Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Tentativa do governo de desqualificar o debate sobre a dívida externa. Apreensão com o aumento do pagamento da dívida externa e a redução de investimentos na área social.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA.:
  • Tentativa do governo de desqualificar o debate sobre a dívida externa. Apreensão com o aumento do pagamento da dívida externa e a redução de investimentos na área social.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2000 - Página 17706
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • REPUDIO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), SENADOR, BANCADA, GOVERNO, CRITICA, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, DEBATE, DIVIDA EXTERNA, BRASIL.
  • MANIFESTAÇÃO, APREENSÃO, ORADOR, AUMENTO, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, SETOR, SAUDE, EDUCAÇÃO, CRIAÇÃO, EMPREGO, RENDA, SEGURANÇA PUBLICA, PROGRAMA, DESTINAÇÃO, COMBATE, POBREZA.
  • REITERAÇÃO, CONVITE, SENADOR, SERVIDOR, SENADO, POPULAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PLEBISCITO, OPOSIÇÃO, ACORDO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), FORMA, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, COMPROMETIMENTO, FUNDOS PUBLICOS, DIVIDA INTERNA, RESPONSAVEL, ESPECULAÇÃO, FINANCIAMENTO, AGIOTAGEM, AMBITO INTERNACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, alguns Senadores desta Casa que, quase numa cantilena demagógica, reivindicam a democracia e o Estado de direito como instrumentos fundamentais para uma sociedade livre, em muitos momentos, esquecem o que foi conquistado na Constituição - e não em nenhum estatuto de Partidos de Esquerda, do PT, do MST ou até mesmo dos movimentos populares -, na Constituição burguesa, na Constituição que representa, de fato, o interesse da grande maioria da elite política e econômica deste País e que foi aprovada pela grande maioria do Congresso Nacional.

            Assim dispõe o art. 3º da Constituição Federal:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É claro que, juntamente com essas prerrogativas, vêm outras muito interessantes também. O art. 1º da Constituição reza que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e muitas coisas mais.

O Presidente da República, o Ministro da Fazenda e alguns Senadores da bancada governista desqualificaram o importante plebiscito que está sendo conhecido como Plebiscito da Dívida Externa, que se iniciou no dia 02 e segue até o dia 07. Esse plebiscito é extremamente importante, mas o Presidente da República e os amigos do poder chamam-mo de baboseira. Dizem que esse é um desserviço à Nação brasileira. Sabemos que isso nada mais é que a representação do medo e da covardia dessa elite política e econômica, que, se de um lado estufa o peito com arrogância para amedrontar os pequenos, de outro lado ajoelha-se covardemente diante dos grandes, diante do Fundo Monetário Internacional.

Esse plebiscito, com milhares de urnas espalhadas por todo o Brasil - aqui no Congresso há urnas -, está sendo organizado pelas igrejas Católica e Evangélica, por várias igrejas cristãs agrupadas no Conic, por movimentos sociais como a CUT, o MST, a Contag, a UNE, a Central de Movimentos Populares e por vários outros Partidos, entre eles o Partido dos Trabalhadores, o PDT, o PCdoB, o PSB. Esse movimento está também integrado ao Jubileu 2000, Por Um Milênio Sem Dívidas, uma campanha mundial iniciada pelo Vaticano que questiona o endividamento dos países empobrecidos, defende o cancelamento das dívidas e coloca em debate a necessidade de uma nova ordem econômica internacional, mais justa e a favor da vida.

Estranha-me o suposto desconhecimento do Líder do Governo no Congresso. Acredito que não se trata, de fato, de um desconhecimento, mas de uma maneira de desqualificar qualquer debate.

Estou com a cédula de votação, e espero que todas as pessoas que estejam escutando a Rádio Senado e assistindo à TV Senado procurem participar desse plebiscito. Em vários lugares deste País, nas igrejas, nas sedes de sindicatos e até mesmo aqui no Congresso Nacional, existem várias urnas disponibilizadas, a fim de dar oportunidade ao povo brasileiro de participar desse movimento, fazendo uma verdadeira declaração de amor à Nação brasileira, a este País grande e maravilhoso, que não precisa se ajoelhar covardemente diante das grandes nações, diante do Fundo Monetário Internacional.

