Discurso durante a 110ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da criação de sistemas de controle eficazes para aplicação dos recursos orçamentários e detecção de obras irregulares.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Defesa da criação de sistemas de controle eficazes para aplicação dos recursos orçamentários e detecção de obras irregulares.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2000 - Página 17565
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, EXPECTATIVA, EFICACIA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, CONTROLE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, SISTEMA, PERMANENCIA, CONTROLE, APLICAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, REFORÇO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), TRIBUNAL DE CONTAS, ESTADOS, MUNICIPIOS, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, DESVIO, RECURSOS FINANCEIROS, OBRA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ultimamente, o País tem assistido a um grande debate sobre a questão da elaboração e execução do Orçamento da União. Esse é um tema que interessa a todos, afinal são recursos públicos que devem ser aplicados em obras de interesse da comunidade. Todos sabemos que há uma escassez de recursos para a execução dessas obras, tão necessárias, na área da saúde, da educação, de recursos hídricos, de saneamento básico, rodovias, e assim por diante.

Portanto, é preciso a maior correção possível na aplicação desses recursos, quer dizer, que se trabalhe com preços justos e evitem-se desvio de dinheiro público, superfaturamento e execução de obras de qualidade inferior.

Esse debate tem interessado a todos, sobretudo a partir dos acontecimentos relacionados ao Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, uma obra que vem se arrastando há alguns anos, para a qual vultosa quantia foi destinada e que teve cerca de 60% de seu total construídos. Hoje, há a certeza de que o volume de dinheiro desviado foi enorme.

Então, a pergunta que todos se fazem é: como é possível isso ter acontecido? Por que, nas barbas do Governo - inclusive com tramitação do projeto no Legislativo, com o controle das liberações orçamentárias por parte do Executivo, no caso, o Ministério do Planejamento, com o acompanhamento e a responsabilidade mais imediata dos titulares, dirigentes e Presidentes do Tribunal Regional do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho -, isso veio a acontecer naquela que é a maior cidade do País? Essas perguntas vêm sendo respondidas aos poucos, na medida em que estamos esclarecendo por que não foi detectado mais cedo o problema e não foi estancada a liberação de recursos para o Tribunal Regional do Trabalho, impedindo-se que essa quantia tão volumosa fosse desviada para o bolso de alguns, que enriqueceram às custas dos recursos do povo.

É de se observar que a ocorrência de irregularidades no Orçamento não é nova. Quem compulsar a História do País verificará que em várias ocasiões problemas como esses foram descobertos, identificados e, em alguns casos, aplicaram-se punições severas, uma vez que, num passado relativamente recente, Parlamentares tiveram os seus mandatos cassados em função de condutas impróprias na elaboração do Orçamento e na liberação e aplicação de verbas.

O problema volta por quê? Porque, infelizmente, o homem é presa do sentimento, ou tentação, de, a partir de uma determinada posição de poder, procurar enriquecer desviando recursos públicos. Evidentemente, essa tentativa de melhora de condição financeira é inaceitável, mas a tentação acomete e fustiga o homem em todas as situações. De outra parte, esses problemas voltam porque os controles são insuficientes e abrem espaço para que entrem o bandido, o aproveitador, o corrupto e aquele que quer se apropriar dos recursos públicos.

Então, é preciso haver uma vigilância permanente e, mais do que isso, o estabelecimento de sistemas de controle eficazes, que de fato funcionem e permitam a detecção dos problemas, a identificação dos culpados e a sua punição. Sempre que há punição, há também um mecanismo de intimidação para que as pessoas não cedam a essa tentação de enriquecer e se locupletar com o dinheiro públicos.

Por isso é importante o debate, principalmente na hora em que o Governo, corretamente, está anunciando uma série de medidas, visando a melhorar o controle da aplicação dos recursos públicos e a observar as recomendações e decisões do Tribunal de Contas da União.

O Tribunal de Contas da União é um órgão que precisa ser preservado, fortalecido. Ele não pode ser atacado como manobra diversionista. Procurando colocar o Tribunal de Contas da União na defensiva, com manobras, palavras, atitudes, gestos, na verdade, o que querem é distrair a atenção da opinião pública, dos políticos e da imprensa em relação aos gravíssimos problemas por que estamos atravessando.

Creio que o Tribunal de Contas da União precisa de aperfeiçoamento. É verdade que ele tem que oferecer maior celeridade no julgamento dos processos, sem deixar de oferecer condições de ampla defesa àqueles que estejam sendo objeto das suas investigações e das análises dos seus técnicos e ministros.

Então, quero deixar isto bem claro: o Tribunal de Contas da União, os Tribunais de Contas dos Estados e até dos Municípios têm que ser fortalecidos. Temos que entender que o nosso sistema judiciário está em grande parte calcado na recomendação constitucional - esculpida pelo nosso bravo Relator, Senador Bernardo Cabral - do amplo direito de defesa, o que termina ensejando uma sucessão de recursos - que torna quase interminável o processo - e impedindo, conseqüentemente, que se chegue a uma conclusão sobre o verdadeiro culpado.

