Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a intervenção militar na Colômbia e a iminente invasão da Amazônia.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Preocupação com a intervenção militar na Colômbia e a iminente invasão da Amazônia.
Aparteantes
Heloísa Helena, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2000 - Página 17625
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, EFEITO, INTERVENÇÃO, FORÇAS ESTRANGEIRAS, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COMBATE, TRAFICO, DROGA, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, POSSIBILIDADE, AMEAÇA, INVASÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, OCORRENCIA, NEGOCIAÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, COLOMBIA, GUERRILHA, DEBATE, BUSCA, SOLUÇÃO, EXTINÇÃO, TRAFICO, DROGA, INCENTIVO, PAZ, JUSTIÇA SOCIAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, GOVERNO FEDERAL, SOLIDARIEDADE, APOIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, COLOMBIA, NECESSIDADE, IMPEDIMENTO, INTERVENÇÃO, FORÇAS ARMADAS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srª Senadora Heloísa Helena, venho a esta tribuna para abordar um assunto que, tenho certeza, é motivo de preocupação para a Nação brasileira. Ontem, alguns Senadores já o abordaram da tribuna, mas creio que, pela gravidade do assunto, é importante que continuemos a bater nessa tecla. Trata-se da iminente invasão da Amazônia.

Recentemente tive a oportunidade de visitar a Amazônia, no Estado do Pará. Estive em Carajás, Tucuruí, Marabá e fiz também algumas viagens pelo interior, pela Transamazônica. Pudemos, então, ver o abandono a que está entregue aquela região, cuja população enfrenta dificuldades até para se comunicar com o resto do País. A rodovia Transamazônica, uma rodovia federal, tem muitos trechos que não têm sequer asfalto. Para percorrer 50 quilômetros, leva-se duas horas em razão da precariedade da estrada - não tendo asfalto, quando chove, é lama e buracos por todos os lados; quando não chove, é tanta poeira que não se consegue enxergar dez metros adiante. É essa a situação da Amazônia brasileira: de abandono.

Nesse contexto, a ameaça de ocupação militar na Colômbia, com certeza, vai ter reflexos na nossa Amazônia. O imperialismo americano já há tempo tem vontade de fazer uma intervenção na região. Sempre procuraram um motivo, uma justificativa para poder intervir militarmente na Amazônia. A Colômbia é como uma porta aberta para que essa intervenção se faça.

A desculpa utilizada é o combate ao narcotráfico. É um argumento forte, evidentemente, mas sabemos que, por trás dessa argumentação, o objetivo principal é atingir a guerrilha e, evidentemente, gerar um conflito para que eles possam fazer a ocupação de todos os setores da Amazônia.

Recebi em meu gabinete a visita de um representante das FARC. Ele nos passou um documento em que se propõe a paz negociada com o Governo Pastrana. Aliás, essa intenção não é novidade: por ocasião da eleição de Pastrana, tanto a ALN quanto as FARC apresentaram ao presidente eleito um programa de paz para a Colômbia. Inclusive, a sua eleição foi possível graças a essa proposta de paz: a nação colombiana o elegeu justamente em razão do programa para que houvesse paz na Colômbia, paz negociada com a guerrilha. A guerrilha está disposta a negociar pois eles estão cansados de uma guerra que já dura 40 anos. Crianças que nasceram na área da guerrilha já estão casadas, algumas já são até avós, e a luta continua. Por isso, eles estão dispostos a negociar o fim dessa guerra civil.

O Governo Pastrana comprometeu-se a negociar a paz e depois não desarmou a direita, os grupos organizados paramilitares que freqüentemente fazem incursões no território colombiano e promovem assassinatos em massa de camponeses, sob a alegação de que eles são ligados à guerrilha. O braço armado da direita na Colômbia, com cerca de três mil paramilitares, com armas cedidas pelo exército colombiano e pelas Forças Armadas, executa pessoas; são grupos de extermínio que atuam freqüentemente no País. Como se pode, então, negociar a paz se o próprio Governo, que assumiu esse compromisso, faz vista grossa diante do extermínio de pessoas por grupos existentes no próprio País?

