Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a memória da ex-Deputada Federal e ex-Vice-Governadora do Distrito Federal, Márcia Kubitschek.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória da ex-Deputada Federal e ex-Vice-Governadora do Distrito Federal, Márcia Kubitschek.
Publicação
Publicação no DSF de 13/09/2000 - Página 18367
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARCIA KUBITSCHEK, EX-DEPUTADO, EX VICE GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF), FILHA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • HOMENAGEM, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DATA, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores e Deputados aqui presentes, peço licença para cumprimentar a todos e citar a presença do ex-Presidente da República José Sarney, que honra esta Casa, que conviveu com o Presidente Juscelino Kubitschek desde o início da década de 50, como também conviveu com ele o Presidente Antonio Carlos Magalhães, os dois representantes de uma geração que ainda hoje nos traz a memória de um tempo inesquecível na vida pública brasileira; cumprimento também, Sr. Presidente, a minha amiga Maristela Kubitschek, Anna Christina e, em nome delas, toda a família Kubitschek, Alejandra, Júlia, seus primos, o Deputado Paulo Octávio, enfim, toda a família Kubitschek que se faz aqui presente.

Hoje pela manhã, Sr. Presidente, muitos de nós que estamos neste plenário fomos à missa que D. José Newton celebrou na praça do Cruzeiro. Foi uma missa simples, celebrada sob uma lona, no mesmo lugar e com a mesma simplicidade que, em maio de 1957, D. Carlos Carmelo Mota celebrou a primeira missa de Brasília. Lá, como aqui, havia um sinal de memória afetiva muito forte, daqueles que se captam no ar, no olhar das pessoas, no sentimento de cada um. E não apenas dos que conviveram de perto, no dia-a-dia, com o Presidente Juscelino Kubitschek, com D. Sarah e com Márcia, mas das pessoas humildes que saíram hoje pela manhã de cidades-satélites longínquas e vieram de ônibus - o ônibus pára na rodoviária, e a distância da rodoviária ao Memorial JK não é pequena, se vencida a pé.

Muito bem, Sr. Presidente, o Senador Pedro Simon e eu chegamos cinco minutos, talvez, depois do início da missa, e ficamos um pouco atrás. E pudemos perceber que chegava, a cada momento, gente do povo. Um deles, um homem muito vivido, ficou ao meu lado. Eu tentava participar da celebração da missa, mas ele, incontido, quis contar a sua história. Fiz questão de anotar o seu nome: Sr. Manuel Oliveira. Ele foi um daqueles milhares de brasileiros que acreditaram na utopia de Juscelino; um daqueles milhares de brasileiros que, acreditando na idéia da construção de uma nova capital, vieram para Brasília. E ele me disse, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores e Deputados, que quando chegou aqui, na carroceria de um caminhão, trazendo na bagagem a esperança de uma vida melhor, havia muita poeira, redemoinhos de terra vermelha que se levantava. Ele foi trabalhar em uma obra. E ele me falou, emocionado e com os olhos cheios de lágrimas: “Eu conheci Juscelino, porque ele apertava a mão da gente, doutor.”

Assistimos à missa, com a presença daquelas pessoas humildes, dos pioneiros que construíram esta cidade porque acreditaram no ideal de toda uma geração de, através de Brasília, interiorizar o desenvolvimento nacional. E foi impossível não lembrar, naquele instante, um dos grandes momentos da história do Parlamento brasileiro.

O Presidente Antonio Carlos Magalhães, há alguns meses, determinou que se juntassem esses grandes momentos em uma peça fantástica de homenagem à história política brasileira, em CDs que estão disponíveis para aqueles que gostam de ouvir e rememorar esses pontos importantes da vida pública.

Lembrei-me, Sr. Presidente, daquele discurso de Tancredo. Agosto de 1976, morte de Juscelino, o Brasil todo se comove. Eu, cidadão comum, já vivendo em Brasília, jovem engenheiro naquela época, acompanhei aquele cortejo, que não tinha começo nem fim - ligou o aeroporto à Catedral e, depois, a Catedral ao Campo da Esperança. Pessoas de todos os lugares e de todas as classes uniam-se em uma mesma dor, em uma mesma saudade.

