Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários ao combate à violência e construção de novo modelo urbano.

Autor
Sérgio Machado (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • Comentários ao combate à violência e construção de novo modelo urbano.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2000 - Página 17455
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, DEFESA, REFORMULAÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO URBANO, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. SÉRGIO MACHADO (PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assomo hoje à tribuna para falar do problema da criminalidade, que está batendo recordes, apavorando famílias e preocupando as autoridades em todo o País. Estou convencido que é preciso, além das medidas de emergência já amplamente discutidas e anunciadas, como o Plano Governamental de Segurança, repensar a realidade urbana que enfrentamos.

Dados divulgados pela imprensa colocam o Brasil no topo de vários rankings internacionais da violência: quarto lugar em seqüestros no mundo! Das dez cidades do Planeta com maiores índices de homicídio, o Brasil tem oito - só perdemos o primeiro lugar para Cáli, na Colômbia! Ocupamos o terceiro maior mercado mundial de carros blindados! Sozinho, o Brasil supera a soma de assassinatos dos Estados Unidos, Canadá, Itália, Japão, Austrália, Portugal, Inglaterra, Áustria e Alemanha - uma média anual de 40 mil homicídios! Mesmo se compararmos as estatísticas com países da América Latina, os números continuam alarmantes: a taxa nacional de homicídios é quatro vezes maior que a da Costa Rica e nove vezes superior à da Argentina!!!

O Instituto Vox Populi apurou que, em dez capitais brasileiras, a população considera a questão da segurança como o problema número um da cidade. E, no restante, certamente, a preocupação deve estar entre as principais.

Para se fazer uma radiografia um pouco mais profunda do problema, basta se analisar a realidade institucional. No Judiciário, as penas alternativas são pouco empregadas. A punição é rara, demora para sair, a legislação penal em vigor permite aos réus uma infinidade de recursos que protelam a decisão final. Isso tudo sem falar que há juízes de menos e processos demais.

Na área da Segurança Pública, a quantidade de policiais envolvidos em crimes é assombrosa, não há uma coordenação em torno do trabalho das Polícias Civil e Militar e o policiamento ostensivo é mal planejado. O sistema penitenciário não recupera ninguém e, a cada dia, se aperfeiçoa como escola da bandidagem. Faltam vagas nas cadeias...

A incapacidade de muitos governos estaduais em resolver o problema da violência está fazendo crescer um poder quase paralelo das empresas de segurança. Nelas, já trabalham mais de um milhão e trezentas mil pessoas, o dobro do efetivo de todas as Polícias no País. E o mercado vem crescendo a uma taxa anual de 30%. Até carro blindado se pode comprar hoje em consórcio!

Os gastos de setores da economia para evitar assaltos e fraudes eletrônicas são também impressionantes. Apenas na área bancária, chegam a um bilhão de reais por ano. E os prejuízos com o que se deixa de produzir pelo medo de ser atingido pela violência são incalculáveis.

O Governo Federal, para colaborar com os Governos Estaduais e mesmo com as Prefeituras, está elaborando um Plano Nacional de Emergência para a Segurança. É uma prova que medidas urgentes devem mesmo ser tomadas para dirimir os temores da família brasileira. Mas isso não basta...

Por trás de todo esse debate que ganha corpo na sociedade e nos meios de comunicação está uma questão fundamental e estratégica, que tem de ser enfrentada.

Nosso modelo urbano, que nasceu da corrida pela industrialização, está esgotado e ultrapassado. O urbanismo do pós-guerra exigia uma fórmula que abrigasse as máquinas e os automóveis, em franco processo de expansão e crescimento desordenado. E provocou uma queda na qualidade de vida das populações. O acesso ao glamour e ao status que o carro nos desperta é um fator que complica, até hoje, a rediscussão desse modelo. Eliminar somente o automóvel deu certo em algumas experiências mundiais, mas certamente seria algo impensável para a civilização ocidental moderna.

O que deve ser feito é a construção de um modelo urbano voltado para as pessoas, onde o local de trabalho não fique a mais de um quilômetro de onde se vive, onde os pedestres possam ter prioridade.

Na realidade, o conforto e a qualidade de vida urbana não podem ser baseados somente na moradia em si. É preciso que haja uma conexão com a escola, com a saúde, com o trabalho e com a convergência das pessoas e suas atividades.

Embora as causas da violência urbana sejam complexas e variadas, sem dúvida alguma afirmo que, se tivéssemos no País uma cultura de planejamento e gestão correta do crescimento urbano das cidades, poderíamos diminuir o problema.

O Regime Militar, durante quase 30 anos, construiu um modelo puramente financeiro de se criar habitações para abrigar a migração para os grandes centros. Os cinturões contíguos às cidades, na época ainda longe dos centros, foram construídos baseados em unidades habitacionais de residência.

O modelo econômico concentrador de renda do passado foi estabelecendo, nesses cinturões distantes, as classes menos favorecidas que hoje estão entre as maiores vítimas da violência. 

Sr. Presidente, estou aqui propondo um amplo debate entre a sociedade, as entidades representativas e as diversas esferas governamentais sobre o que está sendo chamado no meio acadêmico de “Urbanismo sustentável” ou “Novo Urbanismo”.

Mesmo se analisarmos modelos ousados para a época, que foram na verdade tentativas de se ordenar o caos urbano, como Brasília - uma cidade subdividida em zonas com especialidades -, veremos que estes projetos estão sendo engolidos pela nova realidade.

Uma cidade deve ser considerada boa ou ruim pela capacidade que ela gera ao cidadão ter acesso a tudo, com a dimensão do pedestre, bicicleta, automóvel, transporte público e assim por diante.

Não podemos continuar com este modelo urbano que nos leva de volta à Idade Média, quando vivíamos cercados pelas muralhas! Hoje, os muros se transformaram em containers dentro das cidades modernas, onde as classes sociais mais abastadas procuram se proteger. Este reflexo do urbanismo contemporâneo substitui o espaço público por áreas reservadas, muitas vezes com decorações parecidas com as de ambientes exteriores. São os shopping centers, os condomínios, os clubes, os edifícios com acessos restritos e por aí vai...

Como ponto de partida deste amplo e contínuo debate, quero aqui trazer para reflexão de todos nós, Congressistas, e para toda a sociedade, a contribuição que um urbanista inglês chamado Richard Rogers, juntamente com o italiano Henzo Piano, deixou para a humanidade. Autor do livro “Cidades para um Pequeno Planeta”, Rogers estabeleceu algumas características de uma boa cidade, nos dias de hoje.

É preciso que se tenha uma cidade-justa, em que o governo é compartilhado, em que as pessoas têm a oportunidade de influir no destino do lugar onde mora.

É indispensável uma cidade-bela, em que os objetos feitos pelos humanos, os artefatos culturais, os edifícios, junto da paisagem natural, formem uma unidade interessante e provocadora.

É fundamental que se tenha uma cidade-criativa, em que as pessoas possam trocar idéias, criar novas situações e fazer com que a evolução da cidade se dê também de forma compartilhada.

Temos de ter, ainda, uma cidade-ecológica, que respeita suas bases naturais, considerando os aspectos paisagísticos.

É preciso se criar uma cidade-da-mobilidade, onde se possa encontrar as pessoas e estimular a circulação das idéias e da criatividade.

E, por fim, uma cidade-compacta, porque os centros urbanos mais pobres são mais acessíveis para a maioria pobre, principalmente, e para todos nós. Criando espaços para o pedestre - esta condição que nos iguala desde os primeiros tempos da História - estaremos atendendo mais facilmente as necessidades cotidianas de todo cidadão.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2000 - Página 17455