Discurso durante a 116ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o crescimento da violência no Brasil. Necessidade de formulação de políticas públicas que estimulem a participação da sociedade na solução dos problemas nacionais.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.:
  • Preocupação com o crescimento da violência no Brasil. Necessidade de formulação de políticas públicas que estimulem a participação da sociedade na solução dos problemas nacionais.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2000 - Página 18325
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, AUMENTO, OCORRENCIA, HOMICIDIO, TRAFICO, DROGA, REGISTRO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, FIXAÇÃO, NORMAS, CONTROLE, PROGRAMAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, PAIS.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, GOVERNO FEDERAL, MUNICIPIOS, INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL, OBJETIVO, ORIENTAÇÃO, JUVENTUDE, AQUISIÇÃO, EMPREGO, COMBATE, VIOLENCIA, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, neste minirrecesso que houve até hoje e que continuará até as eleições, com uma pequena interrupção amanhã, fiquei a analisar o que leva o Brasil e, de um modo especial, as grandes cidades como Brasília, a um índice de violência, a um índice de mortes praticamente sem causa. Em Brasília, por exemplo, a capa dos dois jornais da cidade geralmente é ocupada pela violência de crimes cometidos na noite anterior.

            É impressionante observar, entre Rio e São Paulo, qual dessas cidades é a mais violenta. Ainda mais impressionante é verificar em algumas cidades no interior do Brasil, com um número médio de habitantes, o aumento do índice de criminalidade.

Chamo a atenção de V. Exas mais uma vez para o fato de os crimes não terem um motivo, uma razão, uma causa: uma briga entre namorados; gurizinhos que resolveram assustar um ao outro, um deles atirando no outro pra valer; crianças brincando com armas de fogo sem se dar conta; crianças brigando, indo buscar o revólver do pai e matando seu amiguinho. É impressionante como não conseguimos entender que filosofia faz com que de repente toda uma sociedade mude, altere seu espírito, sua maneira de ser, e a violência atinja os índices atuais.

Muitos ligam isso aos programas de televisão, dizendo que esses são os principais responsáveis pela formação de um caldo de cultura, que faz com que a sociedade queira imitar o que vê ali. É verdade que o índice de crime, de violência a que assistimos é impressionante na televisão. Agora o Ministério da Justiça vem apresentar - e vamos debater na comissão os horários - critérios que fixam normas com relação a público e horário para programas que apresentem violência, sexo e tudo o mais. Mas a verdade é que não há como deixar de reconhecer que violência e sexo na televisão são fatores que atingem a sociedade, principalmente em uma época em que os critérios de formação de uma sociedade vão mudando. A família não é mais a mesma, não tem mais o sentido aglutinador que teve no passado, o colégio e a própria religião também. A televisão fica sozinha como babá e formadora da cabeça das crianças. E é exagerado o número de desenhos para crianças baseados na violência. Em vez de programas mais leves, formadores de caráter, de personalidade, formadores de cultura - como é o caso do Castelo Rá-Tim-Bum -, são apresentados desenhos, principalmente alguns japoneses que mostram muita violência, de uma maneira tão radical.

Já se diz que a criança brasileira é a que fica mais tempo na frente da televisão e se diz também que a classe pobre e a classe média baixa brasileiras são as que ficam mais tempo diante da televisão. Então não há como deixar de reconhecer que o fator televisão deve ser analisado.

Mas não sei se ficamos só nisso, ou se temos que ir adiante nesse debate. É claro que não há como deixar de reconhecer que o nível social, que a alta taxa de desemprego - muitas pessoas não têm o que fazer, não têm com o que se ocupar, como desenvolver suas atividades - criam um clima cujas conseqüências é fácil de imaginar. Uma favela onde não há casas, nem barracos. Hoje, inclusive, estava vendo que tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro existem favelas cujo padrão é de classe média. Favela com casas de dois pavimentos. Estava vendo uma análise muito interessante, há favelas com dois pavimentos e cobertura, até favelas com piscina. De certa forma, principalmente no Rio de Janeiro, há muitas pessoas que moram na região das favelas, que trabalham na zona sul. Elas não têm condições de comprar uma casa ou um apartamento por ali, pois são muito caros, mas ganham relativamente bem para comprar uma casa melhor na zona norte. Como não querem percorrer quilômetros e quilômetros de casa para o trabalho na zona sul, pois se gasta uma hora e meia para ir e para voltar, essa gente vem melhorando suas casinhas nas favelas. E algumas estão em relativas boas condições.