Alguns dias depois, sobe à tribuna do Congresso Nacional Tancredo Neves, que inicia o seu discurso memorável rememorando uma passagem de Andre Malraux, ocorrida no elogio fúnebre ao General De Gaulle. Andre Malraux estava à entrada do Palácio do Eliseu, quando chega uma mulher comum e tenta entrar para fazer o seu gesto de despedida ao grande general. Ela é contida pelos guardas franceses - é claro, porque eles só permitiriam a entrada das autoridades credenciadas. Chega, então, Andre Malraux e diz: “Deixe-a entrar. Ela é a França.”

Lembrei-me disso hoje, Maristela. Imaginei a emoção de Juscelino Kubitschek, de Dona Sarah e de Márcia assistindo àquela missa. Eles estavam ali em espírito; estavam ali porque havia um belíssimo coral de crianças de Diamantina; estavam ali na homilia do Padre Aleixo, filho de Pedro Aleixo - ele, também, contemporâneo de Juscelino nessa epopéia. Ele estava ali num gesto de saudade de cada um de nós.

Lembrando aquele memorável discurso de Tancredo, recordei-me de que, num dos trechos fantásticos da sua oração - uma oração de improviso, belíssima -, ele lembrava outro grande discurso, talvez o maior da história do Senado. Foi um discurso proferido aqui, desta tribuna, no dia 4 de junho de 1964, que começava dizendo assim:

Sr. Presidente, Senhores Senadores, na previsão de que se confirme a cassação dos meus direitos políticos, que implicaria na cassação do meu direito de cidadão ... e de representante do povo de Goiás, julgo de meu dever dirigir desta tribuna algumas palavras à Nação brasileira. Faço-o agora para que, se o ato de violência vier a consumar-se, não me veja eu privado do dever de denunciar o atentado que na minha pessoa vão sofrer as instituições livres. Não me é lícito perder uma oportunidade que não me pertence, mas pertence a tudo o que represento nesta hora.

E continuava aquele grande orador, aquele que se transforma e cresce no momento das dificuldades:

Julgo, sem jactância, ser este um dos momentos mais altos da minha vida pública. Comparo-o ao instante em que recebi a faixa presidencial, depois de uma luta sem tréguas contra forças de toda a ordem, inclusive as da calúnia, que em vão tentaram deter a vontade do povo brasileiro. Naquela ocasião assumi, perante a minha própria consciência, a determinação de não me deixar guiar por ressentimentos ou por mágoas, por mais justas que fossem. Perante Deus, perante o povo, diante desta Casa posso afirmar que, Presidente da República, durante cinco anos, zelei pela paz do Brasil, não autorizando, não permitindo, não pactuando com qualquer atentado à liberdade de quem quer que fosse e agindo sempre com dignidade administrativa.

Vai por aí afora o então Senador Juscelino Kubitschek de Oliveira, antevendo a cassação de seus direitos políticos, num discurso forte, digno, nobre, que termina com um dos parágrafos mais fantásticos da história política brasileira. Mesmo tendo deixado a Presidência, mesmo estando às vésperas da cassação dos seus direitos políticos, mesmo sendo perseguido por forças que ele acreditava, até aquele instante, de transformação, mesmo com todos os direitos humanos feridos naquele ato, ele se lembra - com a grandeza que só ele tinha - de dirigir uma palavra às nações estrangeiras, e diz:

Dirijo-me, agora, de maneira particular, aos países estrangeiros, aos meus amigos do exterior, à opinião pública internacional para dizer-lhes que não julguem o meu País por este ato de iniqüidade contra mim que, na verdade, estão executando contra o povo brasileiro.

(Palmas)

E os aplausos são para Juscelino, porque era ele quem, naquele instante, pedia desculpas às nações estrangeiras por um ato de iniqüidade que, na verdade, o afetava diretamente.

Juscelino foi cassado. Depois parte para o exílio. Muitos anos mais tarde, Sr. Presidente, ele volta. Apesar de seu amor por Diamantina, de seu amor por Minas Gerais, ele resolve viver boa parte de seus dias aqui em Brasília, numa fazendinha humilde, muito próxima a Brasília, no Município de Luziânia.

