Discurso durante a 116ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à política econômica neoliberal adotada pelo governo federal.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Críticas à política econômica neoliberal adotada pelo governo federal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/09/2000 - Página 18332
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, LIBERALISMO, ECONOMIA, FALTA, ENTENDIMENTO, CRISE, CAPITALISMO, DESEMPREGO.
  • CRITICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADOÇÃO, LIBERALISMO, AMBITO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA SALARIAL, POLITICA DE EMPREGO, UTILIZAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, OBJETIVO, REELEIÇÃO, SUPERIORIDADE, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe”, diz o ditado.

           Tenho seguido, com muito interesse e emoção, com participação pessoal e direta, o andamento deste Governo que trouxe propostas neoliberais, uma experiência que converteu o povo brasileiro em cobaia, sobre o qual se aplicaram os princípios neoliberais nascidos em 1873, simultaneamente em Viena, em Lausanne e em Londres.

           No âmago da mais prolongada crise que o capitalismo conheceu, nasceu o neoliberalismo, que, desde sua origem, sempre desconheceu o homem. Não há homens nesse universo de análise neoliberal. Não há homens! Há um tal homo oeconomicus, uma invenção robotizada de economistas como Von Hayek, Pareto, Stanley Jevons, Marshall etc, que passaram a imaginar que o homem deveria ter um comportamento racional, maximizando lucros e vantagens e minimizando custos, gastos e desutilidades, como diziam. Esse era o ser humano limitado desses reducionistas, que custaram a criar alguma credibilidade a partir de 1873.

           Um dos precursores neoliberais foi um alemão chamado Gossen, que se dizia um Ptolomeu da sociedade humana, que estava descobrindo as leis que presidem o comportamento dos homens, desses ratinhos pavlovianos em que foram transformado os seres humanos.

           O Sr. Gossen, o verdadeiro e envergonhado fundador da Escola Neoliberal, ficou desesperado com a reação fria do leitor às suas três leis que julgava fundamentais para explicar o comportamento humano e se surpreendeu com a pouca vendagem dos seus livros, com a falta de aplauso àquelas idéias pequenas por meio das quais ele se julgava capaz de explicar o comportamento do homem nos diversos mercados. O fundador real do Neoliberalismo ficou desesperado, pôs fogo nos livros que havia publicado e se suicidou ao lado de suas obras.

           Gostaria que alguns neoliberais de hoje seguissem o exemplo corajoso do fundador dessa chamada ciência, que constrói um mundo abstrato, completamente desgravitado.

           Estava o Senador Pedro Simon falando a respeito dessa frieza, dessa distância dos economistas em relação ao mundo. Na realidade, isso aconteceu desde o princípio, desde que os liberais e clássicos como Adam Smith, David Ricardo e outros deram lugar aos neoliberais, que se distanciaram do mundo em crise e, não sabendo dar resposta ao mundo real, construíram um mundo de abstrações onde não havia ser humano, mas apenas homo oeconomicus robotizados. Segundo eles, o mundo e os mercados que criaram são excelentes para se ajustar automaticamente no ponto de maior eficiência.

           Contudo, trata-se de um mundo cerebrino, criado na cabeça das pessoas e que não se relaciona com a prática. Em 1873, iniciava-se uma profunda crise que durou até o princípio deste século. Para eles, nesse mundo abstrato que construíram, não existe desemprego, há emprego para todos. Mas a crise é fantástica: 40% da população não consegue trabalhar. Por exemplo, na reconstrução de Paris, em 1825, foram empregados 25% da população desempregada daquela cidade. E assim aconteceu pelo mundo afora. Eles imaginavam que não havia desemprego, porque os trabalhadores teriam sempre oportunidade de se empregar se quisessem aceitar o salário desse mercado - genial, fantástico, feito à imagem e semelhança de Deus - que ofereceria sempre oportunidades, desde que o trabalhador se curvasse às suas imposições.