As perguntas são muito claras. A primeira delas é a seguinte: o Governo brasileiro deve manter o atual acordo com o Fundo Monetário Internacional? Sei que a grande maioria do povo brasileiro vai-se questionar sobre “os frutos” do acordo do Fundo Monetário Internacional em nosso País. Vou explicitar alguns pequenos dados, dados simplórios, do que tem significado, especialmente de 1998 para cá, o acordo com o Fundo Monetário Internacional.

Somente em 1998, registrou-se uma redução de 20% nos recursos para a área social; a assistência à comunidade perdeu 80% de sua dotação orçamentária; o controle de doenças transmissíveis, Senador Nabor Júnior, perdeu 27%; o sistema de esgotos perdeu 45%; a habitação perdeu 47%; o saneamento perdeu 12%. No mesmo momento em que o Governo Federal, para atender ao FMI, promovia cortes gigantescos na área de investimentos para socorrer a população pobre, excluída e marginalizada deste País, houve um aumento de 46% nos encargos e juros do pagamento da dívida pública. Foram gastos US$9,6 bilhões para o pagamento de juros, ou seja, mais do que toda a arrecadação da CPMF, ou 369 vezes o que o Governo prometia destinar para assistência ao idoso.

            Em 1999, todos lembram, com a reeleição de Fernando Henrique garantida, o Ministro da Fazenda anunciou que, como garantia de um empréstimo de US$42 bilhões do Fundo Monetário Internacional, haveria um novo programa de estabilidade, tendo como principal objetivo, mais uma vez, ajoelhar-se covardemente diante do FMI. E o que o Governo Fernando Henrique fez para atender ao FMI? Promoveu um corte de mais de 20% no Orçamento, atingindo duramente a área social e a de infra-estrutura. Os Ministérios mais atingidos foram: Planejamento (redução de 54,4%), Meio Ambiente (47,4%), Reforma Agrária (47%), Comunicação (45,5%) e Transportes (42,8%). Os cortes no Orçamento atingiram gastos com saúde, educação, geração de emprego e renda, segurança pública e proteção social, incluindo programas supostamente destinados a combater a pobreza, como o Programa de Renda Mínima, que teve uma redução de 80%, e o Programa de Combate ao Trabalho Infantil, ou Bolsa-Escola, uma redução de 50%.

Enquanto isso, para se ajoelhar covardemente diante do Fundo Monetário Internacional, o Governo Federal destinou 64% dos recursos do Orçamento à amortização da dívida externa e interna e ao pagamento de juros e encargos da dívida.

Se formos fazer o cálculo do que foi pago pelo Governo Fernando Henrique, só até 1998, para financiar a agiotassem internacional com a política de juros extorsivos, quebrando parques produtivos inteiros de nosso País, veremos que poderia cobrir por 106 anos o alegado rombo da Previdência, se o salário mínimo fosse aumentado para R$171,00; poderia pagar um bônus de R$1.474,00 para cada brasileiro ou de R$45.677,00 para cada família que vive com o famigerado salário mínimo; poderia criar 504 mil empregos diretos em montadoras de automóveis ou 10,5 milhões em indústrias têxteis; construir 15,556 milhões moradias populares; duplicar os gastos em educação e ainda construir 6,565 milhões escolas ou 948 mil postos de saúde; assentar 5,833 milhões famílias; ou cobrir, por 12 anos, o déficit da Previdência.

Como nada disso foi feito, os próprios dados oficiais, as frias estatísticas oficiais já mostram 70 milhões de miseráveis em nosso País. O que tem sido destinado para encargos financeiros da União, o total de juros mais amortização, de 143 bilhões, é quatro vezes o total da folha líquida dos servidores públicos. O que o Governo Federal tem gasto com encargos financeiros da União, portanto, pagando juros e serviços da dívida externa e financiando a agiotagem internacional com a dívida interna, significa 12 bilhões por mês ou 400 milhões por dia ou 16 milhões por hora.

Os senhores se lembram que, há uns quinze dias, a Oposição quase morreu do coração aqui porque viu, na calada da noite, o Governo Federal entregar quase 40% das ações da Petrobras pelo insignificante montante do que se paga em 14 dias pelos juros e serviços da dívida externa. Para se ter uma idéia, o que se gasta durante o ano todo - não é nem o que se gasta, porque não é o que se executa -, o que está previsto para o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia corresponde a apenas três dias de pagamento de juros e serviços da dívida; o que se gasta em um dia é equivalente ao triplo do que se estabelece como dotação do Ministério da Cultura; o que se gasta em 45 dias é equivalente ao orçamento total do Ministério da Saúde; o que se gasta, pagando juros e serviços da dívida, em apenas 29 dias, é toda a previsão orçamentária do ano do Ministério da Educação. Isso é, no mínimo, inadmissível.