Agora, melhorar o Tribunal de Contas da União, promover ajustes nos seu funcionamento não significa negar nem deixar de proclamar a importância desse instrumento que é hoje uma espécie de guardião das contas públicas e da moralidade na Administração Pública brasileira.

Todavia, é preciso que, nesse debate, deixemos claro o que é irregularidade numa determinada obra, o que é obra irregular. É preciso, em primeiro lugar, atentar para a fase em que se encontra o processo de análise da obra, se ela contém alguma irregularidade, seja na solicitação, na execução, no seu aspecto técnico, na questão orçamentária. Em segundo, é necessário ver a natureza da irregularidade que está sendo apontada ou examinada pelo Tribunal e também em que momento se encontra a auditoria realizada naquela obra.

Hoje, existe aquela obrigação legal do Tribunal de Contas da União de remeter para o Congresso, antes do início da apreciação da Proposta Orçamentária, a relação de obras pendentes ou com irregularidades. No entanto, muitas dessas obras que constam na lista como irregulares se encontram numa primeira etapa de apreciação, ou porque surgiu alguma denúncia, ou porque houve alguma provocação, ou porque o Tribunal, nas suas atividades rotineiras, por intermédio de seu corpo técnico, detectou algum problema durante a inspeção e ofereceu prazo para que os responsáveis pelo órgão que executa a obra prestem esclarecimento sobre as questões levantadas. Depois dessa fase, o Ministro vai fazer um Relatório, que será submetido ao Tribunal Pleno, em que todos os Ministros estarão presentes. Haverá uma decisão, e ainda caberá recurso ou pedido de revisão. Por fim, aquele que for condenado e não se resignar com a decisão do Tribunal poderá recorrer ao Poder Judiciário.

Então, pergunto: podemos afirmar que uma obra é irregular ou apresenta irregularidades, se ainda está sob exame da equipe técnica do Tribunal, se está sofrendo auditoria e não existe conclusão, se o responsável por ela ainda está sendo ouvido? Penso que não; é precoce dizer isso. No entanto, obras que se encontram nessa condição constam como irregulares. E veio a decisão do Governo de não permitir a liberação de recursos orçamentários para essas obras chamadas “irregulares”. Mesmo que a LDO para 2001 diga que obras com indícios de irregularidades podem receber recursos, o Presidente Fernando Henrique já mostrou sua disposição - e Sua Excelência está certo - de não permitir isso. Precisamos saber o que é obra irregular, em que etapa do processo ela é assim considerada.

Nos últimos dias, o Ministro Fernando Bezerra tem sido muitas vezes questionado sobre o motivo de ter liberado recursos para obras chamadas “irregulares”. Trata-se de um colega nosso, um homem sério, correto, intransigente na defesa de seus pontos de vista, que fica, às vezes, numa posição indefensável ou vulnerável, como se realmente estivesse patrocinando a liberação de recursos para obra irregular, o que não é verdade. São citadas três obras: a Barragem do Castanhão, no Ceará; a Adutora do Oeste, em Pernambuco; e o Tabuleiro de Russas, que é uma obra de irrigação, também no Ceará, feita com recursos de empréstimos do Banco Mundial - Bird. O Ministro está na imprensa, sendo censurado por ter liberado recursos para essas obras.

            Vamos ao exame dessas três obras. Essa liberação ou, pelo menos, o empenho dos recursos aconteceu antes de maio, data da lei que determinou que não se liberassem recursos para as obras que constassem da lista das chamadas “irregulares”. No caso do Castanhão, ainda em análise pelos técnicos - portanto, sem parecer sobre a existência, ou não, de irregularidades -, o Tribunal de Contas da União levantou 23 questionamentos, tais como a ausência de firma reconhecida ou de assinatura em um documento, bem como do relatório de impacto sobre o meio ambiente e até mesmo uma questão técnica sobre uma falha na rocha, o paleocanal, que não foi descoberto na ocasião em que foram feitos os levantamentos, as sondagens para a execução da barragem e que, evidentemente, importou em acréscimo no total da obra.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a repartição competente, que é o Departamento Nacional de Obras contra a Seca, ofereceu todos os esclarecimentos, que estão sendo analisados pelo Tribunal de Contas da União. Então, não podemos condenar uma obra, colocá-la em todas as manchetes de jornais como uma obra com irregularidades ou irregular, simplesmente porque ainda não houve o pronunciamento do Tribunal de Contas da União.

Nessas vinte e três questões levantadas pelo Tribunal de Contas da União há pontos que são simples, que não têm tanta importância e outros que requerem aprofundamento, como a questão da falha geológica, na rocha, que importou aumento do custo da obra em função desse problema que foi descoberto na fase de execução da obra.

Essa obra do Tabuleiro de Russas, que é um projeto de irrigação, financiada pelo Bird, havia dúvida quanto à concorrência. Quem tem experiência - e aqui está o Senador Roberto Requião - sabe que as obras com financiamento do Bird são rigorosas, são concorrências internacionais, feitas dentro de uma sistemática extremamente rígida. Agora mesmo, o Tribunal de Contas da União já oficiou a Comissão Mista de Orçamento afirmando que realmente não há irregularidades na obra; mas antes constava como irregular. A análise, a apuração, a oitiva dos responsáveis terminou esclarecendo o assunto e constatando que a obra não tem irregularidades.