Tive o privilégio de ser escalado pela Companhia de Eletricidade de Brasília, onde eu trabalhava, para ligar lá um pequeno transformador. Confesso a você, Maristela, que era um trabalho de uma hora, de uma hora e meia, mas eu demorei o dia inteiro, porque só à tarde consegui ver Juscelino. Foi o único encontro que pude ter com ele.

Mais tarde, muitos anos mais tarde, já no início da década de 80, volta para o Brasil e para Brasília Márcia Kubitschek. Dona Sarah se muda naquele momento para Brasília, e os meus amigos Carlos Murilo Felício dos Santos, pelas mãos de quem entrei na política, Ildeu de Oliveira, e alguns outros familiares muito próximos de Juscelino me convidam para um encontro. Nesse encontro - eu me recordo bem -, num apartamento simples, na 307 Sul, estavam D. Sarah, Márcia e o ex-Deputado José Aparecido de Oliveira, que depois assumiria o Governo de Brasília. Eles me pediram, naqueles primeiros dias de retorno de Márcia ao Brasil e a Brasília, que eu a acompanhasse. Brasília havia se modificado muito, crescido muito, e era preciso que Márcia dominasse, até, o território, soubesse exatamente como era a nova Brasília - cuja construção e cujos primeiros anos ela havia, na verdade, acompanhado.

A partir daquele dia, eu fiz uma das maiores amizades da minha vida. Acompanhei Márcia, num carro humilde, eu e ela andando por esta cidade e conversando com as pessoas.

Depois, na campanha de 1986, ela se elegeu Deputada Federal Constituinte. Exerceu aqui um mandato, honrando a memória e a vida pública de seu pai, honrando o mandato que os pioneiros e o povo de Brasília lhe haviam conferido, sem perder a característica da humildade e da simplicidade.

O tempo passa, Dona Sarah acaba fixando residência em Brasília. Depois, Márcia foi Vice-Governadora. Convivemos no dia-a-dia, e, depois, já em 1994, Deus me deu o privilégio de compor uma chapa majoritária, liderada pelo então Senador Valmir Campelo, que nos honra aqui com sua presença.

Márcia e eu fomos candidatos ao Senado. Fizemos campanha juntos, Sr. Presidente. Subimos nos palanques, visitamos as casas das pessoas. Visitamos todas as casas, desde as mais humildes até as dos pioneiros que haviam se transformado em grandes empresários. Fomos a todos os lugares. Por alguns meses, caminhamos juntos, lado a lado, na busca do mandato parlamentar. Quis a sorte que eu viesse para esta Casa. E Márcia, a partir dali, não tendo sido eleita, reassumiu a direção do Memorial JK e, mais tarde, foi Vice-Presidente da Embratur. Ela fez muito pelo turismo brasileiro e trabalhou mundo afora levando a imagem do Brasil.

Mas, sobretudo, Sr. Presidente, o que guardo na memória é o lado humano de Márcia Kubitschek, uma pessoa do bem, incapaz, mesmo nas horas mais difíceis, de ser desleal.

Carlos Murilo, mais uma vez, num determinado dia me chama pela manhã, com urgência, à casa de Márcia. Fui um daqueles poucos que chegaram ali ainda no momento do café da manhã; alguns deles haviam passado a noite acordados. É que, na noite anterior, o então candidato à Presidência da República Fernando Collor havia estado lá, convidando Márcia para ser sua companheira de chapa. Já se antevia àquela época que aquele jovem Governador de Alagoas poderia ter sucesso na sua caminhada. Dentro do quadro de estratégia política que traçara, ele queria uma companheira de chapa ou um companheiro de chapa que viesse de Minas. Convidou Márcia. Foram insistentes os apelos que ela recebeu para aceitar aquele convite, mas ela o recusou com uma explicação muito simples: ela já havia assumido, junto com Dona Sarah, um compromisso com o Dr. Ulysses, compromisso que, na verdade, era a conseqüência das relações de amizade e das relações políticas de Juscelino com Ulysses Guimarães. Tendo assumido o compromisso, Márcia não poderia desfazê-lo.

