Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Analise dos modelos político e eleitoral vigentes no País.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • Analise dos modelos político e eleitoral vigentes no País.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2000 - Página 17442
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, INEFICACIA, MODELO POLITICO, PAIS, DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, SENADO, NORMAS, EXIGENCIA, PARTIDO POLITICO, RECEBIMENTO, PERCENTAGEM, VOTO, PAIS, OBTENÇÃO, DIREITOS, REPRESENTAÇÃO POLITICA, IMPEDIMENTO, CORRUPÇÃO, PROCESSO ELEITORAL, ABUSO, PODER ECONOMICO.
  • ANALISE, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, BUSCA, APERFEIÇOAMENTO, PROCESSO ELEITORAL, PAIS.
  • DEFESA, EXTINÇÃO, REELEIÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ÁLVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa campanha eleitoral que se realiza em todos os Municípios brasileiros, à exceção do Distrito Federal, é mais uma oportunidade que temos, no Congresso Nacional, para observar os equívocos do modelo político vigente no País, que tem provocado tanto desencanto na população brasileira. A descrença é generalizada.

Aliás, quantas vezes repetimos isso desta e de tantas tribunas neste País? O desencanto da população com os partidos políticos, com as instituições públicas, com os políticos de forma geral, é quase que generalizado. Evidentemente, as causas são as mais variadas, sobretudo os grandes escândalos envolvendo administradores públicos, a corrupção desenfreada que toma conta da estrutura administrativa, na União, nos Estados e nos Municípios, mas, sem dúvida, o modelo ultrapassado, o modelo político superado, que deveria já ter sido sepultado há algum tempo.

Este Congresso discute a reforma política há muitos anos, mas não chega à conclusão necessária para oferecer ao País um modelo compatível com as aspirações da sociedade brasileira.

Nesta campanha eleitoral, já nos primeiros dias da disputa, podemos identificar vários dos equívocos que continuamos a praticar no exercício do processo eleitoral. Vou procurar citar alguns pontos que considero cruciais. O Senado Federal avançou um pouco, aprovando algumas medidas encaminhadas à Câmara dos Deputados que fazem parte da proposta de reforma política. Aliás, essa deveria ter sido a primeira reforma, a preceder as demais, certamente oferecendo, na continuidade, maior eficiência, maior eficácia na promoção das outras reformas, indispensáveis para a organização do nosso País.

Repito que o Senado aprovou alguns itens dessa reforma. Entre eles, aquele que considero o cerne, o que procura estabelecer exigências para que um partido político tenha representação legislativa, estabelecendo o percentual de 5% de votos no País, distribuídos em, pelo menos, nove Estados da Federação. É uma exigência necessária para evitar a permanência, no cenário eleitoral brasileiro, das chamadas siglas de aluguel, nocivas à qualidade do processo.

Vejo nessa campanha o mesmo cenário de muitas outras campanhas eleitorais. Já nos momentos que antecedem às convenções, o candidato mais poderoso economicamente consegue aglutinar siglas, que não são verdadeiramente partidos políticos, que não possuem lideranças de expressão, sem mandatos, sem votos, mas que possuem tempo no rádio e na televisão e que, por isso, cobram alto preço.

Começa aí a corrupção eleitoral. Começa, portanto, antes das convenções municipais, o abuso do poder econômico. Quem se utiliza do poder econômico reúne uma série de legendas que se aglutinam, aumentando o tempo no rádio e na televisão, desequilibrando, desde o início, o processo eleitoral. Assistimos a esse fato agora em Curitiba, e, certamente, isso se repetirá nas principais capitais brasileiras.

Isso começa, portanto, na antevéspera da convenção, nas articulações políticas, muitas vezes com a corrupção, que leva legendas a sucumbirem diante do poder econômico. E fazem esse jogo. Aquelas que não se aglutinam, oferecendo seu tempo no rádio e na televisão, prestam outro tipo de serviço também nocivo aos interesses da eficiência do processo eleitoral: apresentam as chamadas candidaturas-laranjas para fazer o jogo desse ou daquele candidato, atacando esse ou aquele em benefício do outro.

Tudo isso desestimula, puxa para baixo a qualidade da disputa eleitoral, do debate político, e afasta o cidadão, que deixa de se utilizar, muitas vezes, desse que é o instrumento mais qualificado para fazer a melhor opção. O cidadão deixa de utilizar esses instrumentos avançados de comunicação, que são o rádio e a televisão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a partir desse momento, instala-se um processo desonesto. Com um tempo enorme na televisão, os candidatos mais poderosos economicamente, especialmente aqueles que se utilizam da máquina no processo de reeleição, contratam os profissionais mais caros do País e as equipes mais qualificadas em comunicação de massa, utilizam-se dos equipamentos mais sofisticados e se apresentam como se estivessem disputando um festival de cinema em Cannes, em San Remo, em Gramado, ou concorrendo ao Oscar. Com efeitos especiais, procuram imitar Spielberg.