            Nesse sentido, os representantes das Farc nos trouxeram a sua proposta para que a paz seja alcançada na Colômbia. O texto diz o seguinte:

“Os caminhos para a paz com justiça social, caracterizada pela dignidade para os despossuídos, dependem da decisão e da capacidade de organização e luta dos diferentes setores afetados pela crise na Colômbia. O Estado, o Governo e o establishment devem assumir, sem vacilações, a autêntica solução para as graves e crescentes penúrias sofridas por cerca de 30 milhões de compatriotas colombianos.

Sem obedecer a essas premissas, os diálogos e a perspectiva da paz necessária para o desenvolvimento harmonioso da Colômbia não passarão de uma nova expectativa frustrada de evitar mais mortes, causadas pelo fogo cruzado entre a força pública do Estado e do povo em armas sob a liderança das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo - Farc-Ep.

Os diálogos desenvolvidos na zona de distensão, por intermédio das audiências públicas realizadas pelo Comitê Temático Nacional, com a vigorosa participação das mais variadas forças sociais, são o melhor cenário onde se evidenciam a interpretação e o clamor da tão ansiada paz expressada pela população comum.

Fica suficientemente claro que a paz não pode coexistir com desemprego, fome, miséria e tampouco com as flagrantes deficiências no sistema educacional, de saúde, habitação, agropecuária, energético, de transporte e de comunicação. Tudo isso é agravado pelas privatizações do modelo neoliberal e pela abertura econômica.

A paz para a Colômbia deve ser construída entre os colombianos, sem a ingerência de outros países, entendendo que o seu real triunfo e a sua essência estão em empreender a superação da crise em todos os níveis, solucionando os confrontos sociais, econômicos e políticos, liquidando, assim, as causas do enfrentamento armado.

Desconhecer essa particularidade da política colombiana ou conhecê-la e não proceder para a sua solução é outro equívoco histórico de imprevisíveis conseqüências para a classe governante. Pode custar mais caro o tratamento do que a própria doença. O critério de supor que, para combater a fome, o faminto deve morrer é inconcebível.

Os defensores partidários e beneficiários do regime governante, imposto pelos litigiosos governos de plantão dos partidos liberal e conservador, opõem-se à proposta de paz com justiça social das Farc-Ep, que se constitui em verdadeira esperança para os excluídos, marginalizados e atropelados.

Porém, Srªs e Srs. Senadores, o atual Presidente da Colômbia foi eleito sob a bandeira da construção da paz e com promessas de combate ao desemprego e melhoria das condições de vida do povo. O Governo colombiano está desacreditado e com amplo desgaste interno: não cooptou ou impôs uma paz dos cemitérios às forças guerrilheiras, não controlou o terrorismo paramilitar, mais da metade da população condena as suas contra-reformas, e a corrupção tomou conta do país.

Diante do avanço das forças revolucionárias na construção de uma alternativa política para a Colômbia e as sucessivas derrotas impostas ao Governo, os Estados Unidos preparam uma intervenção militar naquele país. É o imperialismo americano retomando sua face intervencionista na América Latina.

Com o aval do conservadorismo e da reação, Pastrana negocia o “Plano Colômbia” com os intervencionistas ao mesmo tempo em que faz demagogia e ameaças com seus discursos de paz. Já existem hoje mais de dois mil “assessores” norte-americanos preparando as bases da operação, incluindo os boinas-verdes. O “intercâmbio militar” vem incorporando pelotões de elite e mercenários. E o movimento interno de armamentos e tropas é intenso.

Do ponto de vista hegemônico, a contra-revolução concentra a sua disputa na legitimação da intervenção como sendo “mais uma atitude humanista e democrata”, agora abrigada na pele do combate ao narcotráfico, o qual é só a cortina de fumaça para garantir a internacionalização da guerra travada no solo colombiano e a senha para a radicalização contra as forças insurgentes.

Para isso, os Governos da Colômbia e dos Estados Unidos buscam apoio nos demais países latino-americanos, entre eles o Brasil. A exigência da colaboração feita pelos Estados Unidos aos países vizinhos e a permanente presença de altos funcionários do Estado e de dirigentes políticos dos Estados Unidos na região oficializam essa política.