           De acordo com eles, existe um tal de rendimento decrescente: cada trabalhador que consegue trabalhar produz menos que o anterior. Há rendimentos decrescentes. Então, quando se aumenta o volume de emprego, o salário vai tendendo a zero, igual ao Brasil de hoje desses neoliberais que aí estão. De acordo com eles, o Governo atrapalha e não deveria existir nessa sociedade que eles imaginam. O Governo só atrapalha.

           O comportamento humano movido por essas leizinhas e normas menores seria capaz de ajustar-se nos níveis de equilíbrio que seriam os melhores possíveis para o gênero humano. Assim, a multidão de desempregados que existia naquela ocasião e que acompanhou quase toda a história do capitalismo estava voluntariamente desempregada. Não trabalhavam porque não queriam. Se consentissem em receber, como diz Alfred Marshall, salário zero ou negativo, se eles pagassem para trabalhar, conseguiriam emprego. Eles estavam desempregados por culpa deles, porque não consentiam em trabalhar por zero ou negativo.

           É incrível! É incrível que possa ser chamada de ciência humana essa coisa que foram construindo. A moeda também atrapalha. É preciso secar a moeda. É preciso limitar a ação do Estado, vender empresas estatais. No tempo de Colbert, já havia várias empresas estatais régias e privilegiadas. Eles propunham, então, que o Governo emagrecesse e, se possível, desaparecesse, que não interferisse em nada na atividade econômica, nem no comércio internacional, nem nas relações de emprego, nem em coisa nenhuma.

Os neoliberais de hoje, que constituem uma ressurreição dessa corrente, dessa escola que praticamente encontrou sua desmoralização total em 1929, quando o desemprego subiu, em 1934, a 44% na Alemanha e a 25% nos Estados Unidos. E os neoliberais, que diziam que haveria sempre a tendência automática para o pleno emprego, ficaram totalmente desmoralizados. A partir desse momento, tal corrente só sobreviveu nas universidades, com professores neoliberais, inconscientes da história, “graficando” e “tecnificando” essas relações humanas para os seus alunos.

Diante do desemprego atual, da crise do Estado, da dívida pública, que atingiu US$5,5 trilhões nos Estados Unidos e R$500 bilhões no Brasil, diante de todos esses problemas que avassalaram a economia de mercado, o que fazem? Desenterram o defunto e tentam fazer ressurgir o sistema neoliberal.

Se os neoliberais são de 1873, esses atuais - como Friedman e Friedrich August von Hayek -, que começaram a escavar a sepultura para desenterrar o fracasso neoliberal ocorrido principalmente naquela data, fazem uma tarefa que, de acordo com Henri Lefebvre, filósofo francês que escreveu um livro sobre o existencialismo, recende a cheiro de cadáver. Estão exumando aquilo que a história havia soterrado há muito tempo. Então, essa ressurreição neoliberal só poderia ter vida curta e fracassar totalmente.

As características neoliberais - sua arquitetura, sua estrutura - são tão abstratas e fora do mundo que se pode facilmente mudar de uma política neoliberal para outra. Este Governo está chegando agora a adotar políticas completamente contrárias àquelas que adotou no início do “Primeiro Reinado”. No início do “Primeiro Reinado” de Sua Majestade Fernando Henrique Cardoso, o que eles diziam é que a inflação no Brasil e a inflação em geral se devia a excesso de demanda. Ora, as populações mais pobres do mundo, com um poder de compra insignificante no bolso, desempregadas ou recebendo algo próximo de zero, são, de novo - os trabalhadores, essa população pobre -, os responsáveis pela inflação. Então, é preciso reduzir rendas, salários, vencimentos de funcionários, demitir funcionários.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, os funcionários públicos cresceram, sim, talvez demasiadamente. Mas cresceram por quê? Porque havia 40% de desemprego na Alemanha, 25% de desemprego nos Estados Unidos no início dos anos 30, então o Governo de Franklin Roosevelt passou a empregar quem estava desempregado. Desse modo, o número de funcionários nos Estados Unidos em relação à População Economicamente Ativa é de 14%. Catorze por cento estão empregados no Governo. Talvez com 3% a Administração Pública, a burocracia, funcionasse. Mas, se isso acontecesse, se o Governo tivesse permanecido enxuto, o que teria acontecido? Em vez do desemprego insignificante que existe nos Estados Unidos - durante quase todo esse período foi de cerca de 4%, hoje o índice é menor -, aquele país campeão do emprego estaria com pelo menos 28% de desemprego, se o Governo desempregasse lá, enxugasse lá como o nosso Governo fez aqui no Brasil. Cada desempregado tem que desempregar mais duas pessoas: cada desempregado tem que dispensar seu motorista, sua cozinheira, tem que comprar menos, e, portanto, desempregar. Portanto, o desemprego final seria um múltiplo do desemprego inicial. Em vista disso, o capitalismo nunca funcionou sem a solução do Estado empregador, do Estado que incha para reabsorver a mão-de-obra posta na rua pela crise e pela tecnologia capitalista - solução essa que obviamente não é exemplar.