A chamada Adutora do Oeste, no Estado de Pernambuco, era uma obra que vinha sendo executada por um consórcio de empresas, inclusive uma delas é a Incal, que tem problemas de esclarecimentos perante o Tribunal de Contas da União, só que a obra foi entregue ao Exército. O Exército é quem está executando a obra, por isso que o Ministro Fernando Bezerra liberou os recursos. Acredito que nenhum de nós pode aqui levantar, em princípio, qualquer dúvida sobre a lisura, a correção do Exército Brasileiro, que está concluindo essa obra da maior importância. Estamos falando de água para o Nordeste, para o semi-árido. Está aqui um especialista, um estudioso nesse assunto, uma pessoa muito dedicada, Senador Bernardo Cabral, que já publicou inclusive uma obra sobre todos esses aspectos legais referentes à questão da água, foi o relator do projeto da ANA - Agência Nacional de Águas -, sabe bem do que estou falando. Pergunto: essas obras vão ficar paradas? E todos sabemos que uma obra parada tem o seu custo aumentando sempre.

Agora, não venham ler nas minhas palavras algo que eu não disse. Não estou defendendo que obra irregular continue de qualquer maneira, porque tem que ser concluída. Não é isso. Muitas vezes utiliza-se esse argumento para levar adiante obras que estão de fato comprometidas pela corrupção, superfaturamento, desmandos e desvio do dinheiro público. Não é disso que estou tratando.

O que quero é que fique bem claro, primeiro, o conceito de obra irregular. O que é obra irregular? Qual a natureza da irregularidade que está sendo apontada? Se é algo simples ou grave, que realmente demanda um cuidado especial. Segundo, em que etapa do processo já podemos condenar definitivamente, dizendo que é uma obra irregular, para a qual o Governo não deve destinar um centavo a mais. Tenho uma opinião: penso que só podíamos dizer isso no momento em que a obra fosse julgada pelo Pleno do Tribunal de Contas da União, ainda que caiba recurso, pedido de revisão, recurso à Justiça sobre tal decisão. Mas a do Pleno já é uma opinião onde há elementos para configurar realmente, se não com toda certeza, mas em grande medida, uma irregularidade grave que desaconselha o Governo a colocar dinheiro naquela obra, a menos que se proceda, se for o caso, uma nova licitação e, conseqüentemente, entre uma outra empresa para a sua conclusão.

As obras hídricas que mencionei, como por exemplo a de Castanhão, iniciada em 1995, fundamental para a sobrevivência da população que vive no semi-árido do Ceará. Nós da Bancada do Ceará, os três Senadores, os nossos Deputados Federais, independentemente de partido político, não podemos assistir indiferentes a isso que se deseja fazer, protelar indefinidamente a conclusão da obra, o que encarece muito o seu custo, condenando-a definitivamente, quando as pretensas, alegadas ou suspeitas irregularidades ainda não foram confirmadas sequer na primeira fase do processo, onde o Ministro relator está trabalhando com seus auditores, com os técnicos do Tribunal de Contas da União.

Por último, não podemos comparar, por exemplo, com todo o interesse que existe em oferecer condições de conforto e de segurança às pessoas que demandam à Justiça do Trabalho, a importância, a necessidade dessa obra com a sede, o prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. É preciso ter bom senso para distinguir essas questões, mesmo na hora em que o assunto recebe um foco muito grande de atenção da imprensa e da opinião pública, nos debates, nas discussões. É preciso serenidade e isenção, para examinar de forma a dar uma solução coerente e que atenda ao interesse público, que está aí em dois aspectos: primeiro, na lisura, na correção do administrador público, que está responsável pela obra; segundo, na destinação da obra, que deve estar pronta o mais rápido possível, para atender ao interesse geral, o bem comum daquela população a que ela se destina.

Por último, quero justamente dizer que o Ministro Fernando Bezerra tem procurado dar celeridade a essas decisões, para que não fiquemos, todo ano, com essa mesma cantilena: vem a lista de obra irregular, aí vamos a essa luta, para depois procurar retirar da lista de obra irregular, para receber os recursos orçamentários. E para que não pareça que nós, que estamos defendendo a continuação da obra, estejamos acobertando uma obra irregular ou aqueles que estão comprometidos com as irregularidades dela decorrentes.

Hoje o Ministro Fernando Bezerra foi ao Tribunal de Contas da União ter um encontro com o seu Presidente, Ministro Iran Saraiva, para que se acelerem essas decisões, para que as obras não sofram solução de continuidade e se atenda também a esse princípio de respeito ao dinheiro público, de moralidade na administração da coisa pública que o povo brasileiro tanto deseja, de que devemos ser aqui os principais intérpretes.

Concluindo, Sr. Presidente, definir bem, conceituar bem, precisar bem o que é obra irregular e em que momento pode ser considerada como tal, para efeito de sustação na destinação de recursos públicos para a sua execução.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2000 - Página 17565