No Brasil, o discurso oficial nega a intenção de participar da aventura militar intervencionista. E os instrumentos de disputa hegemônica repetem a cantilena antinarcotráfico. No entanto, a verdade é bem outra: o Governo e todos sabem que se trata de uma operação militar contra as forças guerrilheiras. E, por meio do Plano Cobra, prepara-se para fazer parte do cerco militar que querem impor aos combatentes: constituiu o “comando de gerenciamento da crise”, composto por representantes dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores, do Exército, da FAB, da Abin e da Polícia Federal, com base operacional na região. Mil seiscentos e quarenta quilômetros de fronteira estão sendo militarizados e monitorados por satélite. As Forças Armadas foram reequipadas, contingentes estão sendo transferidos e preparados para a guerra.

Por seu turno, as forças nacionais democráticas, populares e revolucionárias da Colômbia preparam a resistência e merecem solidariedade e apoio. O povo colombiano e suas forças de resistência cumprirão dever nacional e democrático em enfrentar o interventor imperialista e seus aliados. E os Governos dos Estados Unidos e de Pastrana são os responsáveis por todas as conseqüências da guerra que estão tramando.

As forças nacionais e democráticas brasileiras não podem ficar impassíveis enquanto o imperialismo americano quer impor seus interesses particularistas, passando por cima da soberania de um povo, ainda mais quando isso significa uma intervenção militar.

Nesse sentido, é preciso:

·     organizar o apoio político e a solidariedade ao povo colombiano e seus lutadores. No terreno nacional, é urgente a constituição de um movimento de solidariedade amplo que incorpore todos aqueles que queiram se colocar ao lado do povo agredido, independentemente de suas vinculações ou ideários políticos, tanto nacional como internacionalmente;

·     rechaçar a participação do Brasil na guerra;

·     denunciar o imperalismo; exigir o fim da intervenção norte-americana;

·     defender o direito de autodeterminação e o direito de rebelião dos povos oprimidos.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse tipo de intervenção nos traz muitas preocupações, conforme eu disse no início do meu pronunciamento. Lembremo-nos da guerra do Vietnã, que começou com uma pequena intervenção americana, e, aparentemente, uma potência militar, pois os Estados Unidos são a maior potência do mundo. Logo, eles conseguiriam derrotar o Vietnã em poucos meses de guerra. No entanto, a guerra durou mais de uma década, gerando um resultado desastroso para o imperialismo e para o povo americano, porque é o povo quem paga as conseqüências, já que os governantes entram e saem do poder. Além do custo econômico, pois foram gastos bilhões de dólares no sudeste asiático, a guerra do Vietnã custou a vida de 50 mil norte-americanos e resultou em mais de 100 mil mutilados de guerra. O povo do Vietnã sofreu as conseqüências, porque milhões de patriotas foram mortos na guerra, mas saíram vitoriosos, conseguiram libertar a sua pátria. O povo americano, no entanto, que não tinha nada a ver com o sudeste asiático, por decisão dos seus governantes envolveu-se numa guerra cujo resultado não foi o esperado. Nos Estados Unidos, até hoje existem mutilados de guerra que perambulam pelas ruas. E os comandantes das tropas americanas estimulavam o consumo de drogas para que os soldados pudessem enfrentar a selva asiática. O resultado foi o uso excessivo de drogas que gerou problemas psíquicos para muitos militares americanos. Os mutilados de guerra que perderam pernas e braços são párias americanos. A guerra provocou a morte de mais de 50 mil militares, além de ter gerado um custo altíssimo para o Tesouro americano.

           No caso da Colômbia, país que faz fronteira com o Brasil, não queremos que aquela situação volte a acontecer. Repito que existe o perigo de o conflito se alastrar por toda a Amazônia, inclusive em nosso território. E quem vai garantir que, lá nas escaramuças, as tropas americanas, os guerrilheiros e os narcotraficantes não entrem em nosso território? Portanto, um conflito que não parece ser tão grave, pois seria apenas um combate ao narcotráfico, poderá se transformar num conflito de grandes proporções. Aliás, o governo americano tem sido alertado por governantes de outros países e até pelo povo americano sobre a possibilidade de esse conflito tornar-se igual ao do Vietnã. Nos Estados Unidos, a Imprensa começa a falar sobre o assunto, porque o povo americano ainda tem na memória o desastre, a tragédia que foi a intervenção no Vietnã. 