Tenho dito que se enganam os que imaginam que o mal em um país é a pobreza. Ser pobre! Claro que ninguém gostaria de ser pobre; claro que todos gostaríamos de ganhar mais. Se nós, Senadores, gostaríamos de ganhar mais, imaginem o restante do conjunto da sociedade! Mas o problema não está na pobreza com dignidade. O pobre que é pobre, mas que tem o seu emprego, o pobre que é pobre, mas que com seu emprego garante uma vida relativamente digna, vive feliz e tranqüilo. O que quero dizer com uma vida relativamente digna? Quero dizer que não há suntuosidade, não há excesso, mas o normal, o exigível para o cidadão viver com dignidade. E aí se inclui o cara que mora na favela. Estive visitando, no Rio de Janeiro e em São Paulo, algumas dessas favelas e vi casinhas simples e singelas, belas casinhas, pintadas, arrumadas, bonitinhas, com televisão. Essa gente que vive em uma casinha, cujos filhos estão na escola, que conseguem vesti-los, que não passam fome, que comem e comem bem - não é uma comida excepcional, mas comem -, leva um padrão de vida tranqüilo, feliz inclusive.

           Conheço muita gente pobre feliz. Conheço muita gente simples, feliz, satisfeita, como essas de quem estou falando, lá no meu Rio Grande do Sul. Conheço gente que me acompanha na política, como amigo, ao longo de 40 anos, desde a campanha de vereador em Caxias do Sul. E somos amigos de família. Eu sou padrinho de casamento deles, sou padrinho de batismo da filha, de casamento dos netos, acompanho três gerações de gente pobre, operária, mas gente que sempre teve emprego, que conseguiu educar as crianças, alguns até com orgulho, porque agora nessa geração já estão na universidade, gente muito feliz, muito contente. É impressionante o padrão de dignidade dessa gente: sim, sim; não, não. É impressionante o padrão da educação daqueles filhos. Digo que eles não são educados; na convivência, eles têm uma bela vida. Então, não há como deixar de reconhecer que estão ligados à violência o desemprego e a falta de lar. Muitas vezes a mulher abandonada vai para um lado, o homem vai para outro, as crianças ficam na rua, sem orientação, pois não têm o pai nem a mãe, e nem à escola vão. Se vão, isso não adianta muito, porque há muito tempo as nossas escolas, até pelo seu estilo e pela orientação que deram à parte reservada à formação da criança, têm deixado muito a desejar. Nas escolas há greve permanentemente porque os professores ganham mal - realmente ganham muito mal. Em alguns lugares, durante muito tempo, a escolha foi política, colocaram como professores pessoas que inclusive eram quase tão analfabetas quanto as crianças que iam estudar. A organização dessas escolas, assim como o padrão formação moral, humana, social, religiosa deixa muito a desejar. Mas, de qualquer modo, essas crianças ainda estão na escola. Quem está na escola, por mais negativos que sejam os padrões dela, sempre tem determinada formação.