Talvez por isso Márcia não tenha ocupado a cadeira que seu pai antes havia ocupado, mas, ao não fazê-lo, marcou, com esse gesto, o traço mais forte da família Kubitschek, que é exatamente o traço da lealdade, da honestidade de propósitos, da firmeza de caráter e, mais que tudo isso, da simplicidade em exercer essas características humanas no dia-a-dia de suas vidas pessoais e públicas.

Hoje estou emocionado, porque não estou aqui apenas em meu nome, Maristela e Ana Cristina. Estou aqui pelo mandato que me conferiu o povo de Brasília, cidade que Juscelino construiu, para prestar uma homenagem ao Presidente Juscelino Kubitschek. É como se hoje aqui estivéssemos iniciando as comemorações do seu centenário, porque todos nós, o Congresso Nacional, Brasília e o Brasil começamos a nos preparar para, daqui a dois anos, celebrarmos o centenário de JK.

Estou aqui em nome desta cidade, da Capital do meu País, daquele cidadão humilde que veio de ônibus da Ceilândia para assistir à missa. Estou aqui num plenário que conta com a presença do filho de Israel Pinheiro, que conta com a presença de Ernesto Silva, de Coronel Affonso Heliodoro e de muitos outros que dedicaram suas vidas à trajetória política de Juscelino. Estou aqui numa tribuna de onde os dois Senadores de Goiás, Senadores Iris Rezende e Maguito Vilela, já falaram do carinho do povo do interior do Brasil pelo grande estadista e de onde o Senador Pedro Simon lembrou, com rara felicidade, os momentos mais inesquecíveis da trajetória política de JK.

Estou aqui, Maristela, para fazer uma homenagem à família Kubitschek, ao grande Presidente, ao grande homem público, mas, além disso, ao grande ser humano, ao homem que enfrentava dificuldades com otimismo no coração, com um sorriso largo, com gestos carinhosos e, como disse hoje pela manhã o Padre Aleixo, “com firmeza de propósitos, mas com voz mansa”.

Estou aqui para lembrar e homenagear Dona Sarah Kubitschek, que escolheu Brasília para viver os últimos anos de sua vida. E, neste momento, peço desculpas à família pela confidência que vou fazer, mas é importante que o País saiba que ela viveu seus últimos anos nesta cidade, na cidade que Juscelino construiu, num humilde apartamento alugado na SQS 314. (Palmas)

Maristela, estou aqui para lembrar, finalmente, a Márcia. Poucos dias antes do falecimento de Márcia, fui a São Paulo, fui ao hospital para visitá-la. Fisicamente foi impossível a visita, mas todos nós a visitamos em espírito, como hoje a visitamos em saudade. Márcia honrou a memória de JK e continuou a sua trajetória humana, porque, como ele, sempre foi boa, sempre foi de paz, sempre foi solidária, sempre foi generosa. Márcia honrou a trajetória da família Kubitschek ao ter grandeza de caráter e de ideais, ao ter uma visão ampla. Ela via o Brasil com o seu potencial. Ela via o Brasil com otimismo e era incapaz de agir motivada por coisas pequenas.

À Márcia Kubitschek, à Dona Sarah Kubitschek e ao grande Presidente Juscelino Kubitschek, que estaria hoje completando 98 anos, a homenagem do povo de Brasília, a homenagem do povo que vive na Capital do País que ele construiu com sua utopia, com sua coragem, com sua determinação.

Se me permitem todos, termino esta homenagem e este momento de saudades com as palavras inesquecíveis dele mesmo, as palavras que estão gravadas no mármore do Memorial, mas que, sobretudo, estão gravadas no coração daqueles que sabem que foi a partir de JK que o Brasil conquistou o seu próprio território, que o Brasil acreditou em si mesmo, que o Brasil começou a se transformar para se constituir numa nação forte, numa nação que pode ter uma sociedade mais livre e mais humana, num país que passou a acreditar em si mesmo. Juscelino foi o idealizador deste tempo que começa exatamente nos anos 50.

Ele dizia, na inauguração de Brasília, que:

Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das grandes decisões nacionais, lanço os olhos, mais uma vez, sobre o amanhã do meu país e antevejo, com uma fé inquebrantável e uma confiança sem limites, o seu grande destino.

Muito obrigado. (Palmas)

 


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/09/2000 - Página 18367