           O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

           O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Gerado Cândido, é da maior importância a presença de V. Exª na tribuna. Fico contente que mais parlamentares estejam discutindo esta matéria. O que me deixa angustiado é verificar, de certa forma, a omissão do Brasil com o que está ocorrendo hoje. É verdade que foi uma coincidência, diria quase maldita, no mesmo dia em que estamos reunindo 12 representantes de países da América para lançarmos uma tese de entendimento e de diálogo, inclusive com a presença de países mais ligados ao Caribe, como o Suriname e a Guiana, num encontro que tem como objetivo traçar rumos de desenvolvimento, de progresso e de avanço, o Presidente americano esteja em Bogotá para iniciar essa operação. Nem sei se o Presidente colombiano virá à reunião no Brasil. Um lado é compreensível: é uma realidade o problema da droga no mundo e a Colômbia é uma grande produtora de droga. O tráfico, naquele país, organizou-se de forma fantástica, pois os traficantes não são apenas grandes produtores, são quase que organizações paramilitares organizadas para exportar droga para a Europa e, principalmente, para os Estados Unidos. E é absolutamente correto que essa situação invoque a preocupação dos Estados Unidos. No entanto, o americano tem que entender que a droga se desenvolve da maneira que se desenvolve na Colômbia porque há pessoas querendo plantar e ganhar dinheiro, mas há americano querendo comprar. Os dólares que estão rolando naquele país são os dólares americanos; o destinatário que está esperando nos Estados Unidos são as grandes gangues americanas que o governo não consegue controlar. Durante muitos anos, o governo americano lutou, esforçou-se para evitar a entrada da droga nos Estados Unidos, mas não obteve êxito. Então, como ele não consegue evitar o tráfico de drogas nos Estados Unidos, desenvolveu a tese de destruir as plantações, ou seja, ele quer transferir a luta do território americano para o território produtor - no caso da América Latina, na Colômbia, principalmente. Por outro lado, essa tese se une a uma outra. Há duas teses que se coincidem, mas cujos objetivos são diferentes. Há muito tempo há um interesse de fazer uma intervenção na Amazônia. Outro dia, o Presidente francês declarou, com todas as letras, que a soberania dos países na Amazônia deve ser relativa, não pode ser uma soberania absoluta, porque a Amazônia é importante demais, é séria demais e interessa ao mundo inteiro. Não é de hoje que eles discutem e debatem a possibilidade de transformar a Região Amazônica numa grande região como a Antártida, onde cada país tem um pedacinho para explorar, para desenvolver, para progredir e para avançar. Por outro lado, também não é de hoje que, aproveitando a fixação indígena nas terras que eles discutem, os americanos, utilizando-se inclusive de entidades não-governamentais, estão fazendo um esforço enorme para defender os indígenas latino-americanos. E isso é normal. O que não acho normal - nem em termos de Governo brasileiro - é querer fixar os índios em terra de fronteira. Quer dizer, fixem os ianomâmis onde bem entenderem, até no Rio Grande do Sul - o Brasil tem terra que não acaba mais -, mas fixar na fronteira com a Colômbia, na fronteira com a Venezuela, quando do lado de lá também há índio ianomâmi? Nesse caso já não se fala em fixar os índios ianomâmis do Brasil, nem os índios ianomâmis da Venezuela, nem os índios ianomâmis da Colômbia, mas em fixar a nação ianomâmi. Assim, no futuro, vão querer incrustar no meio da floresta amazônica a nação ianomâmi. No meio desse contexto, os americanos pedem aos governos latino-americanos para indicarem contingentes militares para irem à Colômbia, junto com os americanos, para intervir no narcotráfico. Nenhum país aceitou a proposta. A Organização dos Estados Americanos nem se reuniu para debater a matéria. Então o que eles fizeram? Resolveram agir por conta própria. O presidente americano está em final de governo, o seu candidato à Presidência deverá ganhar as eleições, o que ele faz? Ele vem aqui e imita o Presidente John Kennedy, que, algum tempo antes de deixar o governo, como quem não quer nada, lançou a operação invasão do Vietnã. O Senhor Presidente americano de hoje, com a maior tranqüilidade, chega à Colômbia e anuncia um plano bilionário. Nenhum problema social da América Latina - nem relacionado a crianças - recebeu essa ajuda. Falam em US$8 a US$10 bilhões para iniciar. Só o cheque que ele vai entregar hoje é US$1,8 bilhão, para iniciar uma operação contra não apenas os produtores de drogas, mas basicamente contra as entidades organizadas, hoje algumas delas já paramilitares. A situação é tão grave na Colômbia que existem determinados lugares em que quem manda são os guerrilheiros; eles dirigem, comandam, coordenam e, se não o governo americano permitir que, de espaços em espaços, grupos revoltados tivessem onde se fixar, seria uma guerra total, permanente. Isso está acontecendo. Em meio a isso tudo, vem o americano, manda dinheiro e tudo o mais vem atrás. Todos nós sabemos que, lá pelas tantas, quando o americano pedir e pagar para alguns países mandarem gente, eles vão mandar. E vai começar. Mas como é que vai terminar? Quando estive na Amazônia, um general extraordinário que a comandava nos mostrou o quartel antiguerrilha do Exército brasileiro, pessoas que têm que conhecer e conviver naquela região para garantir a segurança da Amazônia. É um trabalho fantástico! E o general nos contou a guerra e a luta que o americano queria fazer para tomar conta