           E os que não estão na escola? Há, ainda, os que fingem freqüentar a escola mas que, na realidade, não a freqüentam. Como Governador acompanhei bem essa triste questão. Há crianças que são transviadas porque o lar implodiu: o pai, sem emprego, foi para um lado, a mãe para o outro. Existem até mães que mandam as crianças pedirem esmolas. Por outro lado, há criança que, mesmo possuindo um lar consistente, vive em má companhia, faz de conta que vai à escola, mas lá não aparece. No final do ano já não é um aluno, mas um menino de rua, sem que a mãe sequer tenha consciência disso. Todo esse contexto deve ser somado para analisarmos o que está acontecendo nas cidades brasileiras, para entendermos o índice de violência. Não há como deixar de reconhecer que o problema social é um formador, um grande formador, do grau de violência. Como Parlamentar e advogado já participei de vários debates sobre a questão, que é dramática, mas não tenho uma opinião definitiva sobre a matéria. Falo dos crimes em que crianças são utilizadas exatamente por serem menores e, por isso, não são puníveis. Há os que utilizam uma criança no tráfico de drogas - meu Deus! -, e até mesmo em crimes violentos como, por exemplo, o de seqüestro. Na hora de alguém aparecer, lá está a criança e não mais que ela. É impressionante o que os mais velhos fazem, demoniacamente, para destruir a vida de uma criança: pais prostituem as filhas, vendendo-as em troca de quase nada; crianças que estão na rua pedindo esmola de repente são chamadas por alguém que lhe dá uma importância em dinheiro para que passem a ser distribuidoras de droga, que passem a ser orientadoras dos grupos, das gangues, para dizer quando os policiais estão vindo. Tudo isso faz parte desse esquema que coloca o Brasil, se não me engano, em terceiro lugar em índice de criminalidade do mundo inteiro.

           Não temos guerra civil, como na Colômbia, não temos nenhum tipo de disputa interna por região, não temos sangue espanhol, somos um povo de índole pacífica, singela, e, no entanto, as manchetes estão a mostrar: em cada final de semana, sistematicamente, a violência é maior do que no final de semana anterior.

           Reúne-se o Governo. Em São Paulo, causa-me pena o Governador Mário Covas, que está no sexto ano de seu mandato. Não é deste Governo, mas de muito tempo, o problema da criança. Nas casas de internamento de crianças, na Febem, em São Paulo acontece algo terrível de ser narrado e difícil de ser equacionado.

           Sou testemunha do esforço do Governador - conversamos muitas vezes sobre isso -, conheço os planos que já colocou em prática e os que ainda pretende colocar. Sei que se perguntassem ao Governador Mário Covas qual a questão que gostaria de ver resolvida no seu Governo e que mais lhe tranca a garganta, ele responderia que é o problema da Febem, dos menores.

           Essa é uma coisa interessante de ser analisada. Primeiro, não é falta de dinheiro, porque São Paulo tem dinheiro. Mas pode ter dinheiro e não querer aplicá-lo. Mas o Governador considera prioritária no seu Governo a solução do problema das crianças, o problema da Febem. Segundo, ele tem feito muita coisa.

           Lembro-me de que certa ocasião, enquanto almoçávamos juntos falando sobre um dos maiores problemas que enfrentava, o Governador Mário Covas me disse: “Olha, Pedro, tu nem imaginas, o prefeito não admite em hipótese alguma uma unidade da Febem no seu Município. Vou lá e digo que ele entra com o terreno e eu faço uma unidade moderna, bonita, nada parecida com uma casa penitenciária, mas o prefeito não aceita de jeito nenhum. A Procuradoria está estudando a parte jurídica para entrarmos em juízo para fazermos a casa, nem que tenhamos de entrar com o terreno para construir a casa. O prefeito não admite casa da Febem, pela fama que ela tem. Uma casa da Febem desmorona o prestígio do bairro onde se encontra, porque fica o sobressalto permanente e a decadência na credibilidade daquele bairro.”

Mário Covas vem construindo casas para recolher os menores, e as rebeliões continuam; a violência continua. É claro que aqui entram alguns fatores difíceis de serem analisados. Quando chegarmos ao fator segurança e falarmos do problema do menor recolhido a um estabelecimento desses, quando formos discutir o problema dos presos, dos agentes penitenciários, da polícia, veremos que uma infinidade de questões deverão ser analisadas, desde as salariais até as de natureza moral, ética, sentimental, bem como questões que, muitas vezes, na esfera policial são muito mais normais, como as de saber se aqueles que estão presos não deveriam estar soltos, cabendo à polícia cuidar efetivamente daqueles que está prendendo e daqueles que deveriam estar na cadeia. As razões são muito complexas e muito difíceis. A verdade é que mesmo em lugares onde há dinheiro, interesse, dedicação, vontade, obra, não se encontra uma solução. Se fôssemos analisar o problema da criança nesses termos, veríamos que o Sr. Mário Covas teria números para apresentar, pois construiu mais casas da criança, edificou mais metros quadrados, nomeou mais gente em seus seis anos de governo do que outros em anos anteriores. Todavia, a imprensa e a sociedade não abordam a questão por essa perspectiva. A violência, a rebelião, os assaltos e os colchões queimados continuam; o quadro é absolutamente idêntico, o que demonstra que não bastam dinheiro e melhores condições sociais se não se acresce algo mais a esse conjunto de medidas. É preciso acrescentar algo mais!

