Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a violação dos direitos humanos na Colômbia.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a violação dos direitos humanos na Colômbia.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2000 - Página 17636
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • DEFESA, CONTRIBUIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, GOVERNO BRASILEIRO, POLITICA EXTERNA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, GUERRILHA, TRAFICO, DROGA, VITIMA, POPULAÇÃO RURAL, RISCOS, INTERVENÇÃO, SOBERANIA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, PERDA, SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO, PROBLEMA, PROXIMIDADE.
  • EXPECTATIVA, REUNIÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), CHEFE DE ESTADO, AMERICA DO SUL, DEFESA, APOIO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, AMBITO, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, PROTEÇÃO, FRONTEIRA, EXERCICIO, LIDERANÇA, BRASIL.
  • ANUNCIO, ENTREGA, ITAMARATI (MRE), DOCUMENTO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, REUNIÃO, PRESIDENTE, AMERICA LATINA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, estamos todos acompanhando com preocupação os episódios lamentáveis que vêm ocorrendo na Colômbia, particularmente no que concerne à violação dos Direitos Humanos. Creio que o Congresso Nacional tem que buscar dar a sua parcela de contribuição, sob pena de também fazermos a “política do avestruz”, que, sinto, está sendo praticada pelo Governo brasileiro, lamentavelmente, diante de um problema que nos afeta, tanto diretamente - sofreremos todas as conseqüências, por se tratar de um país fronteiriço -, como pelo fato de que a tragédia humana que ali ocorre deva ser motivo de preocupação por qualquer ser que tenha compromisso com a defesa dos Direitos Humanos, que tenha compromisso com as condições de degradação social a que estão submetidas milhares e milhares de pessoas em condições completamente condenáveis.

Hoje, queremos abordar rapidamente essa questão, porque consideramos de extrema importância estarmos aqui, talvez, tomando algumas iniciativas, no sentido de contribuirmos com um problema que não é fácil de resolver, mas que, ao mesmo tempo, não nos dá o direito de ficarmos omissos a ele, porque, dessa forma, estaremos também contribuindo para que esses acontecimentos perdurem, como está ocorrendo na Colômbia.

E antes de pensarmos nos problemas que estão afetando à Colômbia - a guerrilha; a contraguerrilha, que é feita tanto pelos militares como pelos paramilitares; o problema do narcotráfico; o massacre dos camponeses, que são vítimas de todos os demais, tanto são vítimas da guerrilha, de certa forma, como são vítimas dos militares, dos paramilitares e dos narcotraficantes - temos que pensar nas pessoas vítimas da ordem e da contra-ordem que são dadas. Como isso ocorre? Cada grupo tenta utilizar essas pessoas como massa descartável para a realização instrumentalista dos seus objetivos. Qualquer um lança mão do seu apoio e qualquer um pode mudá-lo. Assim, paga-se o preço por não satisfazerem o grupo que se sinta ferido em seus interesses. É como se os guerrilheiros lhes pedissem para colaborar em uma determinada operação; do contrário, aconteceria algum dano ou mesmo seriam mortos. Desta forma, alguém tenta ajudar. Por outro lado, chegam os contraguerrilheiros e exigem que eles façam algo contra aqueles, senão haverá mortes. E o mesmo acontece com os narcotraficantes que solicitam deles atitudes contrárias àqueles dois grupos. Então, as possibilidades de desgraças são muitas para aqueles que estão completamente à deriva e em uma situação de aviltamento e completo abandono de suas condições de sobrevivência e dignidade. Antes de pensarmos nesses problemas como de proteção militar às fronteiras - proteção esta que não pode ser negligenciada -, teremos de pensar neste problema, também, do ponto de vista da violação dos direitos humanos. E isso ocorre tão profundamente que poderíamos dizer até que hoje vivemos um problema semelhante ao que acontece com as vítimas da África. Portanto, acompanhamos todos os problemas que acontecem naquele continente e temos a oportunidade de lidar com esse mesmo drama humano, quase que na mesma dimensão, no território colombiano.