Então, o criador dessa nova versão - que afirma que os governos capitalistas devem aumentar a demanda efetiva, devem aumentar seus gastos, não podem se limitar ao equilíbrio orçamentário, porque isso é mortal para o capitalismo - seis vezes escreveu que a solução é a guerra. Diz ele: “Penso ser incompatível com a democracia capitalista que o governo eleve seus gastos na escala suficiente para demonstrar minha tese - a do pleno emprego -, exceto durante as guerras. Se os Estados Unidos se sensibilizarem com a grande dissipação decorrente da preparação das armas, aprenderão a conhecer sua força”. Quer dizer que o que Lord Keynes propunha a Roosevelt é que ele aumentasse ainda mais os seus gastos. E, em 1939, Roosevelt decuplicou as despesas de guerra, e a economia norte-americana começou a sair do desemprego iniciado em 1929.

Assim sendo, aqui no Brasil, estamos diante de um governo que quer teimar em repetir as experiências fracassadas do neoliberalismo. Há poucos dias, voltando de um desses passeios na Europa, o Presidente Fernando Henrique Cardoso disse a alguém: “Não me chame de neoliberal!” Antes, ele tinha muito orgulho em ser chamado de marxista. Ele foi marxista, declara num de seus livros que adota o método de Marx. Na sua tese sobre capitalismo e escravidão, ele declara que é radical, que quer pegar os fenômenos pela raiz e que adota a terminologia de Marx, os conceitos de Marx e o método de Marx. Então, ele já foi marxista. Depois, virou neoliberal.

Numa das vezes em que ele estava voltando para o Brasil, lá em Portugal, um professor da Universidade de Lisboa - se não me falha a memória -disse que Sua Excelência falava em socialdemocracia, mas todos na Europa sabiam que a socialdemocracia já havia entrado em crise há muitos e muitos anos. Assim, quando chegou ao Brasil, disse que era neo-socialista. Essa já é a quarta denominação que dá a si mesmo; mas não quer ser aquilo que passou a ser: neoliberal.

Pois bem, o neoliberalismo começa com um diagnóstico de cabeça para baixo. Afirma que a inflação é devido a excessos de demanda, excesso de consumo nas sociedades latino-americanas, em que o povo passa fome, em que há, sempre houve, a não ser para uma cúpula de 2% a 5% da população, insuficiência de consumo, inclusive de alimentos, de roupas e sapatos, uma população andrajosa. E dizem que essa população consome demais e que é preciso reduzir o consumo. Assim, reduz-se. Congelam-se os salários durante sete anos.

            O ex-Presidente Fernando Collor de Mello prometeu que, ao final do seu período de Governo, o salário mínimo estaria em US$300; e o Presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu que, ao final de seu mandato, que era o único naquela ocasião, estaria em US$250. Agora, terminado o seu mandato, já com tanto tempo de segundo reinado, temos um salário mínimo em torno de US$75. Ele prometeu US$250 e chamou de demagogos os que queriam um salário mínimo de R$187, na última reposição salarial, e estabeleceu R$151, de acordo com o que a Srª Teresa Ter-Minassian, do Fundo Monetário Internacional, afirmou nos Estados Unidos, em Seattle, que seria o nosso salário. Ela falou lá, antes do Sr. Malan e do Presidente da República, que os nossos salários seriam de R$151, não mais do que isso.