A mensagem dá lugar à especialidade daqueles que aprenderam a usar com eficiência os meios de comunicação, com seus sofisticados efeitos especiais. Portanto, há uma disparidade gritante entre os concorrentes. Na verdade, estabelece-se uma disparidade que desqualifica o processo eleitoral. A eleição, dessa forma, está viciada.

São constatações que fazemos durante uma campanha eleitoral e que devem nos orientar na discussão da reforma político-partidária nesta Casa do Congresso Nacional.

Falei em efeitos especiais, em truques, e vi nessa campanha, ainda em Curitiba, um expediente terrível, o expediente da farsa. Em um comercial utilizado por determinado candidato, falsificou-se a informação, cometeram-se vários crimes: propaganda enganosa, que parte de um fato inverídico; falsificação de uma edição de jornal - falsidade ideológica, até com a mudança da denominação do jornal -; e uma informação que é um engodo, uma mentira, uma falácia para iludir o cidadão. Marquetólogos afirmam que todos são verdadeiros idiotas e devem ser enganados pela mágica da mídia eletrônica na campanha eleitoral. A manchete dizia que Belo Horizonte quer o prefeito tal - não vou citar aqui o nome, para evitar que digam que estou utilizando esta tribuna como palanque eleitoral, que estou buscando tirar proveito de natureza eleitoral -, São Paulo quer o fulano, Rio de Janeiro quer o beltrano, Brasília sonda sicrano para o Governo.

Instituiu-se uma farsa. A notícia não era verdadeira, o jornal não era verdadeiro, houve uma falsificação absoluta, sem dano algum para o infrator, sem dano algum para o candidato que cometeu todas essas ilegalidades e colocou-se de forma desrespeitosa em relação à opinião pública que pretende conquistar para se reeleger prefeito da cidade.

Esses fatos devem ser relevantes na análise que devemos fazer nesta Casa para promover avanços na legislação eleitoral, buscando aprimorar o processo democrático no nosso País.

Já que falamos em abuso do poder econômico, é preciso destacar a importância da discussão já iniciada a respeito da instituição do Fundo de Financiamento Público das Campanhas Eleitorais. Sou Relator de duas propostas, uma do Senador Sérgio Machado, outra do Senador Pedro Simon, instituindo esse Fundo. O que se verifica é que, em um primeiro momento, o cidadão imagina que, mais uma vez, estão esticando o braço longo da exploração, colocando a mão no bolso do contribuinte para financiar campanhas eleitorais. Mas creio que essa é uma impressão preliminar e equivocada, porque, sem dúvida, se essa instituição vingar no nosso País e for rigorosamente respeitada, com a necessária fiscalização e penalização daqueles que agredirem a legislação imposta, certamente haverá uma grande economia de recursos públicos.

Se analisarmos a origem dos grandes escândalos de corrupção no País, chegaremos quase sempre às campanhas eleitorais. Eu não poderia deixar de citar um exemplo, e creio que basta um único exemplo: o impeachment do ex-Presidente Collor começou, indiscutivelmente, na sua campanha eleitoral. Os episódios que envolveram PC Farias, a Operação Uruguai, sobras de recursos de campanha, comprometimento com empresas e empresários, tudo isso teve origem na campanha eleitoral.

Evidentemente, a contabilidade que se apresenta ao final de uma campanha eleitoral é uma farsa absoluta. Não se apresenta a contabilidade real do que ocorreu durante a campanha eleitoral. Há doadores que não se apresentam, há doações que não se contabilizam, e, evidentemente, o balanço final é a mentira. Sem sombra de dúvida, é a corrupção que prevalece.

Alguns mais inescrupulosos detentores do poder econômico financiam campanhas para obter vantagens posteriores e cobram muito caro na execução de obras superfaturadas, na intermediação de recursos. Enfim, estabelece-se a influência nociva aos interesses do País.

Certamente, muitos se enriqueceram ilicitamente ao longo do tempo, lançando mão do expediente do patrocínio de campanhas eleitorais com resultados extremamente compensadores a posteriori.

O Fundo de Financiamento Público das Campanhas Eleitorais viria, certamente, para reduzir o impacto da corrupção na campanha eleitoral. Não sou ingênuo a ponto de acreditar que isso seria o suficiente para exterminar a corrupção, mas, certamente, estaríamos minimizando os seus efeitos de forma significativa e, de outro lado, provavelmente, estaríamos atraindo para a atividade pública pessoas talentosas que dela se afastam porque não querem participar desse jogo complicado.

Certamente, postulantes sem condições materiais para o necessário proselitismo na campanha eleitoral teriam condições de equilíbrio, como muitos outros que lançam mão de recursos privados para a apresentação das suas propostas durante a campanha eleitoral.

Haveria um mínimo de equilíbrio. Não haveria esse contraste gritante, com o excesso de recursos de alguns, com recursos esbanjados. Lamentavelmente, não há nenhuma forma de contenção desses gastos abusivos. A fiscalização não é suficiente, e, infelizmente, o julgamento das ações que são interpostas no período eleitoral não é ágil. Muitas vezes, os mandatos adquiridos num processo eleitoral viciado se esgotam sem que aquelas ações sejam julgadas definitivamente.

