Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a memória da ex-Deputada Federal e ex-Vice-Governadora do Distrito Federal, Márcia Kubitschek.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória da ex-Deputada Federal e ex-Vice-Governadora do Distrito Federal, Márcia Kubitschek.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2000 - Página 18362
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARCIA KUBITSCHEK, EX-DEPUTADO, EX VICE GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), FILHA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • HOMENAGEM, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, DATA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ATUAÇÃO, POLITICA, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sr. Vice-Governador, Srs. representantes da família Kubitschek, Sras e Srs. Senadores, hoje, pela manhã, assistindo à Missa Campal, ouvimos as referências feitas pelo eminente Cardeal à memória de Juscelino e à sua filha.

Inicialmente, esta sessão foi marcada para homenagear a memória de Márcia, a jovem filha de um Presidente, um herói nacional. Desde criança, Márcia criou-se nos palácios - no Palácio do Governo em Minas Gerais, no Palácio do Governo no Rio de Janeiro e aqui em Brasília. Acompanhou o dinamismo do seu pai e a ternura emocionante da sua mãe. Viveu uma mocidade esplêndida de alegria e de felicidade. Deve ter sofrido, naquele final de campanha, com as injustiças feitas a seu pai e com a vitória do adversário. Mas isso passou. Entretanto, deve ter sofrido muito com a cassação do seu pai, com as injustiças tremendas vividas por ele. Não podendo entender, em sua mocidade, como baixasse tanto o alto conceito que se tinha a respeito do seu pai: maldades profundas, injustiças imensas, a cassação do mandato e o exílio onde ela ficou tanto tempo. Voltou. Diz bem o meu antecessor, não precisava ter voltado, mas voltou pelo seu sentimento de pátria, pelo seu sentimento de Brasil. Voltou e acompanhou a democratização deste País, teve a felicidade de escrever a Carta Constituinte como Deputada. Teve a alegria de iniciar uma carreira como Vice-Governadora. Qualidades não lhe faltavam, competência também não. Mas quis o destino que ali se encerrasse a sua carreira política e ela continuou firme em suas idéias, firme na defesa da história da sua família, firme na formação de suas filhas, transformando-se em um nome que é uma legenda de amor, carinho e respeito nesta terra.

Ela, sua irmã, sua mãe, são exemplos emocionantes, que reconhecemos todos nós, da mulher mineira, da mulher brasileira, das que deram força e estímulo ao trabalho de Juscelino. É de se imaginar que impressionante e quão grande seria o destino de Márcia se a democracia tivesse continuado neste País depois de seu pai. Juscelino fez, em seu mandato, tudo aquilo que o Senador Maguito registrou, mas ele sempre dizia que tinha uma mágoa profunda, por ter desenvolvido a indústria, que progrediu e explodiu, e reconhecer não ter olhado com o devido valor para a agricultura deste País. Ele sentia que faltava uma perna no crescimento do País e que, se pudesse voltar em 1965, faria na agricultura o que fez na indústria. E a agricultura brasileira cresceria 50 anos em 5 anos.

Se isso tivesse acontecido, se Márcia estivesse a seu lado acompanhando esse trabalho, imprevisível imaginar o que o destino lhe teria reservado nos caminhos do nosso País. Que bom se ela tivesse, em vez da dor, tristeza, mágoa, violência, arbítrio, tortura e tudo mais no exílio, podido caminhar o caminho largo da liberdade com democracia, tivesse visto seu pai completar o trabalho de fazer com a agricultura o que fez na indústria brasileira! Se ele conseguiu desenvolver a indústria, que é mais difícil, se ele fez o desenvolvimento de um setor mais complexo da economia, o que poderíamos esperar da agricultura, que é a nossa tendência natural em um país de terras agricultáveis como as nossas, um país de tendência agrícola como o nosso. Pelo amor de Deus, o que Juscelino teria feito naqueles seus cinco anos!

Quis o destino que isso não acontecesse, que Márcia sofresse, com sua mãe, com sua família e com seu pai, o que sofreram. Neste plenário, Juscelino se levantou para votar em Castello Branco para Presidente da República. Tancredo Neves votou contra e avisou: “Não vota, Juscelino, porque ele vai cassar o teu mandato”. Ele não acreditou, e cassaram o seu mandato, sem explicação. Buscavam a Presidência ele, o democrata, e Carlos Lacerda, que conhecia o caminho das artimanhas dos militares.

Aquela que se esperava fosse a eleição mais espetacular da história, Juscelino contra Lacerda, as forças populares contra a UDN, não aconteceu, porque com a mesma frieza com que cassaram Juscelino, cassaram Carlos Lacerda. E o período da ditadura militar foi-se pelo tempo afora.

Quão grande teria sido o destino de Márcia se pudesse, naquele lar, com sua mãe e seu pai, ter sido o elo da corrente, a herdeira natural daquele fantástico trabalho que fez Juscelino. Mas ela também fez um grande trabalho e merece o respeito e a admiração.