Todavia, pergunto-me se, no Brasil, a fórmula utilizada para equacionarmos os problemas sociais não é fria, gélida, impessoal. Vejo, desde a primeira autoridade, passando pelas demais, enfim, todos tratando o problema do menor, das favelas, profissionalmente, sem nenhum sentimento. Essas pessoas não são capazes de se comover ao chegar a uma favela e ver uma criança, no chão, chorando abraçada à mãe que fora assassinada; ou, como aconteceu em uma vila, aqui em Brasília, quando uma mãe chorava, carregando uma criança de 9 anos no colo, morta por uma bala perdida.

Não sei se esse contexto, Sr. Presidente, não teria de ser debatido, inclusive, com a própria sociedade que está ali.

Defendo muito, Sr. Presidente - e V. Exª também - a criação de algo como o serviço militar, de alistamento obrigatório, mas no âmbito social. Contudo, quando convocamos os jovens, não ficam em serviço sequer 5% deles, porque nos quartéis não há instalações; nos fins de semana, eles não ficam porque não há comida. O serviço se desorganizou completamente - e o serviço militar era bom. A qualquer jovem era dada orientação cultural e formação moral e cívica. Tempos atrás, quando esse serviço funcionava, muitos pais me vinham solicitar que seus filhos ficassem no quartel, pois o mais fácil era saírem.

Penso, então, que se deveria formar um serviço de conscientização, que reuniria um contigente anual de milhares de jovens, que completam 18 anos - e uma minoria provém da elite; mas uma imensa maioria, das classes média, pobre e miserável -, mas esses jovens não iriam para o quartel. Poderíamos organizar um serviço não-militar, em conjunto com a sociedade civil, a prefeitura, as entidades sociais, onde se desse orientação a eles.

Como acontece hoje, o jovem da favela que chega ao quartel coloca dentes, aprende a ler, a escrever, a falar, engorda, começa a ser gente, aprende uma profissão. Poder-se-ia fazer isso. Já os jovens da classe média formariam um contingente de milhões de pessoas que poderiam fazer um trabalho “voluntário”, ainda que obrigatório, para ajudarem nas escolas, nos parques, numa infinidade de setores. Aqui mesmo, no Senado, poderíamos ter trezentos desses jovens, prestando serviços e ganhando a sua remuneração, assim como as pessoas que aqui prestam serviços pelo regime da terceirização. Seriam pessoas que, em um período, teriam formação educacional e, no outro, aprenderiam um ofício.

Se o Governo partisse para soluções que tivessem alma, se o Governo partisse para soluções que tivessem sentimento, se o Governo partisse para soluções que analisassem o povo, as pessoas, não teríamos só técnicos fechados em suas salas, economistas, sociólogos - pessoas muito importantes, muito entendidas -, que dão as orientações, as determinações, mas com um formalismo que, ao sair dali e ser transformado na prática, não dá em nada, porque não leva nada à criança, não leva nenhuma demonstração de absolutamente nada a essa criança.