da escola. E, como não conseguiu, fez uma escola igual na Guiana. Igual! Perguntamos: o que o americano tem a ver com a Amazônia? Por que o americano vai fazer uma escola antiguerrilha para ensinar as pessoas a conviverem na Amazônia? Eles estão preparados. Agora, o que acontece é que isso não ficará na Colômbia. O primeiro embate que ocorrer, essa gente entrará para a floresta. Quando entrarem na floresta, não saberemos quando terminou a floresta da Colômbia e quando começou a do Brasil; quando começou a da Venezuela e quando terminou a do Peru. É uma floresta só! Então, estamos iniciando hoje uma operação que sabemos como começa: começa com uma reunião do Presidente americano com o Presidente colombiano a pretexto de receber um cheque de US$1,8 bilhão para o combate ao tóxico. Agora, como terminará? Não sei! Há diferenças em relação ao Vietnã. Os americanos discutem muito isso, dizem que estão apavorados que ocorra o mesmo que aconteceu no Vietnã, ou seja, o ex-Presidente Kennedy, à véspera de sair, mandou um grupo invadir, pensando que seria uma brincadeira, que duraria semanas e durou dez anos. Hoje, o negócio é mais moderno. Hoje, os americanos não têm tanta preocupação de que possam morrer 56 mil americanos, como morreram no Vietnã. É claro que eles não se interessam se morreram 500 mil, um milhão de vietnamitas. Esse é um cálculo que não lhes interessa. Mas 56 mil americanos morreram. Entretanto, hoje eles já têm um processo muito mais moderno: mandam as bombas, os projéteis, o que tiver que vir, mas não vem a vida americana. Quer dizer, eles imaginam que serão poucos os que morrerão, em face de sua tecnologia. Penso que temos um dia muito grave. Por coincidência, e é uma coincidência que eu não sei até que ponto não é boicote americano, hoje se reúnem aqui cerca de doze países querendo iniciar uma integração regional de todos os países tradicionais da América do Sul e mais alguns como a Guiana e o Suriname, que normalmente estão no Caribe e não vêm, agora participarão também desta reunião, para debaterem questões, projetos, propostas de interesses gerais para toda a Região Amazônica. Virá o Presidente da Colômbia? Ele dirá para o Presidente americano ficar lhe esperando enquanto ele vem e volta correndo de Brasília? Despedirá ele o Presidente americano mais cedo e chegará aqui mais tarde? Não sei! Sei que a coincidência é dolorosa. O que fará o Presidente americano com relação ao que está acontecendo aqui? Dirá alguma palavra? Falará alguma coisa? Falei anteriormente que estava satisfeito com o anúncio da imprensa no sentido de que o Presidente Antonio Carlos estaria presente na cerimônia de abertura e no banquete. E eu estranhava, Presidente Antonio Carlos, a notícia de que o Presidente da Comissão de Relações Exteriores tivesse ido ao Maranhão, afirmando que esse é um problema de V. Exª e não dele. Com todo o respeito, creio que o Presidente Sarney, por ser Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, por ser ex-Presidente da República, por conhecer a maioria das pessoas que veio à reunião, S. Exª deveria estar nessa reunião. Penso também que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional deveria estar reunida hoje, quando está havendo a reunião na Colômbia entre o Presidente americano e o Presidente colombiano. Tal reunião teria o objetivo de felicitar o Presidente Fernando Henrique pela iniciativa - um grande gesto, uma grande decisão e um grande trabalho - reunir os Presidentes sul-americanos para dialogar, para debater, para discutir, felicitá-los sim, mas lamentar que neste mesmo momento, como se fosse uma provocação, o Presidente Clinton esteja reunido com o Presidente colombiano. Assim como tenho a convicção de que o Presidente do Congresso brasileiro será uma voz que, dentro do que for possível, se lhe derem chance, dirá o pensamento deste Congresso, entendo que o Presidente Sarney, se não pode estar presente em virtude de compromissos fortes no Maranhão e no Amapá, poderia indicar um representante, por exemplo, o Senador Bernardo Cabral, aqui presente. Se dependesse de mim e fosse eu o Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, eu a teria convocado extraordinariamente e alguma coisa eu teria feito para que os Presidentes que estão aqui saibam o comportamento do Congresso brasileiro e manifestaríamos a nossa alegria em recebê-los e também a nossa mágoa com o que está acontecendo na Colômbia. Vejo que hoje é nosso dia de sorte. Nós, que já estávamos com saudade do Presidente Antonio Carlos - não sei se S. Exª está aproveitando este recesso para fazer campanha na Bahia, mas isso não é necessário -, porque S. Exª não estava presente, surpreendentemente, S. Exª chega de repente ao plenário para alegria nossa. Creio que S. Exª haverá de dizer algumas palavras. Acredito que confirmará que irá às duas reuniões, ao banquete e à reunião, e como íntimo amigo - é uma amizade tão interessante que a gente não sabe quem é o primeiro amigo e quem é o segundo amigo nem quem é o que exerce mais influência sobre o outro... No início, como participei do Governo em que Sarney era Presidente e Antonio Carlos era Ministro e eu Ministro, eu achava que era o Sarney. Hoje, sinceramente, acho que é Antonio Carlos -, com essa influência que ele tem, se ele puder influenciar ou que venha de lá o Presidente Sarney, que tome um avião e venha ou indique o Cabral para nos representar. V. Exª está abordando um assunto da maior importância, do maior significado. Peço desculpas pelo alongamento do meu aparte.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador. V. Exª é sempre uma grande palavra.

