não pode ser entendida como a do PT, como da Esquerda ou da Oposição. Deve ser entendida, sim, como uma proposta de homens e de mulheres de bem em todo o mundo que já não suportam mais ver as economias dos países em desenvolvimento serem drenadas para fins da lógica única e exclusiva do capital, do interesse econômico dos grandes grupos, em detrimento, como já disse anteriormente, dos interesses sociais, de investimentos nas áreas de saúde, educação, emprego e renda, além da oportunidade do desenvolvimento das potencialidades para os seres humanos.

De sorte que o tribunal chegou à conclusão de que a dívida externa deveria ser cancelada, o pagamento feito pelo Brasil aos credores internacionais deveria ser cancelado.

O fato é que não só o Brasil, mas todos os países pobres sofrem com esse processo de endividamento crescente e com o comprometimento de suas riquezas, na transferência de recursos para os países ricos e para o Sistema Financeiro Internacional. Essa transferência aprofunda o fosso entre ricos e pobres, gerando mais miséria e fome entre os pobres.

Antigamente, havia a lógica de que o bolo deveria crescer para que pudesse ser dividido. Hoje, essa mesma filosofia, esse mesmo paradigma continua sendo defendido pelos ideólogos da economia neoliberal, mas de uma forma mais sofisticada: agora, temos de estar incluídos nos mercados globalizados. Agora, temos de ter uma inserção na globalização e, após essa inserção, aí sim, vamos resolver os problemas sociais. Só mudaram a expressão. Antes se falava em aumentar o bolo, para depois dividi-lo; hoje, fala-se em inserção no processo da economia global, visando trazer para a realidade local os benefícios da riqueza acumulada pelas empresas, pelos grandes produtores de riqueza de todo o mundo, apropriada de forma particular, sem o compromisso social. Porque ser rico, possuir riqueza privada não implica na isenção do compromisso social com o País e com a humanidade, de um modo geral.

Qualquer empresário, qualquer pessoa que tem referencial de respeito à dignidade humana não pensa, em primeiro lugar, em fazer dinheiro por dinheiro. Inclusive, tive uma experiência muito gratificante em São Paulo a respeito de uma articulação de cerca de 400 empresários em torno de um movimento chamado “economia de comunhão”. São pessoas com valores cristãos que resolveram fazer da sua atividade econômica não apenas um meio de ganhar dinheiro por dinheiro. Evidentemente, elas têm investimentos, patrimônios, taxas de lucro, até para que a sua atividade econômica seja capaz de crescer e expandir. Contudo, impuseram um limite. Ou seja, almejam um determinado tamanho. O que extrapolar esse tamanho elas vão investir para que novas oportunidades de emprego sejam geradas, para que novas pessoas inclusive possam ingressar no mercado, criando novos negócios e investimentos. Isso é muito interessante, até porque é algo que ocorre com pequenos e médios empresários. Não tenho conhecimento de que haja grandes empresários.

Sr. Presidente, esse já é o primeiro passo. Se aos pequenos é possível abdicar, abrir mão do lucro pelo lucro, talvez aos grandes fosse muito mais fácil para ajudar a resolver a situação que estamos atravessando hoje em todo o mundo, com uma quantidade de pobres muito grande - são mais de 2 bilhões de pessoas pobres que estão vivendo com pouco mais de um dólar por dia. O quinhão do Brasil é de 78 milhões de pobres, dos quais temos 43 milhões que vivem com menos de um dólar por dia.

Se pensarmos que o cancelamento da dívida pode significar investimentos na área de educação para os 15 milhões de jovens analfabetos que temos em nosso País, com certeza esse seria um investimento bem maior e bem melhor do que o que vem sendo feito com a drenagem desses recursos.

