Pronunciamento de Jefferson Peres em 31/08/2000
Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Indignação com a desigualdade e injustiça sociais no Brasil. Considerações sobre o assassinato da jornalista do jornal o Estado de São Paulo.
- Autor
- Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
- Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DIREITOS HUMANOS.:
- Indignação com a desigualdade e injustiça sociais no Brasil. Considerações sobre o assassinato da jornalista do jornal o Estado de São Paulo.
- Aparteantes
- Heloísa Helena.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/09/2000 - Página 17619
- Assunto
- Outros > DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
-
- MANIFESTAÇÃO, REPUDIO, DISPARIDADE, AUSENCIA, JUSTIÇA SOCIAL, AUTORITARISMO, CLASSE SOCIAL, PORTADOR, RIQUEZAS, COLOCAÇÃO, DIFICULDADE, PUNIÇÃO, REU, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ANTONIO MARCOS PIMENTA NEVES, JORNALISTA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTOR, HOMICIDIO, SANDRA GOMIDE, REPORTER.
- CRITICA, CONDUTA, PIMENTA NEVES, JORNALISTA, TENTATIVA, DIFAMAÇÃO, HONRA, SANDRA GOMIDE, REPORTER, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
SENADO FEDERAL SF -
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O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT- AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há episódios que, embora particulares, envolvendo duas ou mais pessoas, pela sua natureza e pela repercussão que alcançam, tornam-se assunto de interesse público. É o caso do crime ocorrido em São Paulo, envolvendo dois jornalistas, um como autor e a outra como vítima, o qual, a meu ver, é emblemático por mostrar como a sociedade brasileira é visceralmente desigual e como parte da elite brasileira está impregnada de uma cultura machista e autoritária.
Um cidadão que ocupava um alto posto em um dos grandes jornais do País usou o seu poder naquele órgão para empregar uma moça e, depois, guindá-la a um cargo mais elevado, com salário substancialmente maior, sem nenhum critério, a não ser o de fazer ou consolidar uma conquista amorosa.
Mas como alguém já observou, um caso como esse não se trata propriamente de amor, é apenas um caso de domínio pessoal, de uma pessoa sobre a outra, a qual passa a ser sua posse ou sua propriedade.
Quando essa presa ameaçou se libertar, veio a reação brutal na forma de um homicídio que beira a hediondez por suas características, motivo e meio utilizado. A vítima foi abatida com um tiro pelas costas e um tiro de misericórdia, na cabeça, quando estava prostrada no solo.
Tirou-se uma vida humana dessa forma em nome de quê, Sr. Presidente?
Em sua justificativa, transmitida para todo o País pela rede de televisão, disse o assassino que “matou porque estava sendo traído individual e profissionalmente pela vítima”.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa coisa antiga e odiosa da suposta lavagem da honra, como disse o cronista Antônio Maria, certa vez, referindo-se a um crime dessa natureza e se dirigindo ao criminoso: “Sangue não lava nada, só suja”. Ainda se lava a honra no Brasil, matando-se! E que honra, Sr. Presidente? O criminoso, mostrando absoluta falta de ética, tenta, ainda, na entrevista, ou no depoimento, denegrir a imagem da vítima, tentando justificar o injustificável. Disse que a moça havia sido guindada àquele posto por ele, embora fosse incompetente. Que coisa mais antiética! Em primeiro lugar, ele usou do poder - se a acusação for verdadeira, promoveu a moça indevidamente para assegurar conquista amorosa; segundo, denegriu a imagem da morta, que, assassinada por ele, não pode se defender. Da hediondez do crime em si à hediondez da falta de ética.
A seguir, o cidadão é recolhido a uma clínica mediante um atestado médico particular. Um médico atestou que ele estaria com problemas mentais, sem condições de ser interrogado ou de ir à prisão. A juíza decretou a prisão e o desembargador concedeu limitar com base no atestado particular, sem ter tido a elementar prudência de pedir o laudo de uma junta oficial, imediatamente.
Pergunto, Senadora Heloisa Helena, será que um morador de uma favela de São Paulo, que tivesse cometido um crime, teria liminar de um desembargador com base em um atestado particular de um médico?
O Sr. Bernardo Cabral (PFL- AM) - Teria a prisão determinada imediatamente.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT- AM) - Que País mais injusto! E, como as elites se julgam acima da lei, conseguem burlá-la diante de um jogo de proteção mútua de médicos, de juízes.
E o tratamento que parte da imprensa deu? Ainda ontem, ouvi uma apresentadora de televisão dizer: “o jornalista acusado”. Jornalista acusado? Trata-se de réu confesso. Ele confessou o crime no mesmo dia, quando telefonou para o jornal O Estado de S.Paulo. Como um réu confesso é acusado ou suspeito? Ele é assassino mesmo, confesso, não existe mais dúvida alguma. E recebe esse tratamento corporativista da parte de seus colegas de jornal.
A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - V. Exª me permite um aparte?
O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Concedo o aparte a V. Exª, Senadora Heloisa Helena, com prazer.
A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Jefferson Péres, esta manhã realmente é muito importante. Eu ia tratar do tema, e fiquei mais feliz, sinceramente, por ser V. Exª a trazê-lo à Casa, primeiro, porque lhe tenho admiração e respeito.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - E é recíproco.
