Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Posicionamento contrário à aprovação da denominada Lei da Mordaça.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Posicionamento contrário à aprovação da denominada Lei da Mordaça.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2000 - Página 17639
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, PROPOSTA, GOVERNO, IMPEDIMENTO, DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÕES, INVESTIGAÇÃO, PROCESSO PENAL, COMPROMETIMENTO, DEMOCRACIA, ATENTADO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, PROTEÇÃO, INFRATOR, CRIMINOSO.
  • CRITICA, ESFORÇO, OBJETIVO, GOVERNO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, IMPEDIMENTO, MANIFESTAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, RESTABELECIMENTO, CENSURA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, devo usar da palavra para tratar de um assunto grave e que preferia ver esquecido. Um chefe de governo que se vangloria de ter lutado contra o regime militar pelo direito de opinião e de expressão, o nosso atual Presidente da República, renega tudo aquilo por que diz que pelejou, para usar os mesmos instrumentos de cerceamento da liberdade de expressão. E demonstra, assim, que renega os princípios que ele mesmo ajudou a inserir em nossa Carta Magna de 1988.

Pois diz o inciso IV do art. 5º da nossa Lei Maior: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Também está previsto no art. 220 da Constituição Federal que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. E, no § 1º do mesmo artigo, que “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de informação social”.

O Governo não conseguiu aprovar dispositivo da Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2000 (nº 96, de 1992, na Câmara dos Deputados) que “introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário”, na Casa de origem, no que se refere à proibição de divulgar e de opinar dos membros do Ministério Público e do Poder Judiciário. Agora, ensaia, por meio de duas proposições infraconstitucionais, o PLC nº 65/99 (nº 2.961/97, na Câmara dos Deputados, encaminhado pelo Poder Executivo) e o PLS nº 536/99, de autoria do Senador Jorge Bornhausen, atingir os mesmos objetivos que se propunha na PEC.

O Relator do projeto do Executivo na CCJ da Câmara, foi o Deputado Antônio Carlos Biscaia. Como Procurador no Estado do Rio de Janeiro, foi ele que conseguiu a condenação dos 14 maiores banqueiros do jogo de bicho. À época da votação na CCJ, fez um veemente protesto, ameaçando entrar com ação direta de inconstitucionalidade se o projeto fosse aprovado em plenário.

Os que defendem a aprovação de lei com caráter restritivo levantam o caso da Escola Base, de São Paulo, que afetou duramente a vida de pessoas cuja culpa não foi comprovada, mas deixam de mencionar, propositadamente, os casos da “máfia dos fiscais” de São Paulo, o impeachment do ex-Presidente Collor, e a CPI do Narcotráfico, fatos nos quais não apenas a atuação dos procuradores, mas também a dos meios de comunicação foram decisivos para se atingirem os expressivos resultados a que se chegou em cada um dos casos.

Quero dizer aos nobres Colegas que não podemos renegar princípios tão evidentes estabelecidos pelo Poder Constituinte originário, para atender a interesses que vêm sendo defendidos, utilizando-se argumentos como o resguardo ao direito de sigilo sobre informações que deveriam ser consideradas pessoais, mas que, na realidade, visam apenas e tão-somente a proteger da ação do Poder Judiciário e das investigações que podem ser levadas a cabo pelo Congresso Nacional, ações criminosas contra o patrimônio público. Não é sem razão que o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Roberto da Costa Leite, durante Ato de Repúdio à Lei da Mordaça realizado em Porto Alegre no mês de abril, disse que a proposta compromete a democracia, atenta contra a liberdade de informação e protege infratores, inclusive corruptos e ladrões.

Ora, todos sabemos que há previsão legal suficiente para punir aqueles que se comportam irresponsavelmente com relação as informações de que dispõem. E essas normas têm por base a nossa Lei Maior, que, no inciso X do art. 5º dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

O Governo lançou, recentemente, nova ofensiva visando à aprovação da “Lei da Mordaça”, o que vem reacendendo a polêmica nos meios político e jurídico, pelo que esse instituto representa de retrocesso em relação à disponibilização de informações ao público. Mesmo o Ministro Carlos Velloso, Presidente do Supremo Tribunal Federal, que ao confessar à época não conhecer bem o projeto, disse ser simpático a aprovação de uma lei para impedir que se divulguem acusações não comprovadas, mas enfatizou que o projeto do Governo deve limitar-se a evitar a divulgação das informações apenas durante a fase de investigação, que é preliminar à ação penal. E afirma: “Depois de apresentada a denúncia, não há mais como ter sigilo, uma vez que a ação penal é pública.”