É muito fácil ficar cobrando dos países em desenvolvimento ações que venham resolver os problemas sociais que estamos enfrentando. Agora, isso fica apenas na esfera do discurso, sem tradução do ponto de vista prático, se os países desenvolvidos não forem capazes de ter a sensibilidade política e social para os problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento. Essa sensibilidade não está restrita apenas a ações emergenciais, a medidas compensatórias de se tentar uma resposta para os problemas imediatos da pobreza. Isso é importante, mas, fundamentalmente, de medidas estruturais que vão desde a educação até a transferência e internacionalização do conhecimento e da tecnologia, a fim de que os países em desenvolvimento possam fazer frente ao que está acontecendo em todo o mundo.

Vivemos uma realidade social, econômica e cultural em que o conhecimento é a maior arma que um país, uma nação, um povo pode ter para enfrentar os seus problemas. Com uma população de 15 milhões de jovens condenados ao analfabetismo, com certeza, o futuro deste País está comprometido.

De sorte que desejo juntar-me a todas as pessoas e instituições que estão organizando esse plebiscito, que se realizará do dia 2 ao dia 7 de setembro, dia em que comemoramos a nossa independência, para dizer que essa é uma iniciativa em que a sociedade brasileira - independentemente das palavras infelizes do Ministro Pedro Malan ao dizer que o plebiscito é um desserviço ao Brasil - deve se mobilizar para mostrar qual é o serviço que a sociedade quer para o Brasil. É muito fácil fazer discurso de inserção na globalização pelos olhos do mercado e pelos olhos da globalização. Assim se está prestando um grande serviço, quando se está atendendo aos interesses da lógica de mercado - principalmente a lógica perversa do mercado financista. Esse é um serviço ao País. Agora, quando se pensa em fazer uma avaliação para que a sociedade brasileira diga o que acha da dívida - não é nenhuma imposição, apenas dizer se deve cancelar ou não - é um desserviço ao País?

            Acredito que milhões de pessoas, em todo o mundo, que estarão optando pela proposta do cancelamento da dívida não estarão prestando um desserviço à humanidade. Pelo contrário, estarão se baseando em princípios éticos, morais, humanitários e na defesa do crescimento dos seres humanos, na capacidade de que possam ter de desenvolver suas culturas, seus processos civilizatórios, sem que isso venha a ser comprometido pela ganância do capital em detrimento desses interesses legítimos que devem ser respeitados e colocados à disposição de todos os povos.

Dessa sorte, Sr. Presidente, gostaria de fazer também minha essa luta, que acredito deva ser de todos aqueles que, independentemente de Partido, confessam um compromisso com a inclusão social, com o crescimento econômico, social, cultural e espiritual dos povos.

E é em nome dessa unidade dos povos, por esses valores e por essas iniciativas que me somo a esse plebiscito.

Não tenho dúvida de que, se tivesse algum poder para transformar essa dívida em bolsa-escola, eu não pensaria duas vezes, eu o faria. Se tivesse algum poder para transformar os juros dessa dívida em ação de preservação do meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, com certeza eu o faria. Se tivesse algum poder para que esses recursos fossem empregados na instituição de pesquisas para a geração do conhecimento para os países em desenvolvimento, tão carentes desse matéria-prima - a matéria-prima do agir sobre a forma do conhecimento - com certeza o faria.

            Tenho absoluta certeza de que, em todo o mundo, como parte da Campanha Jubileu 2000, as pessoas estarão manifestando suas idéias sobre o tema, cada um à sua maneira - nós, aqui, com o plebiscito, com o tribunal da dívida, que já foi realizado. Enfim, cada povo, cada país instituirá várias ações visando àqueles que se pretendem donos do maior capital da raça humana: sua capacidade criativa, inventiva e de trabalho. Tais capacidades são utilizadas coletivamente, mas apropriadas, quase de forma individualizada, por grupos empresariais e por sistemas complexos de economia financeira, completamente sem compromisso com os problemas sociais existentes hoje em todo o mundo, onde há mais de dois bilhões de pessoas pobres vivendo com menos de US$1 por dia.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2000 - Página 17397