A Srª Heloisa Helena (Bloco/PT - AL) - Segundo, por V. Exª trazer este tema. Eu tive a oportunidade de andar em muitos Municípios, ajudando, de alguma forma, a fazer campanha política para companheiros que são candidatos dos Partidos do Bloco da Oposição neste País. Passei por determinados Municípios onde há mulheres candidatas não apenas do Bloco da Oposição, como também de Partidos da base de sustentação do Governo. Vendo esses recortes de jornais sobre o caso da jornalista, rememorando toda uma tradição desqualificada, machista, medíocre, realmente típica de uma sociedade injusta, desigual, ia trazer este assunto ao debate, mas fiquei muito feliz, como mulher, que fosse um homem digno, como V. Exª, a fazê-lo, para não parecer que seria simplesmente disputa de posição feminista em relação ao tema. Penso que nós mulheres, neste País todo, estamos cada vez mais indignadas com determinado tipo de posição. Por quê? Se for uma mulher mansa, domesticada, vítima de uma sociedade maldita, injusta e desigual, passa a ser aceita em qualquer espaço de decisão, de disputa de poder; se for uma mulher senhora de seu próprio destino, que queira trazer para si a possibilidade de decidir sobre sua vida, imediatamente, é desqualificada com aquele termo chulo e horroroso que caracteriza as mulheres que amam de uma forma diferente do que estabelece o velho livrinho falso moralista, que estabeleceu uma única forma de amar, ou ela, imediatamente, é acusada com aquele outro termo chulo e desqualificado com que a sociedade trata as mulheres que vendem seu corpo, muitas vezes, por um prato de comida. E é exatamente isso que está acontecendo neste caso específico, como já ocorreu em vários outros, em todo o Brasil, na minha Alagoas e em vários outros Estados. Esses homenzinhos de alma pequena, incapazes de amar e de serem amados, talvez até vítimas, também, de uma sociedade e de uma cultura machista, acabam usando uma coisa terrível como esta, que é justamente arrancar aquilo que é tão precioso para nós, mulheres e homens. Imaginem o que esta sociedade diria, se a mulher dissesse que ele é um “enrustido” e também o desqualificasse sexualmente. Imediatamente se geraria uma rebelião completa. Como não é o que acontece, porque a sociedade não espera isso, vem o silêncio. Sinto-me triste e indignada pelo que tenho visto no País, pelo caso da jornalista e por milhares de outros casos de violência contra as mulheres, às vezes, em sua própria casa. Não há algo que marque mais uma mulher - porque não marca só o nosso corpo, mas a nossa alma e a nossa dignidade - do que sermos feridas por aqueles que amamos, ou nos tornarmos vítimas das rodas de homens indignos, ridículos, medíocres, que desqualificam as mulheres sexualmente, moralmente, do mesmo jeito como se fez. Portanto, sinto-me indignada, infeliz e triste, mas, por outro lado, sinto-me feliz por ser V. Exª, um homem digno, a trazer este debate à Casa. Parabéns a V. Exª pelo pronunciamento.
O SR. JEFFERSON PÉRES (Bloco/PDT - AM) - Obrigado, Senadora. Espero que V. Exª não deixe de ocupar a tribuna para continuar tratando do tema. Que não fique apenas no meu pronunciamento - parece que fui o primeiro a fazê-lo no Senado -, que manifesta a minha indignação, porque, repito, Senadora, não é um fato apenas pessoal, isolado. Isso reflete toda a mentalidade dominante na sociedade brasileira, repassada de hipocrisia. Esse cidadão, como vimos em um vídeo antigo de TV, há poucos meses se manifestava, com ar superior, sobre a violência, “própria de sociedades primitivas”. Mente mais primitiva do que a desse cidadão? Educado, ocupando um alto posto no jornal, comete um crime sórdido como esse e a sordidez maior de investir contra a vítima e de procurar proteção para escapar à prisão, com uma rede de proteção em torno dele. Este é o retrato da sociedade brasileira: hipócrita, porque todos se dizem democratas, e são autoritários; dizem-se antimachistas, e, no fundo, são machistas; dizem-se anti-racistas, e são racistas também. Não todos, evidentemente, mas estou-me referindo a uma boa parte da elite.
Eles pensam que as mulheres são propriedades deles, que pertencem a uma casta superior, que são intocáveis, que vão ficar impunes - e ficam mesmo, Senadora. Pela repercussão que teve esse crime, talvez o julgamento seja abreviado. Mas quantos anos esse assassino vai ficar na prisão? Não sei. Talvez pegue a pena mínima para homicídio, talvez nem seja condenado por homicídio qualificado - e, sem dúvida, o é. Talvez cumpra um terço da pena prevista no Código Penal e, breve, breve, esteja nas ruas outra vez, livre e solto, como os criminosos de colarinho-branco deste País.
Senadora Heloísa Helena, quantos ex-Prefeitos, ex-Governadores, empresários de Alagoas estão na penitenciária? No Amazonas, nenhum. Na classe dominante brasileira, nem homicida cumpre pena - essa é a triste verdade -, nem um homicida que comete um crime desse grau de hediondez.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este meu pronunciamento é apenas um desabafo para manifestar minha indignação com essa sociedade realmente desigual e injusta que continua sendo a brasileira, apesar dos avanços que fizemos nos últimos anos.
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