São questões que exigem reflexão, estudos, a elaboração de uma legislação mais competente e, evidentemente, uma reforma no Poder Judiciário, para se agilizar a definição de questões que exigem julgamento rápido.

Além dessas questões, eu gostaria de focalizar as pesquisas eleitorais, que são manipuladas de forma visível e absurda. O abuso do poder econômico também está presente na manipulação das pesquisas. Candidatos gastam fortunas manipulando pesquisas eleitorais e, evidentemente, influindo na decisão final.

Todos sabemos que há eleitores sempre propensos a votar naqueles candidatos que possuem possibilidade de vitória. Há eleitores propensos à utilização do voto útil. Alguns eleitores preferem votar em determinados candidatos que têm a possibilidade de vitória a votar em outros que são apontados nas pesquisas como incapazes de chegar a um resultado positivo.

Portanto, a influência da divulgação dos números da pesquisa eleitoral numa campanha é indiscutível. É preciso analisar a regularização da divulgação de pesquisas, com o estabelecimento de normas legais que permitam a publicação de pesquisas durante um período apenas. Poderiam afirmar que, com isso, estaríamos restringindo o direito à informação. É preciso discutir essa questão. Que informação é essa? É a informação da manipulação, a informação desonesta, que pretende corromper o processo eleitoral?

Ninguém combate a pesquisa eleitoral. Eu próprio sou um apaixonado pelas pesquisas. Oriento-me por elas. Todos os que respeitam a opinião pública pesquisam a opinião pública. É indispensável que se pesquise para se buscar a orientação, porque obviamente quem se confronta com a tendência de opinião pública se afasta definitivamente da possibilidade de vitória. É uma questão de inteligência pesquisar a opinião pública. Não estamos aqui trabalhando contra os institutos de pesquisa; ao contrário, nós os valorizamos sempre. O que queremos é a moralização do processo eleitoral.

Devemos discutir se o prazo para a publicação das pesquisas eleitorais deve ser de 45 dias ou de 30 dias antes das eleições. Outros países com experiência democrática mais avançada já estabeleceram normas reguladoras, impedindo a divulgação das pesquisas eleitorais nos dias que antecedem ao pleito.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são inúmeras as questões que devemos levantar a partir do encerramento dessa campanha eleitoral.

Pretendo, Sr. Presidente, usando o tempo que me resta, abordar mais um item: o da reeleição.

            São várias as propostas apresentadas nas duas Casas do Congresso. Sou Relator de três emendas constitucionais. Uma delas foi apresentada pelo Senador José Eduardo Dutra; outra, pelo Senador Roberto Requião; e outra, pelo Senador Antonio Carlos Valadares. Essas emendas determinam o fim do instituto da reeleição.

            A experiência não foi boa. A cultura política do nosso País não nos permite ainda fazer esse avanço. Creio que devemos buscar, na campanha eleitoral em curso, a última avaliação para essa definição. De minha parte, estou convicto: devemos acabar com o instituto da reeleição. Podemos até reestudá-lo futuramente, quando estivermos exercitando, de forma plena, o processo democrático no nosso País, com a exclusão de determinados vícios que lamentavelmente perduram sem que haja o necessário combate para a sua eliminação. Estamos observando isso.

            Muitos daqueles que disputam a reeleição nos Municípios brasileiros - é bom sempre evitar a generalização, porque existem as honrosas exceções - abusam excessivamente. Aliás, o abuso excessivo já é uma redundância, mas é tão flagrante o abuso, que a redundância reforça a afirmação. É preciso acabar com esse tipo de abuso.

Em algumas cidades, a impressão que se tem é que existe candidatura única. O prefeito tomou conta da cidade com cartazes, com inscrições nos muros e nos estabelecimentos comerciais. É um rolo compressor que a máquina administrativa impõe, eliminando, em muitos casos pela corrupção eleitoral, a possibilidade de qualquer opositor sonhar com o poder no município.

É preciso, portanto, a meu ver, estudar o fim da reeleição - e estamos estudando. Antecipo que o meu parecer será favorável ao fim da reeleição no Brasil em todos os níveis.

Sr. Presidente, temos a consciência de que a política, de que a democracia, sobretudo, é um aprendizado interminável. A cada passo, aprendemos mais; a cada campanha eleitoral, uma nova experiência nos permite lições para o aprimoramento do processo. Estamos aqui diante da seguinte conclusão: ou aprendemos nesta campanha eleitoral, identificamos todos os equívocos do processo e apresentamos uma reforma política compatível com as aspirações da sociedade brasileira, ou estaremos assinando um estado de incompetência absoluta. Estaremos afirmando à Nação que não sabemos o que aqui estamos a fazer, porque a organização do País começa, sem dúvida, pela organização política. Se não instituirmos, se não idealizarmos um modelo político competente, estaremos desautorizados a falar das demais reformas que tenham por objetivo a organização de uma Nação justa, onde seu povo possa ser feliz.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2000 - Página 17442