            Pois bem, agora, quando as pesquisas dão a resposta de que o povo consciente encontrou essas medidas, o índice de aprovação popular caiu até 13%.

Diante disso, passamos a um outro programa de Governo. Já tivemos o Programa Real, que seria eterno; depois, o Pra Frente Brasil; depois, o Avança Brasil; e agora estamos, obviamente, numa inversão total. Aquilo que era problema, o excesso de demanda, os altos salários, dizem, prometem que eles irão voltar, que o Governo agora vai conceder um reajuste salarial e até mesmo corrigir uma parte dos males do desastre, da desumanidade que recaiu sobre nós.

Há cinco, seis anos, o programa era o de demissão de funcionários, aumentar desemprego, demitir funcionários públicos! Eu mesmo estive com um grupo de funcionários demitidos, do Serpro. Fui conversar com o Presidente do Serpro, Dr. Sérgio Otero. Ele então, que havia sido meu aluno, quis me convencer das idéias neoliberais e de sua justeza. Fiquei horrorizado em ver meu ex-aluno, só porque grimpara a Presidência do Serpro, demitir centenas de funcionários do Serpro. Conversando com um dos funcionários, ele contou-me que, numa família, marido e mulher ficaram sem emprego, foram demitidos. Imaginem marido e mulher sem emprego de uma vez só! Alguns escaparam para as drogas, outros entraram em desespero completo. O Sr. Sérgio Otero ficou famoso, comprou um avião. Ele foi meu aluno; cheguei a gostar dele; não sabia que o futuro lhe reservava essa personalidade, esse comportamento.

“Cento e vinte mil funcionários deverão ir para a rua”, dizia a Ministra Cláudia Costim. O Ministro anterior havia prometido uma limpeza maior. Eles chamam isso de enxugamento e dizem que os culpados são os demitidos, porque não se equipararam, não se reestruturam, não reaprenderam a tecnologia moderna. Então, eles vão para a rua porque não têm competência. Além de queda, o coice. Não respeitam sequer aqueles que eles demitiram sem justa causa.

Entramos na era do tal do custo Brasil e tivemos que reduzir salários, vencimentos e rendas, para que o Brasil ficasse competitivo num mundo globalizado. Para o Brasil ficar competitivo no mundo globalizado é absolutamente necessário, de acordo com os ensinamentos neoliberais, que cada trabalhador brasileiro ganhe, por mês, cerca de US$30, como ganha o trabalhador de Bangladesh ou da China. Quer dizer, de acordo com os ensinamentos neoliberais, é necessário que haja uma igualdade entre aquilo que eles chamam de unidade marginal do trabalho. Se na China ou em Bangladesh se paga US$1 por dia, o Brasil só pode concorrer com esses países - tendo os mesmos equipamentos, as mesmas máquinas, no mesmo nível tecnológico - se pagar ao nosso trabalhador US$1 por dia também. Esse é o custo Brasil, essa é a redução que deve ser imposta a nossa população, aos nossos sofredores.

Quando Sua Excelência, o Presidente da República, que agora confessou ser narcisista, que gosta muito do Palácio da Alvorada porque lá existem muitos espelhos - Sua Excelência fez essa declaração numa entrevista há um mês e meio -, esqueceu-se de dizer que para ser reeleito, sem desincompatibilização - o que já é uma imoralidade -, teve de utilizar aquilo que restava do aparelho de Estado, das empresas estatais que foram doadas, as que não haviam sido doadas ainda, o que restava dos recursos deste Governo, que se diz falido há muito tempo - falido para o social, mas não para os banqueiros que receberam US$30 bilhões através do Proer. Mas, para os trabalhadores, para o social, para a educação, para a sociedade, o Governo se encontra falido.