Hoje comemoram-se os 98 anos de nascimento de Juscelino. Faltam dois anos para o seu centenário de nascimento. É interessante analisarmos a figura de Juscelino Kubitschek, tão diferente da maiores dos líderes deste País: Getúlio Vargas era circunspecto, frio, um homem imponente; Tancredo era um verdadeiro mineiro, circunspecto, responsável; e Juscelino era um homem do povo, um homem que veio - é importante salientar - de baixo, com a missão humilde de trabalhar, de lutar para chegar a ser médico, sem padrinhos, sem fortuna. Contava apenas consigo mesmo, com seu trabalho e com sua alegria esfuziante.

Fez revoluções, como em Belo Horizonte, na Pampulha. Ele mudou o destino de Belo Horizonte, transformando-a em uma belíssima capital. Como Governador de Minas Gerais, ele realmente transformou o Estado, eminentemente agrícola, numa potência também industrial.

Olhando para trás, fico a pensar em como esse homem, na Presidência da República, conseguiu fazer tantas coisas. Juro que não entendo como ele pensou em criar a nova capital, com uma lei, votada no Rio de Janeiro com mágoa, criou uma comissão, construiu a Capital e a transferiu.

Num país como o Brasil, onde o povo não acreditava nem em patinete feito por brasileiros, de repente começaram a aparecer aqueles automóveis. De repente, começamos a nos transformar num grande centro naval, e os estaleiros do Rio de Janeiro se tornaram realidade. E na energia elétrica! Foram desenvolvidos grandes projetos que nem eram imaginados e nos quais não se acreditava. A Transamazônica! Meu Deus, foi uma explosão de desenvolvimento!

Como hoje, tanto tempo depois, em um Brasil tão mais rico e tão mais forte, as coisas não saem do chão?

Após Juscelino, no governo militar, a construção de Itaipu foi uma epopéia. Depois, na democracia, não conseguimos fazer com que o Brasil volta a experimentar o crescimento. Não penso num percentual de 9 ou 10%. %. Não reencontramos a fórmula de fazer deste um País otimista e em condições de avançar e vencer.

            Não há dúvida de que falta, na história, uma análise profunda de Juscelino, o homem. As obras, as realizações de Juscelino, nós as temos. As demonstrações de competência e de trabalho, já as conhecemos, bem como o seu espírito de grandeza.

Não queriam que ele assumisse o governo porque, afinal de contas, desde o início, a velha UDN estava querendo chegar ao poder e não conseguia.

Em 1945, derrubado Getúlio, era a vez do grande herói, Brigadeiro Eduardo Gomes, um homem extraordinário, diga-se de passagem. Era para ele ser o Presidente. Era para a UDN, engalanada na sua cultura e intelectualidade, ter na Presidência um homem do seu porte - e, cá entre nós, que pinta tinha o Brigadeiro Eduardo Gomes para chegar à Presidência da República! Mas Dutra, aquele baixinho que tinha sido Ministro da Guerra na ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, tornou-se o Presidente.

Em 50, a UDN ia dar o troco, de novo com o Brigadeiro. E não é que o velhinho voltou? Sequer se sabia se ele estava vivo, o que havia sido feito dele, o que tinha acontecido, se ele havia sido eleito Senador, porque, depois de ouvir o discurso duro de um Senador da UDN, ele pegou as suas coisas, foi embora para Itu e nunca mais voltou. Pois, na sua volta, Getúlio derrotou o Brigadeiro novamente e tornou-se Presidente.

Quando chegou a vez de Juscelino, muitas forças lutaram para que ele não assumisse. Foram os movimentos de Jacareacanga e de Aragarças. Muitos temiam que, no seu governo, ocorresse a consolidação definitiva do PSD e do PTB. Fizeram vários movimentos e esquemas para impedir que ele assumisse.

Quando Café Filho demitiu o marechal Lott do Ministério da Guerra, ele estava ali, impedindo a posse de Juscelino. Precisou-se enfrentar dois Presidentes - Café Filho e o Presidente da Câmara, Carlos Luz -, para que Juscelino pudesse tomar posse.

Ao tomar posse, o primeiro ato de Juscelino foi a anistia total a todos os que tentaram impedi-lo de exercer seu mandato. Foi uma anistia não apenas no papel, na política, um ato político. Ele fez questão de um governo de abertura geral para o Brasil. E foi um governo de paz, um governo de alegria, um governo de desenvolvimento, um governo de crescimento. Foi um governo em que não se tomou conhecimento de um ato de perseguição a qualquer pessoa. Foi um governo marcado pelo crescimento e pelo avanço constante.

Meu Deus, como Juscelino pôde fazer o que fez em cinco anos? É como pegarmos os governos que se seguiram e somar-lhes vinte anos.

Reparem o que é ser estadista. Reparem o que é ter um sonho, o que é ter um plano, o que é ter um ideal, o que é olhar para a frente, o que é olhar para o futuro e saber o que se quer. Ele queria o seu País! Ele queria desenvolver a sua Pátria! Para ele isso era o importante, esse era o seu sonho, esse era o seu ideal, essa era a sua bandeira, essa era a sua razão de ser!