Do ponto de vista desses acontecimentos, uma coisa nos deve chamar a atenção para a prática política, como falei anteriormente, de fazermos como o avestruz, fazer de conta que o problema não está acontecendo. Mas ele está acontecendo e poderão advir conseqüências muito graves, provenientes das pessoas que, necessariamente, em função dessa pressão, sairão obrigatoriamente dos seus territórios, havendo um processo de migração em massa para os países fronteiriços inclusive no caso do Brasil. E, aí, com certeza, a política do avestruz em nada contribuiu para a resolução desses problemas.

Então, se, por um lado, essa situação pode ser pensada como sendo elemento para a criação de uma barreira militar, uma espécie de um isolamento sanitário, onde ninguém poderia passar - isso até é possível -, mas, ao mesmo tempo, há outros problemas que não podem ficar isolados como os problemas ambientais, por exemplo. Mesmo que criemos uma barreira militar, um isolamento sanitário dos problemas que acontecem na Colômbia, alguns deles de caráter ambiental nos afetariam independentemente dessa barreira. Agora, essa barreira de proteção sanitária estaria altamente incoerente com os nossos princípios de defesa dos direitos humanos, porque não podemos nos conformar em ficarmos alheios ao que está acontecendo do outro lado com milhares e milhares de pessoas que estão sendo aviltadas em sua dignidade.

Imaginamos que, em muito momentos - e aí a comunicação em tempo real tem contribuído muito para isso -, vivemos uma espécie de hipocrisia da globalização no mundo tecnológico, que é o fato de nos indignarmos, revoltarmos, buscarmos saídas para aqueles problemas que estão bem distantes de nós.

Quem acompanha o problema da fome na África sente-se completamente indignado, sente-se enternecido com a imagem de uma criança faminta ou com fotografias de pessoas morrendo de fome. Sentimo-nos indignados e enternecidos, ao mesmo tempo, quando observamos essas cenas.

A comunicação em tempo real possibilita-nos, coloca dentro da nossa casa, essas imagens vindas da África, mas esse enternecimento não acontece quando encontramos as mesmas crianças nas favelas do Brasil ou quando encontramos as mesmas crianças no Nordeste - que a Senadora Heloísa Helena tanto conhece - durante os períodos de seca. E aí preocupar-se com aquilo que está distante parece que, de alguma forma, nos alivia da sensação de que estamos nos tornando alheios ao drama humano, de que estamos nos tornando indiferentes à tragédia humana.

Afinal de contas, pensamos: “se eu estivesse lá daria uma ajuda a essas crianças, como eu gostaria de dar um prato de comida”. Alguns de nós até fazem chantagem com os filhos dizendo o seguinte: “você viu aquela criancinha que está com fome? Você poderia comer sua comida, porque aquele lá está com fome”. Só que não somos capazes de perceber o que acontece perto, somos capazes de pensar o problema do Kosovo e imaginar que aquilo foi uma situação dramática de desrespeito aos direitos humanos, de completo abandono dos valores que poderiam estar, digamos, dando suporte para que as diferenças, embora existentes, pudessem se manifestar. Ficamos indignados com tudo aquilo.

No entanto, a mesma indignação não acontece quando, bem ao nosso lado, aqui, à biqueira de nossa casa, vemos os camponeses colombianos sendo completamente dizimados. Talvez pensar que, a distância, os problemas, os dramas que estão sendo vividos por aqueles que estão sendo eliminados, oprimidos, massacrados, nos enternece, nos leva a uma situação de indignação. Mas, quando esse problema chega próximo da nossa existência, essa nossa hipocrisia de tratarmos o que está distante com o máximo de atenção, com o máximo de carinho, e o que está perto, com indiferença, desmascara toda essa nossa suposta boa intenção em criticarmos os dramas “alheios”, porque, se são dramas humanos, não são alheios, são de todos nós. Então, a comunicação em tempo real possibilita essa hipocrisia de importar-se com o que está distante e ser indiferente com o que está próximo.