Pois bem, de repente muda tudo. De novo, torna a mudar. Aparecem recursos para uma saúde imaginária, para uma rede hospitalar imaginária. As televisões devem estar mentindo em suas imagens quando mostram as filas nos hospitais e o estado caótico em que se encontra nosso sistema de saúde. Tudo muda nesse mundo imaginário, fantástico, neoliberal.

E lá no FMI, Michel Camdessus, Diretor-Gerente do FMI até há algum tempo, cumpriu seu período, saiu e foi ser, entre outras coisas, Assistente do Vaticano. O Sr. Camdessus saiu do FMI para ir para o Vaticano, arrependido, obviamente, daquilo que fora obrigado a permitir que se fizesse. Mas, indo para o Vaticano, conta a verdade e disse que o culpado pela situação em que se encontra o Brasil é o Sr. Fernando Henrique que, para ser reeleito, atrasou a penúltima fase do Plano Real, ou seja, atrasou a desvalorização da moeda, o que proporcionaria um over shutting, como dizem os americanos que estão implantados aqui. No Banco Central, no Ministério da Fazenda, são todos americanos implantados, infiltrados.

Mas, professor, o senhor é catastrofista, o senhor fica falando em invasões por causa da dívida externa, e isso não existe mais. Se não existe mais, por que os generais invasores são os presidentes do Banco Central, o Ministro da Fazenda e todo esse grupo que vi indo lá para aprender essas regrinhas e nos impor este jogo?

Então, o Camdessus disse que o Presidente Fernando Henrique Cardoso era o responsável, porque, para ser reeleito, atrasou essas medidas que dariam um over shutting no preço das mercadorias importadas.

Num momento o câmbio é de R$1,00 por US$1.00. O real é tão forte quanto o dólar e importamos tudo a preço de banana. Destrói-se o parque nacional, que não pode concorrer com as mercadorias importadas de uma maneira subvencionada pelo nosso próprio Governo. Naquele momento, o interessante era importar para achatar a inflação nos preços e, agora, o que importa é exportar. Viraram o mundo de cabeça para baixo. Como eles podem ter tido razão há dois anos, colocando o real sobrevalorizado para que pudéssemos importar tudo, de carros de luxo a arroz e feijão? Agora, o mundo é outro. A verdade, a utilidade e a necessidade do País é aumentar as exportações. Então o dólar não pode mais continuar naquela taxa fixada de US$1.00 por R$1,00, e o dólar então, com o over shutting, passou a ser R$2,00 por US$1.00.

Os preços subiram, não tanto quanto eles esperavam, pois esperavam que houvesse um recrudescimento na inflação naquele mês de janeiro em que o Sr. Salvatore Cacciola recebeu US$1,6 bilhão para não ter prejuízos, para não provocar uma crise sistêmica. Agora o Sr. Eduardo Jorge diz que se o Senado cassar o Senador Luiz Estevão, aqui de Brasília, colega nosso, poderia provocar uma crise sistêmica.

Dessa forma, para tudo que o Governo não quer que se faça, ele ameaça com a crise sistêmica.

Estamos, portanto, agora nessa situação a que chegamos: todas as soluções alvidradas, sugeridas pelos tecnocratas nacionais, pelos do FMI, pelos do Banco Mundial já foram tentadas, e o Brasil se encontra com quase R$500 bilhões de dívida pública e US$270 bilhões de dívida externa.

Ao importarmos desesperadamente para dizer que a inflação tinha sido combatida, que havia uma estabilidade no País, achatamos os preços, destruímos as indústrias. E o que aconteceu? A nossa dívida externa grimpou para US$270 bilhões.

Enquanto a dívida externa pôde subir, para importarmos e achatarmos os preços internos e destruirmos a atividade nacional e os empregos; enquanto a dívida externa pôde subir, o Sr. Gustavo Franco reinava. Ele era o dono da verdade e da taxa de câmbio. Não se podia alterar na taxa de câmbio, que tinha de ser R$1,00 por US$1.00. No entanto, a dívida externa bateu lá em cima, como aquele peso do parque de diversão que bate assinalando o máximo de altura alcançável.