Concedo um aparte à Senadora Heloísa Helena.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Geraldo Cândido, quero parabenizá-lo pelo seu pronunciamento que, sem dúvida, reflete as aspirações, os sonhos, os desejos não apenas do povo colombiano, mas também do povo brasileiro. É evidente que o Presidente Bill Clinton não vai, em nome da paz, respaldar os esforços da guerrilha para solucionar os conflitos - como bem lembrou V. Exª. No entanto, se o Presidente norte-americano conta com o apoio de fracos e covardes dirigentes políticos no mundo todo, com certeza, não conta com o apoio do povo colombiano e do povo brasileiro também. Aliás, é de fundamental importância que as pessoas que assistem ao importante pronunciamento de V. Exª, neste momento - por meio da TV Senado ou da Rádio Senado -, comecem a tumultuar as caixas postais, os endereços de seus representantes nos Estados, do Congresso, do Presidente da República, no sentido de alertar para algo que é possível - não é um espaço inimaginável; é absolutamente possível. Não está por trás desse fato simplesmente a questão do narcotráfico. É uma mentira a discussão do narcotráfico. Discutir a questão das empresas e organizações que sustentam o narcotráfico e discutir a guerrilha sustentando o narcotráfico é muita hipocrisia. Quem tem avião para transportar a pasta-base da cocaína? Quem tem navio? Quem tem proteção da polícia, da política, da Justiça? Com certeza não são os guerrilheiros, com certeza, não são os pobres e favelados. Quem tem a proteção é a elite política e econômica do Brasil e dos outros países. Estes, sim, ganham muito com o narcotráfico e com a destruição de jovens, de famílias, de crianças em todo o mundo, em função do consumo de entorpecentes. Parabenizo V. Exª pelo pronunciamento e sugiro ao povo brasileiro que comece a tumultuar as caixas postais, os endereços eletrônicos dos dirigentes políticos deste País, no sentido de que possamos estabelecer logo um alerta. Tanto V. Exª como o Senador Pedro Simon abordaram nesta manhã uma possibilidade concreta na Colômbia, que temos que repudiar. Recebemos de braços abertos no Brasil os galeguinhos americanos que vêm para trabalhar e produzir; mas os galeguinhos de metralhadora, de fuzil e de tanque na Amazônia, não podemos aceitar. Espero que o povo brasileiro comece logo a tumultuar o Congresso Nacional, o Presidente da República, porque, senão, imediatamente, em nome do combate ao narcotráfico - porque sabemos que não é para combater o narcotráfico -, começarão a invadir a Amazônia, o que já querem fazer há muito tempo, que já faz parte do discurso de vários Parlamentos no mundo todo. Aí está a tal da soberania compartilhada, a soberania limitada em relação à Amazônia. Portanto, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Muito obrigado, Senadora Heloisa Helena.