Na manhã de hoje, tivemos a oportunidade de ver, mais uma vez, a cantilena, a hipocrisia, o cinismo, em relação ao combate à violência, quando nós sabemos que, de fato, não existe mecanismo mais propulsor da violência neste País do que a fome, a miséria, a humilhação e o desemprego. É inadmissível! Não há recurso que seja destinado para a construção de presídios capaz de segurar todos os que estão sendo jogados na marginalidade como último refúgio.

Eu dizia ao Senador Edison Lobão, depois do discurso de S. Exª, que queria ver se S. Exª, seus filhos, seus netos ou qualquer Senador agüentariam passar pela mesma situação em que se encontram milhões de crianças, adolescentes e jovens neste País, ou seja, se seriam capazes de passar um mês com um salário mínimo, ou desempregados, tendo que sair todos os dias em busca de emprego, sem nenhuma possibilidade, sem conseguir absolutamente nada para alimentar seus filhos em casa. Ou ficarem todo o dia, junto ao semáforo, vendendo aquelas balinhas, aqueles confeitinhos, ou perambulando pelas ruas. E acabam sendo utilizados como instrumentos do narcotráfico.

É uma conversa fiada do Governo Federal dizer que prendeu algumas toneladas de maconha. Deviam ter vergonha de dizer uma coisa dessas, depois de seis anos de Governo, quando todos sabem que a estrutura do narcotráfico é financiada pela elite política e econômica deste País; não é meia dúzia de habitantes do morro que cria a estrutura do narcotráfico. Quem tem o poder de proteção da polícia, da política, da Justiça e do aparato de segurança deste País? Quem tem avião ou navio para circular com pasta-base de cocaína neste País? São, no mínimo, uma gigantesca hipocrisia as notas feitas pelo Governo Federal, muito especialmente pelo Presidente da República e pelo Ministro da Fazenda no sentido de desmobilizar a população em relação ao plebiscito.

Mais uma vez convido todos os Senadores, todos os funcionários, os servidores desta Casa que estão participando, todos as cidadãos brasileiros, no sentido de que possamos de fato fazer uma verdadeira declaração de amor ao nosso País, à Nação brasileira, aos excluídos, aos marginalizados, participando do plebiscito, dizendo não ao atual acordo com o Fundo Monetário Internacional, ao pagamento da dívida externa e ao comprometimento de grande parte dos orçamentos públicos federal, estaduais e municipais, para pagar a dívida interna aos especuladores e financiar a agiotagem internacional.

Reiteramos o convite a todos que nos ouvem neste momento para que possam participar desse maravilhoso movimento internacional. Diremos ao Governo Federal que os cofres públicos, que o Orçamento público, que o País não pertence ao Fernando Henrique ou aos seus amigos da base aliada. De fato, o nosso País pertence ao povo brasileiro. E, neste momento, cabe ao povo brasileiro decidir sobre o futuro da Nação.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, mais uma vez, repudiar - lógico! - o desserviço que o Governo Fernando Henrique e seus amigos prestam à Nação brasileira já virou cotidiano. Ele não tem nem autoridade moral para falar em desserviço. O que tem feito deste País, mais cedo ou mais tarde, a história mostrará.

Já que o Congresso Nacional não o faz, porque somos omissos e cúmplices - nós da Oposição não -; já que ele ainda não teve a coragem de abrir um processo de crime de responsabilidade contra o Governo Federal, que pelo menos o povo brasileiro participe desse plebiscito; que busque as urnas em todos os lugares deste País para depositar o seu voto, a fim de que possamos, de fato, mostrar ao Governo Federal, mostrar ao Fernando Henrique que enquanto eles se ajoelham covardemente perante o Fundo Monetário Internacional, o povo brasileiro se ergue. E é de cabeça erguida, destemido, corajoso, com o coração pulsando de coragem, de solidariedade e de esperança que dirá “não” a esse tipo de política econômica e social, que produz fome, miséria, desemprego, humilhação e sofrimento.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2000 - Página 17706