Não podendo importar mais, inverteram tudo, desvalorizaram o câmbio - não tanto quanto devia -, desvalorizaram o real em relação ao dólar, reduziram as importações e aumentaram as exportações. O Governo vai à televisão com a mesma cara-de-pau que dizia que o bom era importar, que, importando, haveria desequilíbrio na balança comercial e que nós brasileiros iríamos vencer o monstro da inflação, e diz, agora, que o bom é exportar, é ter saldo de exportações. Eles não podem estar certos num momento e, no momento seguinte, falar coisas completamente diferentes uma das outras, colocando em prática políticas totalmente contrárias.

Assim, se tivéssemos de falar mesmo sobre todas as mazelas, incongruências, anfibologias e maracutaias que envolveram esses anos de Plano Real, de sua implantação, de sua reimplantação, de suas tentativas de equilíbrio, com todos os instrumentos possíveis, inclusive a loucura de elevar a taxa de juros a 49% ao ano, quando o Japão, por exemplo, manteve a sua taxa de 1% ao ano durante décadas e conseguiu ser o que é. Esse pecado de 49% ao ano nem na Idade Média se cometia!

São Tomás de Aquino deve estar revoltado em seu túmulo, porque já dizia, no seu tempo, que pecunia pecuniam parere non potest, dinheiro não pode parir dinheiro. Esse negócio de juros é contra a natureza das coisas e contra a natureza de Deus.

E eles, ímpios, voltam ao seu ateísmo, esquecem São Tomás de Aquino e elevam a taxa de juros a 49% ao ano, a maior do mundo em todas as épocas. E agora soltam foguetes porque a taxa de juros está baixando. Ora, de novo? Taxa de juros a 49%, para salvar o Brasil. A taxa de juros agora caiu, e eles estão alardeando, por todos os meios de comunicação e em todos os discursos oficiais, que conseguiram a vitória contra a alta que provocaram e que a taxa de juros no momento está em apenas 16%.

Teríamos então uma imensidão de fatos que não deveriam nunca deixar de ser claros na consciência daqueles que acompanharam o processo, inclusive na minha consciência. E não estou falando isso por animosidade contra o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem, em um certo momento da minha vida, muito admirei, nem por motivos partidários, por ambição de chegar lá combatendo o Governo, nem de me reeleger, porque nunca mais serei candidato a nada. Mas consegui atingir um grau de serenidade, de estudo que até hoje me deixa acordado até três horas da madrugada, freqüentemente. Dizem que Senador não trabalha, não faz nada. Eu, porém, aos setenta anos de idade, fico estudando até três ou quatro da madrugada, preocupado apenas com o Senado e com o Brasil.

O que percebemos é que, novamente, quando as eleições municipais se aproximam, o Governo muda. É lógico, tem que desmoralizar a economia e os economistas! Não é possível que as coisas sejam assim: uma assertiva e o seu oposto igualmente válidas! O Presidente da República falou quatro vezes que é mentiroso e quer que acreditemos nele. Em qual das suas versões? Principalmente depois de ter aconselhado a esquecerem tudo o que falou.

Neste livro do Presidente da República chamado As idéias e seu lugar - a que vou dedicar um discurso inteiro -, Sua Excelência afirma que equilibrar o orçamento e pagar a dívida externa é uma tarefa impossível de ser realizada - está aqui, neste livro que escreveu. O que Sua Excelência quer de nós, brasileiros, é apenas o impossível: que paguemos a dívida externa e que equilibremos o orçamento, ou melhor, que apresentemos um superávit primário no orçamento para sobrar dinheiro para pagar a dívida externa. Ao mesmo tempo, promete melhorar as condições de vida.

Pelo menos, o Presidente Tancredo Neves sabia: “Jamais admitirei pagar a dívida externa com a fome do povo”. Não é outra coisa que este Governo tenta fazer, como ele próprio sabe e reconhece, desde 1990, pelo menos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/09/2000 - Página 18332