Por isso, meus amigos, creio que o Presidente da República, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, não se dá conta de um fato. Quem sou eu para analisar um Presidente da República vitorioso, reeleito, mas, para mim, que estou aqui fora, que sou leigo, é mais importante o Presidente da República ser um grande sociólogo do que ser apenas mais um economista - e sequer posso dizer em que categoria o classificaria. Se o Presidente utilizasse seus conhecimentos de Sociologia e se sua esposa, com sua especialidade, trouxesse-nos o sentimento dos antropólogos, se se emocionassem como Darcy Ribeiro, ao falar dos problemas e das dificuldades da raça brasileira, se sonhassem, como ele, com relação às perspectivas do Brasil, do povo brasileiro, seria muito melhor, Sr. Presidente, do que pôr cesta básica no caminhão ou no trem e enviá-la a uma determinada cidade. Quando o Betinho era vivo, o negócio era feito de maneira muito rígida, sem a presença de qualquer tipo de política partidária. Era feito com sentimento de respeito, que hoje não existe. Hoje, não no Governo mas na base, na entrega, o Prefeito ou alguém em nome do Prefeito ou o candidato a Vereador faz a entrega: “Está aqui a cesta; vem, do lado de lá, o voto”.

Esse foi um belo trabalho. Quando o lançamos, com o Bispo D. Mauro e o Betinho, foi um belo movimento, iniciado tão-somente para combater a fome. Lembro-me de o próprio Betinho dizer: “Eu sou contra; todo mundo é contra; e muita gente está me cobrando o fato de estar no movimento. Mas mostraram-me uma realidade: são tantos os brasileiros morrendo de fome, que não tenho o direito de ficar só na teoria e esperar encontrarem um emprego para que cada um deles ganhe dinheiro para comer e viver.”

O problema principal continua sendo o emprego. Temos que fazer essa gente ter emprego, trabalho; e não fazer a caridade de dar um prato de comida. Mas, enquanto desenvolvemos um plano para terminar com o desemprego, temos que dar um prato de comida para esses que estão morrendo de fome.

Esse era o objetivo inicial do plano. E mesmo esse plano inicial, quando foi lançado assim, foi lançado em conjunto com a sociedade. O Banco do Brasil, as agências do Banco do Brasil agiram de maneira espetacular. O quartel agiu de maneira exemplar, levando adiante esse plano.

O plano mudou, o Betinho caiu fora, Dom Mauro também. E em vez de ele partir para uma conotação mais social, mais em conjunto com a sociedade, ele ficou mais governamental, com mais entidades do Governo. É um grande plano, um grande projeto, uma grande atividade, mas falta o cheiro do povo, da gente. Tem o cheiro do negócio que é dado; o Governo está dando aqui: “Toma aí um prato de comida para tu não morreres de fome”. Mas não tem o cheiro do social, do sentimento.

E vamos levando, Sr. Presidente. V. Ex.ª me adverte, pelo menos as luzes querem dizer que o tempo está se esgotando. E ficamos a nos perguntar novamente: e a violência? E os crimes que se multiplicam? O que faremos? Qual providência tomaremos? Às vezes, existem atitudes que vêm da sociedade e têm uma repercussão excepcional. Já disse desta tribuna e repito: o Correio Braziliense, junto com os órgãos de rádio e televisão, de Brasília, iniciou uma campanha sensacional de respeito às faixas de segurança de pedestres. Brasília é uma cidade fantástica, mas parece-me que se esqueceram dos pedestres. Desculpe-me o meu querido Niemeyer por essa afirmação.

Ocorreu algo muito interessante quando a Secretária de Meio Ambiente do Governo Mitterrand esteve em Brasília, conhecendo a cidade. Três dias após a sua permanência aqui, houve uma entrevista coletiva e ela respondeu apavorada: “Deus me livre. Não sei quem construiu Brasília, mas foi uma pessoa que odiava o povo. Era apaixonada por automóveis, mas odiava a gente simples. Porque, de carro, ando muito bem, mas a pé... Deus me guarde”.

É verdade que houve em Brasília um acontecimento fantástico. Quando Brasília foi inaugurada, os automóveis que tínhamos eram importados. Nas cidades pequenas e médias, contava-se nos dedos o número de carros existentes. Não se imaginava jamais que, um dia, o Brasil teria essa numerosa quantidade de carros. No Governo Juscelino Kubitschek, construiu-se Brasília e instalaram-se as fábricas no Brasil. Os brasileiros jamais imaginaram que entrariam em carros fabricados por brasileiros. A nossa falta de confiança em nós era total, e explodiu a produção de automóveis. Hoje, os erros praticados em Brasília - que absolutamente não deveria ter essa população atual - e o louco aumento da quantidade de automóveis deu no que deu.

