Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Entrega ao Itamaraty de propostas do Grupo de Trabalho do Fórum de São Paulo sobre a preservação da paz na Colômbia. Comentários à participação das mulheres na política nacional.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. FEMINISMO.:
  • Entrega ao Itamaraty de propostas do Grupo de Trabalho do Fórum de São Paulo sobre a preservação da paz na Colômbia. Comentários à participação das mulheres na política nacional.
Aparteantes
Geraldo Cândido, Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2000 - Página 17633
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. FEMINISMO.
Indexação
  • ANUNCIO, ENTREGA, ITAMARATI (MRE), DOCUMENTO, GRUPO DE TRABALHO, PARTICIPAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PROPOSTA, BENEFICIO, PAZ, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, OPOSIÇÃO, INTERVENÇÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • APOIO, DISCURSO, JEFFERSON PERES, SENADOR, CRITICA, DIFAMAÇÃO, JORNALISTA, VITIMA, HOMICIDIO, COMENTARIO, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO, MULHER.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, o Grupo de Trabalho do Fórum de São Paulo, que conta com a participação permanente do Partido dos Trabalhadores, e os Senadores que queiram participar, inclusive os do meu Partido, entregarão ao Itamaraty propostas objetivando uma decisão favorável em prol de uma paz justa e duradoura na Colômbia. Pretende-se, com isso, que essas propostas cheguem aos Presidentes dos países da América do Sul e, assim, busque-se uma convergência política com as organizações sociais populares e as de esquerda; rechacem-se energicamente o Plano Colômbia e a ingerência norte-americana nos assuntos internos daquele país, e que, portanto, apóiem-se os diálogos estabelecidos entre o Governo da Colômbia e os grupos guerrilheiros, que buscam uma saída diferente da guerra para o conflito social e armado na Colômbia.

Sr. Presidente, tive a oportunidade de apartear o Senador Jefferson Péres que, mais uma vez, muito nos alegrou no início da manhã ao fazer um protesto contra a campanha de difamação da jornalista Sandra pelo seu assassino. Quero aproveitar para conversar um pouco sobre algumas experiências que temos observado no Brasil quanto à participação das mulheres na disputa pelas instâncias de Poder e de decisão política. Tem sido vergonhosa, deplorável e abominável a forma medíocre, despolitizada e desqualificada como alguns homens insignificantes, pequenininhos, de alma pequena, incapazes de amar e ser amados, agem contra as mulheres que participam dessa disputa.

Sempre digo que tive, realmente, muita sorte na vida por ter nascido mulher, o que já é algo maravilhoso, e num Estado também maravilhoso como Alagoas, extremamente conservador, conhecido nacionalmente como sinônimo de corrupção e crime organizado, mas que me possibilitou conhecer a história de luta, persistência e perseverança de muitas mulheres.

Ouvíamos a história de Dandara, uma guerreira, juntamente com Akotirene, mãe de Zumbi e uma das criadoras do Quilombo dos Palmares.

Dandara sempre esteve presente no nosso imaginário de crianças filhas da pobreza de Alagoas. Quando os capitães do mato capturavam os escravos negros fugitivos, ou até mesmo os brancos que, diante da exploração e humilhação, se associavam aos negros guerreiros dos quilombos, arrancavam-lhes as orelhas e faziam colares, como se isso fosse um exemplo, não de covardia, porque não pensavam naquilo como tal. Nesse ponto, surgia a interessante história, que, como disse, percorria o nosso imaginário infantil, da negra Dandara e de suas companheiras, as quais, olhando para aqueles homens com seus colares de orelhas humanas decepadas, lançavam-lhes o seu olhar de pantera negra, atacavam-nos e lutavam bravamente, com o pouco que tinham, até a morte.

Também tive a oportunidade de conhecer uma mulher muito interessante, sobre a qual volto a falar aqui, quando eu achava que era muito corajosa por enfrentar o crime organizado no meu Estado. Dona Maria do Carmo é uma mulher bem pequenininha, como se diz no interior, só couro e osso, magrela, pobre, que nunca escutou falar de movimento sindical, de Marx ou de Lênin. Ela teve o filho assassinado numa disputa trabalhista com usineiros, foi arrancada da sua própria casa pelos cabelos, arrastada por toda uma estrada e ficou com as costas em carne viva. No entanto, essa mulher - uma guerreira, uma lutadora do povo -, foi sozinha à Justiça do Trabalho de Maceió fazer sua denúncia, sem levar consigo qualquer organização política ou advogado. Olhando para aquela mulher magrela, pequenininha, pobre, percebi que ela era um exemplo gigantesco de coragem.

Além disso, fui criada por uma mulher maravilhosa, Dona Helena, minha mãe. Analfabeta, ela nos ensinou muito. Com ela aprendemos que deveríamos ser muito humildes, mas que precisávamos trazer um Davi dentro de nós mesmos, para derrubarmos um gigante todos os dias.