O SR. PRESIDENTE (Henrique Loyola) - A Presidência alerta ao nobre orador que o seu tempo já está esgotado.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Vou concluir, Sr. Presidente.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador Geraldo Cândido, se a Mesa e V. Exª permitirem, gostaria de um aparte ...

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Mas a Mesa já comunicou que o meu tempo já está esgotado, Senador.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Mas tenho que fazer uma retificação da maior importância.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Pois não.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Estou informado que Senador José Sarney encontra-se na Casa. Ainda não viajou. E como a notícia que li no jornal pode estar equivocada, ou o Senador talvez tenha mudado de posição, faço um apelo ao Presidente Antonio Carlos Magalhães para que converse com S. Exª no sentido que aceite o convite e vá ao jantar e à reunião representando o Congresso brasileiro. Outra retificação que preciso fazer é que o Presidente americano esteve ontem na Colômbia. Então, o Presidente colombiano estará chegando ao Brasil ainda hoje.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Vou concluir, Sr. Presidente, já que meu tempo está esgotado, apesar de o aparte do Senador Pedro Simon ter usado mais tempo do que eu próprio.

As minhas preocupações com relação à Colômbia concentram-se na ocupação militar que poderá chegar ao nosso território. O Governo norte-americano diz que combaterá a plantação de coca usando um desfolhante químico, o que trará um outro problema muito grave: o impacto ambiental. Imaginem a destruição de uma área enorme por desfolhante químico! Será destruída toda a vegetação local! E a recuperação se dará a longo prazo, tal qual ocorreu no Vietnã.

Registro a nossa preocupação e faço um apelo para que todos os Deputados e Senadores estejam atentos ao assunto, que é de enorme gravidade, para evitar que o Brasil entre, de alguma forma, nessa intervenção. O Brasil deve permanecer fora e ainda mostrar o seu repúdio a esse tipo de intervenção militar. A ameaça que fazem ao nosso território e à nossa soberania deve receber resposta de nosso Ministro das Relações Exteriores, que não deve apenas dizer que não vamos participar, mas que somos contra qualquer tipo de intervenção militar, baseados na autodeterminação dos povos da América. Esta, sim, deve ser a posição de nosso Governo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2000 - Página 17625