O Correio Braziliense fez uma campanha, a sociedade ajudou e o jornalista Alexandre Garcia foi um dos apaixonados por essa matéria na televisão. Não sei como é hoje, mas até pouco tempo atrás, a única cidade brasileira que realmente respeitava a faixa de segurança era Brasília. Eu já disse desta tribuna que, quando saio de casa com minha mulher e com meu filho de cinco anos para ir ao Clube de Vizinhança, ele vai tranqüilo, ele atravessa a faixa de segurança absolutamente tranqüilo. Estou ali, mas não há nenhum problema. Os carros param, acostumaram a parar, e param.

Na mesma Brasília que era loucura, fez-se uma concentração, e de repente o Código de Trânsito é respeitado como na Inglaterra, pelo menos um artigo: o da faixa de segurança. A campanha foi feita, o movimento foi feito, o chamamento da sociedade foi feito, e o resultado veio. Acho que temos leis que não acabam mais, temos iniciativas que não acabam mais, mas contam-se nos dedos as iniciativas que temos em que se convida a sociedade para a participar. A sociedade se sente importante, sente que aquilo é para ela, que está dentro daquela “jogada”. E por isso a violência é essa que está aí.

Acho, Sr. Presidente, que o Ministro da Justiça e, em Brasília, o Governador e a imprensa poderiam fazer um grande debate sobre as causas da violência e o que fazer. Não um debate -- pelo amor de Deus -- na Universidade de Brasília, profissional, com técnicos, com números e não sei mais com o quê. Isso aí não precisa; é só pegar um livro, porque já deve haver vários debates feitos, em vários lugares, publicados. Digo um debate concreto, com um grupo de sociólogos, um grupo de pessoas que participam, que façam pesquisas, que debatam, que analisem e que nos apresentem algumas das causas - que já sabemos quais são - mais concretas e objetivas e o que se pode fazer para alterar isso, para diminuir, para evitar que essas coisas aconteçam? Acho que isso é tão importante que até uma comissão do Senado ou do Congresso Nacional poderia entrar nisso, junto com a Universidade de Brasília, junto com um jornal, que seria...

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Posso dar o aparte, pelo menos, Sr. Presidente?

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Perfeitamente. Apenas para o conhecimento de V. Exª, a Casa está tendo o prazer de ouvi-lo há 46 minutos. E como há um orador aguardando a vez de falar estou informando V. Exª. Mas, é claro que a Casa vai ouvir, com o maior prazer, o Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Nobre Senador Pedro Simon, falar de Brasília é me cutucar. Moro aqui há 40 anos, de modo que sempre que ouço falar dessa cidade é como se fosse falar de uma extensão minha ou me sentindo uma extensão de Brasília. Realmente, esses 40 anos de Brasília deveriam ser analisados, como V. Exª propõe. Cheguei aqui nesta cidade sem asfalto, chaminés de poeira subindo para o azul, uma maravilha! Adorei aquilo! Não havia banco. Que maravilha! Isto é uma utopia: uma cidade sem banqueiro! Era aquilo que eu procurava. As portas das residências ficavam abertas - ninguém fechava porta em Brasília! Lembro-me disso até nos anos 70. O Luiz Paulo Rosemberg, que desempenhou vários cargos, assim como todos seus outros colegas que quase se tornaram ministros, e atualmente é banqueiro, ia a São Paulo e deixava aberta a porta de sua residência na Península Norte. Homicídio era coisa rara. Quando cheguei havia pleno emprego e, mais do que isso, todos faziam hora extra, os funcionários ganhando a dobradinha. Assim, aquela poeira era mais do que suportável. Mas sabíamos que estavam construindo aqui uma cidade rodoviária, uma estrada, uma avenida. A Asa Norte, com uma avenida de oito quilômetros, a Asa Sul, com uma avenida de oito quilômetros, e a rodoviária no meio. Portanto, foi Le Corbusier, professor dos eminentes idealizadores de Brasília, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, quem afirmou, antes de V. Exª, que o objetivo do urbanismo das cidades que pretendia construir, e da qual Brasília é um paradigma, era o de matar as cidades. Foi o autor intelectual de Brasília quem afirmou isso. E ensinou, obviamente, coincidentemente, para os dois, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, que são dois geniais discípulos de Le Corbusier. Apenas quero registrar o prazer que tenho com essa sugestão de V. Exª, que é de estudarmos. Já existe uma literatura bastante grande, mas, como V. Exª disse, falta, como falta em Brasília, a vida, o sentimento. E o discurso de V. Exª hoje foi todo sentindo esta falta de coração, esta falta de emoção no Governo, na maneira de considerar os problemas dos marginais, das crianças abandonadas, das Febems etc. De modo que, então, V. Exª hoje está realmente com esta coerência humana e emocional característica da sua personalidade e dos seus pronunciamentos. Coincidentemente, o ano em que Brasília foi inaugurada foi o ano em que começaram a sair os carros das fábricas. Eram tantas fábricas e tantos carros naquela ocasião que três indústrias de carro foram embora do Brasil: a Hillman, a DKW e uma outra terceira. Era uma grande quantidade de carros; mais carro do que renda, do que dinheiro no bolso da população. Então, vemos esta cidade como uma cidade realmente automobilística. E quem não tem automóvel está sujeito à agressão dessas condições que foram sendo criadas.