É só verificarmos também a questão da ocupação ou da devastação do meio ambiente na Amazônia. O mundo desenvolvido, com justa razão, e todos nós, que temos preocupações ambientais, nos preocupamos. São 13 milhões de quilômetros quadrados que foram devastados e queimados conforme os últimos dados apresentados pelo Inpe. Qualquer um fica indignado com relação a esses dados, principalmente se ele estiver num país desenvolvido. Mas a mesma indignação e o mesmo compromisso não acontece quando se pensa que existem determinadas nações - e a mais importante de todas elas são os Estados Unidos - que fazem uma emissão desenfreada de dióxido de carbono, causando problemas ambientais tão graves quanto a devastação da Amazônia. Não há a mesma indignação.

E nós, aqui, até podemos também nos indignar com o que está acontecendo lá, mas somos indiferentes quando as florestas estão ruindo para poder atender aos interesses econômicos de meia dúzia, insensíveis à preservação do meio ambiente.

É só também observarmos outros aspectos, como o caso da corrupção na Itália. Quantos de nós não acompanhávamos as denúncias de corrupção na Itália, com o envolvimento de autoridades, principalmente as judiciais, com a Máfia italiana, e ficávamos completamente estarrecidos com aquelas chagas sendo postas para fora. No entanto, no nosso Brasil, na biqueira da nossa casa, na nossa pequena prefeitura, ali, do nosso lado, acontecem os mesmos problemas, e aí tudo bem: afinal de contas, ele rouba, mas faz.

A comunicação em tempo real criou mais uma forma de hipocrisia, e, embora eu esteja falando da Colômbia, quero dizer que não podemos, em hipótese alguma, ser indiferentes ao que está acontecendo ali com aquele país irmão. Aliás, se pensarmos no problema da violência, ali não vamos achar apenas o narcotráfico como sendo o elemento causador; vamos encontrar toda uma situação complexa, onde o narcotráfico tem uma importância significativa, mas ele, inclusive, é funcional a determinados interesses políticos, porque é por meio do combate ao narcotráfico que chega dinheiro para o combate à guerrilha, e esse dinheiro também é empregado para esse combate à guerrilha, muito embora tenha vindo do narcotráfico. Há o apoio às Forças Militares instituídas e há o apoio de recursos para as Forças Paramilitares, que também são causadoras de violência.

Nesse sentido, a política correta que devemos construir deve ser primeiro fruto de uma discussão entre os países irmãos para que a Colômbia não venha a ficar isolada, ao mesmo tempo em que, na reunião, que irá acontecer nos dias 31 e 1º, haja uma posição bem clara referente a essa problemática, para que não fiquemos omissos a algo que é tão importante para a defesa dos direitos humanos, e principalmente porque essa questão da segurança humana não está isolada. Existem outros problemas que poderão nos afetar, mesmo que fôssemos capazes de controlar toda a situação, criando um cinturão militar, que não permitisse qualquer entrada dos problemas colombianos e das populações que buscariam refugio no Brasil.

De sorte que imagino da seguinte forma: o Congresso não pode se ausentar da discussão da ação política sobre o caso da Colômbia. Os Parlamentares devem ir além de pronunciamentos, criando interlocução objetiva com o Governo brasileiro. Para isso, é fundamental alguns aspectos: primeiro, que sejam oferecidas sugestões ao Governo. Podemos fazer uma discussão envolvendo os Deputados Federais e os Senadores por meio de nossas Comissões de Direitos Humanos, de Relações Exteriores, no sentido de apresentarmos sugestões ao Governo; e, a partir daí, possamos colaborar para que o País leve aos demais uma proposta de trato mais amplo da questão. Segundo, abrindo um espaço para que a sociedade brasileira tenha as informações pertinentes e, por meio de suas entidades organizadas, cientistas e políticos e outros especialistas participem dessa discussão, que é vital para o futuro do Continente, sob pena de criarmos uma situação semelhante à que já existe no Continente Africano.