No sertão, ela nos ensinava a conhecer as flores, como a flor da quixabeira, minúscula, branquinha, que quase não se vê, mas que inunda o ar com o seu perfume. É uma coisa linda! Conhecíamos, também, todas as flores de cactos. Uma delas, do cacto mais feinho, daquele para o qual não se dá coisa alguma, é linda, branca e imensa, como um lírio livre e selvagem. Durante a madrugada, período em que íamos para a serra, ela exala um perfume maravilhoso e, por isso, todos gostávamos de sair naquele horário para senti-lo. Quando vejo a floração do ipê amarelo em Brasília, lembro-me de que ficávamos deitados com minha mãe embaixo da craibeira do sertão, que é da mesma família da tabebuia, vendo as florezinhas caírem sobre nós, como uma chuva suave de flores amarelas.

Realmente, Dona Helena nos ensinou muito. Analfabeta, ensinou-nos a gostar dos livros.

E eu tive sorte, também, porque Palmeira dos Índios é a cidade de Graciliano Ramos. Eu era tão asmática que não conseguia chegar até sua casa, mas meu irmão Hélio - que, todos os anos, ganhava o diploma de maior freqüentador da Biblioteca Graciliano Ramos - pegava livros para mim e para ele próprio.

Exatamente por isso, diante das mulheres que constróem este País, acredito ser inadmissível essa campanha covarde de difamação feita não apenas contra a jornalista Sandra, mas contra milhares de outras mulheres. Tive a oportunidade de acompanhar, nesta campanha eleitoral, companheiros homens, apoiando-os, porque não voto em uma mulher simplesmente por ela ter um aparelho reprodutor, um útero, como eu tenho; voto em uma mulher se ela significar um sonho, a construção de uma sociedade justa, igualitária e fraterna. Se for uma mulher para reproduzir esse modelo covarde, perverso, injusto, eu não votaria nela. Mas é inadmissível o que temos visto em alguns lugares: uma campanha maldita, desqualificada, despolitizada - volto a repetir -, certamente viabilizadas por homens covardes, talvez enrustidos, mas homens de almas pequenas, incapazes de amar e serem amados, que usam a velha tática dessa sociedade machista. É a velha tática: se for uma mulher mansinha e domesticada, ninguém faz nada contra ela; no entanto, se for uma mulher senhora de seu próprio destino, que enfrente alguém, que queira participar, como a vida impõe e permite, das instâncias de decisão de poder e de decisão política, imediatamente ela é qualificada, ou com aquele nome pejorativo e chulo das mulheres que amam diferente do velho livrinho falso moralista, que ousa estabelecer uma única forma de amar, ou ela é imediatamente desqualificada com aquele termo chulo, pejorativo das mulheres que vendem o corpo, muitas vezes, para comprar alimentos para os filhos em casa.

Deixo aqui registrado o meu repúdio a esse tipo de sociedade desqualificada. Mas, deixo as minhas homenagens aos homens deste País que sabem que só podem construir uma sociedade justa, igualitária, fraterna e solidária se estiverem lado a lado, de mãos dadas, com a maioria da população brasileira, que são as mulheres. Somos a maioria da população! Somos pequeninas ainda no percentual, na participação das instâncias de decisão política, mas é inadmissível esse tipo de comportamento que vem ocorrendo, as diversas formas de violência, quer seja aquela a que já me referi hoje, pela manhã, em aparte ao Senador Jefferson Péres, quer seja a que ocorre na própria casa, aquela violência que marca não apenas o nosso corpo mas também a nossa alma e a nossa dignidade. Milhares de mulheres em nosso País são violentadas por seus pais, maridos, namorados, tios e companheiros. Além disso, milhares de outras mulheres espalhadas por este País são vítimas da difamação e da agressão moral praticadas por homens que não são homens e, sim, pequenos seres biológicos, sujos, nojentos, que nem deveriam constar em alguma classificação genética.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - V. Exª me permite um aparte, Senadora Heloísa Helena?

A SRª HELOISA HELENA (Bloco/PT - AL) - Com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª, Senador Geraldo Cândido.