Quero parabenizar V. Exª e apoiar com entusiasmo essa idéia de se fazer um fórum nessa cidade que tem muito o que ser estudado, muito o que nos ensinar, se soubermos decifrar - como V. Exª pretende - aquilo que ela guarda para nós. Meus parabéns, Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço o aparte de V. Exª - e encerro, Sr. Presidente -, dizendo, em primeiro lugar, que o aparte de V. Exª é tremendamente elucidativo, não apenas pela sua cultura e capacidade mas pela demonstração que faz. V. Exª acompanhou os fatos, viu desde o início o que foi e no que se transformou Brasília.

            De certa forma, não tanto quanto Brasília, mas a violência da presença exagerada do automóvel, minha cidade, Caxias do Sul, era como V. Exª estava dizendo. Não me lembro de ter chave na casa da minha mãe. Não me lembro! Cidade industrial, cidade grande, e não me lembro de chave, de roubo ou coisa que o valha. E eu era advogado e os júris que fiz eram sentimental, passional, o marido que pegou a mulher em tais condições, aquela coisa toda. Era uma cidade de pleno emprego, em que as pessoas viviam tradicionalmente bem. Era uma cidade agropastoril, com a sua agricultura familiar. Tudo o que Caxias consumia era produzido lá mesmo. A criminalidade não existia, não existia violência. Hoje, há mais de mil fábricas. Pessoas de todo o Rio Grande do Sul foram para Caxias. Há 40 mil favelados. Os índices de criminalidade, percentualmente, guardadas as devidas proporções, são como os de São Paulo, do Rio de Janeiro e Porto Alegre. A modificação foi feita nesse sentido.

Creio que não estamos aproveitando o fato de o Presidente da República ser sociólogo. Sua Excelência não se dá conta disso e fica doido para aparecer como economista. Mal sabe Sua Excelência que o mundo detesta economistas, há economistas demais, mas nada resolvem. Estamos falando de um “casal vinte”: um sociólogo e uma antropóloga. Se os dois decidissem debater o problema do mundo atual, do início do milênio, deveriam começar pelo homem. Dessa forma, dariam um show. No entanto, Sua Excelência quer aparecer como economista. Nossa Primeira-dama, que é brilhante - tenho enorme admiração por sua pessoa - ,não faz questão de aparecer como antropóloga. Acredito que, se o Presidente aceitasse e organizasse como quisesse um movimento para debatermos a questão da violência, o que fazer, as causas e propostas, estaria levantando uma grande bandeira, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2000 - Página 18325