Era isso! Ele não tinha outros caminhos, ele não tinha outras questões menores, ele não tinha outros tipos de preocupações que o levassem a outro tipo de conjectura, que o levassem a deixar de olhar o Brasil por três minutos para dar uma resposta, para dar o troco a um deputado, para fazer algo contra fulano ou beltrano. E a UDN bateu nele! Olhem, bateram como se esta Brasília fosse um saco de roubalheira e tudo o mais. Bateram nele, e ele tocou adiante. E ele foi indo, foi avançando, foi desenvolvendo.

Falo isto na hora em que vivemos uma história tão complicada, em que o Brasil se arrasta nos seus números, no seu porquê, sem saber para aonde vai, o que quer, o que não quer e onde chegará. Como é diferente quando se tem o homem, o líder, o chefe, a pessoa determinada, com o seu horizonte e com seu objetivo. O nosso povo não é aquele, a nossa gente não é aquela, o nosso operário não é aquele, a vontade de trabalhar não é a mesma. Por que, naquela época, aquela gente andava, avançava, progredia, crescia, e agora caminha para baixo? Está faltando a disposição de Juscelino - V. Exª tem razão -, está faltando a vontade de chamar, de clamar, de conclamar todos para que o Brasil ocupe o seu lugar. E olhem, meus irmãos, Juscelino fez um corte na estrada, avançou e, apesar de não ser previsível aquele crescimento do Brasil, ele o alcançou. Hoje, ao contrário, o mundo inteiro vê que a hora é do Brasil, o momento é nosso, a disposição é nossa, a hora é exatamente esta de uma nação como o Brasil, de um país continental como o nosso. As maiores reservas de água potável do mundo estão aqui, neste Brasil, que possui uma área de terras agricultáveis que dá para alimentar o mundo inteiro. Aqui, no Tocantins, no Mato Grosso, na Amazônia, aqui neste sertão, temos tudo, temos terra. Temos água potável, que é mais importante do que petróleo neste milênio. Temos um povo pacífico, ordeiro, capaz, trabalhador, responsável. Como dizia o Senador do Rio de Janeiro, a raça brasileira é resultado da mescla do negro, do índio, do português, do italiano, do alemão, essa mistura que fez o povo brasileiro que aqui está, sem as divisões existentes em outros países, como os Estados Unidos, onde há o negro, o branco, o espanhol, o chinês, o japonês, mas que até hoje não se misturaram. Vim agora de uma caminhada pelo Nordeste. Entrei dez dias pelo interior do sertão. Voltei emocionado com o nordestino mais pobre, mais simples. É o nordestino que sabe o que quer. É o nordestino que pede: “Dêem-me água que eu produzo e planto”. É um patriota, é um homem de bem. É apenas um homem tão puro e tão sério que aquilo que há aqui no Sul, em termos de impureza mental, ainda não chegou lá.

Temos um grande povo - a nossa elite é que não é grande coisa. Estão faltando alguns Juscelinos. Na elite brasileira, estão faltando realmente pessoas que tenham a pureza, a capacidade, a vontade, a garra e a grandeza de olhar o Brasil não com o seu interessezinho, de seu grupo, de seu partido, de sua organização, seja política, empresarial, jornalística, televisiva, religiosa, seja lá o que for.

Acho que, neste início de milênio, a grande sacudida que teríamos de dar é exatamente esta: o espírito de Juscelino, o espírito dessas pessoas que vieram, somaram e mostraram o que são. Refiro-me a Juscelino, Tancredo, Teotônio, a Barbosa Lima Sobrinho, o falecido Presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Estão aí tantas pessoas, tantos vultos que deveríamos fazer uma pausa para que cada um de nós se comprometesse a fazer sua parte por este País.

Os senhores já imaginaram se, de repente, disséssemos: “Olha, JK, neste teu aniversário, às vésperas dos cem anos, queremos dizer que, nos próximos anos, cada um de nós fará um pouco pelo Brasil, sem exigir, sem cobrar, mas fazer!”

Cada um de nós fazendo um pedaço do que pode por este Brasil. Em primeiro lugar, não levaríamos cinco anos para ter a agricultura mais fértil do mundo, por exemplo. Não levaríamos cinco anos para ter a agricultura que transformaria a História deste País. Em vez de importarmos seis ou sete toneladas de trigo, poderíamos ser os maiores exportadores de trigo do mundo. Em vez de importarmos milhões de toneladas de milho, poderíamos ser os maiores exportadores de milho do mundo. Poderíamos ser os maiores exportadores de alimentos do mundo e produzir para os 30 milhões de brasileiros que passam fome pela nossa irresponsabilidade ou pela nossa crueldade mental.

Falamos tanto nesta vida política, discutimos, conversamos, cochichamos e planejamos tanto, mas não fazemos nada. A conseqüência é zero. Que bom se pudéssemos, neste dia, neste momento, aqui neste sertão, dizer que iniciamos aqui o compromisso moral de cada um dizer presente ao chamado de todos, para o Brasil que nos espera e para o Brasil que nos chama.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2000 - Página 18362