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT - RJ) - Congratulo-me com V. Exª por seu pronunciamento e solidarizo-me com V. Exª e com todas as mulheres do nosso País que sofrem diariamente com a discriminação, com o machismo que impera de Norte a Sul em nossa sociedade. A nossa sociedade ainda é muito patriarcal e machista. Diariamente, presenciamos o que ocorre com as mulheres, em que muitas são assassinadas de forma brutal e covarde. Esse comportamento é fruto da concepção de que os homens são os donos da sociedade, detentores do poder, e muitas vezes ficam impunes, mesmo cometendo os crimes mais absurdos que podemos imaginar. V. Exª falou de várias mulheres que cumpriram papéis muito importantes em nossa sociedade. É verdade, há muitas heroínas anônimas de que a sociedade não toma conhecimento, mas que cumpriram em épocas anteriores e cumprem atualmente o seu papel na sociedade. Refiro-me principalmente às donas de casa, às camponesas, às mulheres que lutam para criar os seus filhos, com a maior dificuldade, às operárias que cumprem dupla jornada de trabalho: trabalham na fábrica o dia todo, chegam em casa e ainda têm de preparar a comida, lavar as louças, lavar as roupas e cuidar dos filhos. Trata-se de uma luta terrível, muito difícil. Portanto, solidarizo-me com V. Exª e com todas as mulheres do Brasil. Espero que as mulheres realmente sejam reconhecidas como parte importante da sociedade e não apenas por gerarem a vida - digo isso porque devo a vida à minha mãe, sou casado com uma grande mulher e sou pai de uma mulher; portanto sou solidário com as mulheres. Meus parabéns a V. Exª.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Senador Geraldo Cândido, agradeço a V. Exª o aparte.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª me permite um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Ouço com prazer V. Exª, nossa querida companheira.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT - AC) - Cumprimento V. Exª pelo pronunciamento. Fiquei igualmente emocionada ao ver V. Exª rememorar as mulheres valentes que conheceu, particularmente citando o exemplo de sua mãe. V. Exª também fez referência a uma planta que, embora feia e espinhosa, dá a mais bela flor. Talvez isso tenha muito a ver com o que acontece com a realidade vivenciada pelas mulheres. Estamos saindo de uma situação em que éramos consideradas incapazes, tratadas como seres sem rosto, sem fala, sem vontade, e isso num período de tempo muito curto. É muito difícil sair de milhares de anos de dominação, de uma forma de pensar, de agir e sentir para partilhar de uma outra forma que se coloca legitimamente, não para disputar mas para complementar a forma de os seres humanos olharem, pensarem e sentirem o mundo: a forma feminina. Talvez de toda essa dor nasça a flor bonita do cacto a que V. Exª se referiu como sendo uma planta feia. Qual é a falta de beleza de tudo isso? É a dor, a discriminação, o sofrimento causado, a chaga humana que se produz de uma visão torta da Humanidade: a visão puramente masculina. A flor que pode brotar de tudo isso é a compreensão de que para nos completarmos precisamos das duas formas, não como um somatório, mas como uma interação entre elas. Penso que nós, mulheres, estamos dando essa grande contribuição. Quando penso que todo o processo de construção da Humanidade foi em cima do princípio da disputa do homem consigo mesmo ou do homem com a natureza, no sentido de dominá-la e domá-la, nós entramos com o nosso jeito e, em vez de desqualificar e disputar, preferimos convencer as pessoas. Isso porque é melhor ser convencido do que ser obrigado a fazer algo. Penso que as mulheres estão dando essa contribuição. Lamentavelmente, aqueles que não conseguem nos convencer muitas vezes tentam fazê-lo a pulso e, quando não conseguem, eliminam a nossa própria vida. Mas isso não significa eliminar a vida física de uma mulher e, sim, eliminar também a esperança de que possamos viver num mundo onde não tenhamos que ser intolerantes ou tolerantes, mas onde possamos aceitar as diferenças, mesmo que nos causem algum tipo de dor. Precisamos combater essas diferenças sem querermos eliminá-las. Isso se manifesta em todas as dimensões da nossa vida, inclusive no ato de gostarmos ou não de determinada pessoa. É claro que é doente a mentalidade que elimina aquele que, por alguma razão, quer fugir do seu opressor. Parabenizo V. Exª pelo seu pronunciamento. Concordo inteiramente com o que está sendo dito. Como mulher, fico feliz de que em tão pouco tempo possamos estar contribuindo tanto com a Humanidade no sentido de produzirmos outro olhar sobre o Universo.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço muito a V. Exª pelo seu aparte, Senadora Marina. Esta é uma homenagem que faço hoje a V. Exª e a tantas outras companheiras nossas espalhadas por este País e que também já foram vítimas de atitudes covardes. Portanto, a minha homenagem a todas as mulheres: às Sandras, às Marias, às Dorcelinas, às Edmas, às Joanas, às Patrícias, às Severinas, às Susanas, às Lúcias, enfim, às mulheres e meninas guerrilheiras da Colômbia, às mulheres lutadoras por um Brasil melhor. A nossa homenagem a todas as mulheres que, massacradas no cotidiano doméstico ou desbravando caminhos no mundo, continuam firmes, senhoras dos seus próprios destinos, com suas almas libertárias e seus corações pulsando de coragem, solidariedade e esperança.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2000 - Página 17633