Não devemos continuar com a hipocrisia da comunicação em tempo real, onde se assiste ao que está distante, com o desejo de ajudar, mas não se faz, porque se está distante; e se assiste o que está perto, alheio, porque não quer se comprometer, pois está perto. Existe um poeta que apresentou uma boa justificativa para isso. Seu nome é Sam Keen, que diz o seguinte:

A Cara de um inimigo.

Para criar um inimigo.

Comece com uma tela em branco

e delineie, num contorno geral, as formas

de homens, mulheres e crianças.

Mergulhe fundo no poço inconsciente de

Sua própria sombra reprimida

Com um pincel largo e

Salpique os estranhos com o matiz sinistro da sombra.

Trace sobre o rosto do inimigo

A avidez, o ódio e a negligência que você não ousa

Assumir como seus.

Obscureça a doce individualidade de cada rosto.

Apague todos os traços de mil amores, esperanças e

Medos que brincam pelo caleidoscópio de

Cada coração finito.

Retorça o sorriso até que ele forme um arco

descendente de crueldade.

Arranque a carne dos ossos até que só reste

O esqueleto abstrato da morte.

Exagere as feições para que o homem se metamorfoseie

em besta, verme, inseto.

Preencha o fundo com figuras malignas

De antigos sonhos - diabos,

Demônios e guerreiros do mal.

Quando a sua estátua do inimigo estiver completa

você será capaz de matar, sem sentir culpa,

trucidar, sem sentir vergonha.

A coisa que você destrói tornou-se apenas

um inimigo de Deus, um estorvo

à sagrada dialética da História.”

Sr. Presidente, Srs. Senadores, dessa forma, se justificariam todas as ações que se pode fazer para a construção de um inimigo. Lamentavelmente, estamos vivendo numa sociedade, numa civilização doente, que se preocupa mais em dar contorno àquilo que nos possa ver uns aos outros como inimigos do que em enfatizar aquelas qualidades que nos possam fazer ter uma relação de paz.

Acredito que essa tragédia da Colômbia e tantas outras que já acompanhamos e estamos acompanhando devem nos ensinar que precisamos de uma tomada de posição cuidadosa, que não vise à disputa política pela disputa política, mas que tenha o propósito verdadeiro de resolver o problema. Não se trata de apostarmos em quem sai na frente com a melhor idéia, de quem apresenta a melhor jogada para, aproveitando-se da situação, ter algum tipo de retorno dessa desgraça humana que acontece na Colômbia; trata-se de entrarmos no mérito da questão, mesmo diante das dificuldades existentes e sabendo que a resolução do problema não se dará por vias fáceis. E acredito que o princípio da busca da resolução do problema já é, em si, um primeiro passo, enquanto a omissão é agravar a situação, porque ela requer tratamento de urgência.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como País que tem posição de liderança junto aos demais do continente, precisamos assumir essa liderança, não com arrogância nem com prepotência, mas essa definição precisa acontecer, porque o Brasil, claramente, está numa política de enfiar a cabeça na areia e com isso talvez esteja agravando um problema para o qual, no futuro, poderá não saber as respostas ou não ter meios para oferecer essas respostas.

Sr. Presidente, daqui a pouco estaremos protocolando junto ao Itamaraty uma iniciativa do Partido dos Trabalhadores, que encaminha sugestões à reunião dos governantes latino-americanos que acontecerá hoje, dia 31 de agosto, e amanhã, 1º de setembro. E espero que o Congresso Nacional, por intermédio dos foros que ele mesmo pode criar, esteja contribuindo com o Governo para que entremos nesse debate com o firme propósito de colaborar com a construção de uma saída para algo dramático, tanto do ponto de vista do sofrimento humano quanto do retrocesso que representa para as relações sociais.

Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2000 - Página 17636