Muito enriquecedor, também, para este debate sobre o sigilo e a quem ele interessa é um trecho do artigo de autoria do Deputado José Genoíno publicado pelo jornal Correio Braziliense do dia 28 de março de 2000, onde se pode ler o seguinte: “Muitos governistas parecem ter esquecido que, na democracia, todo ato político e administrativo dos governantes e dos funcionários públicos é, por natureza, público. Num país acostumado à impunidade dos corruptos, esquece-se que a transparência é uma exigência democrática, que a publicidade tornou-se um instrumento de elucidação e que a imprensa tornou-se uma aliada da verdade e da justiça.”

Portanto, a questão que nos vem à mente tão logo se fala em impedir a divulgação de fatos produzidos por pessoas que estão ou estiveram em cargos públicos é a seguinte: A quem interessa o silêncio?

É preciso deixar bem claro que não estamos aqui defendendo que se divulguem fatos relacionados à vida familiar ou íntima dos investigados ou suspeitos. Mas é de suma importância impedir que normas feitas sob encomenda sirvam para abrigar os interesses de políticos e administradores corruptos.

E a impressão que nos dá essa atitude do Governo, que vem envidando um esforço desnecessário e suspeito para que essa norma venha a ser aprovada, é a de que existe um sério temor de que os respingos, que se podem prever com relação aos fatos e depoimentos recentes (caso do TRT-SP), comecem a atingir os mandatários maiores. É possível que a investigação de auxiliares que até há pouco tempo estavam bem próximos possam levar a uma situação limite, como a que ocorreu com o ex-Presidente Collor.

O respeito à vida particular deve ser preservado. Nenhum integrante da Oposição pensa em facilitar que seja escancarada a vida pessoal dos integrantes do Governo. Mas o que for considerado ato administrativo não pode ser encoberto, sob pena de se estar desrespeitando o dispositivo constitucional que estabelece os princípios da administração pública, o art. 37, que reza: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência....”

Aliás, uma observação enfática do Ministro Sepúlveda Pertence, ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, publicada no Correio Braziliense do dia 18 de março de 2000, demonstra bem a visão do objetivo do Governo com a insistência para ver aprovada a Lei da Mordaça: “Me preocupa muito que o assunto tenha vindo à tona quando um ou outro acontecimento trouxe ao pelourinho da execração pública algumas figuras do andar de cima. Ninguém se preocupou em proteger a intimidade daqueles que estão expostos diariamente à violência policial e ao exibicionismo nos programas sensacionalistas de televisão.”

Aliás, todos sabemos que muitos fatos têm vindo à baila, motivando investigações pelos órgãos competentes, devido ao interesse jornalístico que leva os repórteres a promoverem um outro tipo de investigação, que não a criminal, mas de grande importância para o conhecimento pela Nação de fatos gerados pelos dirigentes públicos. Alguns desses fatos, pode-se dizer que cobrem de vergonha a Nação, como o descalabro do desvio de verbas públicas ocorrido no Fórum Trabalhista de São Paulo, que se aproxima da assustadora cifra de 170 milhões de reais. Também se poderá dizer que essa cifra não significa muito em relação à capacidade econômica brasileira. Mas isso não é tudo! Isso foi apenas em uma obra, em apenas um edifício! Cremos que o Brasil deve ter, infelizmente, muitos outros exemplos tão repugnantes quanto esse, pois até há pouco tempo se tinha nosso País como a Terra da Impunidade. E, para que o País se livre dessa pecha vergonhosa, é preciso punir aqueles que se aproveitam dos postos públicos de importância, para locupletar-se. E é por isto que nos posicionamos, em momento tão delicado da vida nacional, contra a intenção do Governo de estabelecer novamente a censura no País, calando a boca daqueles que defendem os interesses da Nação, justamente os representantes do Ministério Público.

            Este Governo, que se diz democrata, nos quer fazer engolir, com a mesma forma de um passado que ainda nem sequer tivemos tempo de esquecer, uma nova lei que institucionaliza a censura no País. Por isso, solicito a união de forças dos Srs. Senadores para que esse projeto não passe nesta Casa. O Poder Legislativo tem, como uma das principais competências constitucionais, justamente a de fiscalizar os atos do Poder Executivo. Se assim é, não podemos impedir os atos suspeitos de virem à tona. Não podemos aceitar, em hipótese alguma, uma lei que promete calar o Ministério Público, órgão de vital importância para a defesa dos interesses do povo brasileiro.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2000 - Página 17639